Reportagens

Ao mobilizar 20 mil estudantes pelo clima, jovem é ícone na defesa ambiental no Quênia

Destaque na Conferência do Clima, Liz Mazingira tornou-se uma voz ambiental reconhecida, após fundar um movimento nas escolas que já plantou mais de 30 mil mudas no país

Fabíola Ortiz ·
6 de janeiro de 2020 · 4 anos atrás
Aos 24 anos, Liz Mazingira é fundadora de um movimento nas escolas do Quênia que, em dois anos, já plantou mais de 30 mil mudas. Foto: Facebook.

Elizabeth Wanjiru Wathuti ou simplesmente ‘Liz Mazingira’ plantou sua primeira árvore aos sete anos de idade na floresta de Karima, no planalto central do Quênia. A menina Liz cresceu em Tetu, um povoado no distrito de Nyeri, a 160 quilômetros ao norte da capital Nairobi. Ainda criança, por iniciativa própria, criou um grêmio ambiental em sua escola com o apoio de seus professores de geografia.

Hoje, aos 24 anos, formada em Estudos Ambientais e Desenvolvimento Comunitário na Universidade Kenyatta, Liz é fundadora de um movimento nas escolas do Quênia que, em dois anos, já plantou mais de 30 mil mudas e envolveu, pelo menos, 20 mil estudantes de escolas de zonas rurais e urbanas que careciam de árvores e sofriam com a falta de natureza ao redor.

“Criei um movimento para mobilizar crianças nas escolas a me ajudar a plantar mudas. É realmente muito triste saber que muitas crianças têm que sentar no chão quente sem grama debaixo de um sol extenuante e não ter nenhuma árvore para abrigar e fazer sombra”, lamenta.

Chamado Green Generation Initiative (@GGI_Kenya), ‘Iniciativa de Geração Verde’ em tradução livre do inglês, a ação mobiliza educadores, professores e, principalmente, estudantes e crianças do jardim de infância para plantar árvores nos pátios, jardins e ao redor das escolas.

Esverdear as escolas

Liz explica que seu objetivo é “esverdear” as escolas, garantir a segurança alimentar dos estudantes transformando-os em entusiastas do meio ambiente que compreendam a importância da natureza, além de construir uma resiliência climática e aumentar a cobertura florestal em seu país.

“Se você aprende a amar a natureza, você irá protegê-la. Se as crianças aprendem conhecimentos de como plantar árvores, saberão entender que, apesar da crise climática que estamos enfrentando, elas têm um papel importante para combatê-la e criar um futuro em que todos possamos viver”, argumentou.

“ Criei um movimento para mobilizar crianças nas escolas a me ajudar a plantar mudas. É realmente muito triste saber que muitas crianças têm que sentar no chão quente sem grama debaixo de um sol extenuante e não ter nenhuma árvore para abrigar e fazer sombra ”

Ao demonstrar determinação e compromisso com o meio ambiente e com a busca de melhoria da qualidade de vida para muitos quenianos, a jovem Liz se tornou uma voz ambiental reconhecida em seu país e, mais recentemente, uma ativista pelo clima em solidariedade a movimentos internacionais.

A natureza sempre foi sua “professora” e lhe ensinou muito em sua infância, lembra. “Cresci em uma das regiões com mais florestas no Quênia o que gerou em mim uma conexão muito grande com a natureza. É por isso que agora eu luto pelo que amo”, afirmou. “Estamos tentando assegurar que as árvores que plantamos nas escolas tenham um valor para as crianças, mas também para a conservação dos ecossistemas”, disse a ((o))eco.

Estima-se que a cobertura florestal do Quênia não passe de 7,4% da área total do país, longe do mínimo global recomendado de 10%. Pior ainda, a cobertura florestal fechada (closed canopy forest cover) do Quênia representa 2% do total, em comparação com a média africana de 9,3% e a média mundial de 21,4%.

A última avaliação abrangente da cobertura florestal no país, realizada em 2013, estabeleceu que até 2010 a cobertura florestal nacional era de 4,18 milhões de hectares, representando 6,99% da área total. E, em 2015, chegou a 7,2%, segundo o Relatório Global de Avaliação de Recursos Florestais da FAO. Em abril de 2018, o relatório da Força-Tarefa sobre Atividades de Manejo e Extração de Recursos Florestais no Quênia indicou que, nos últimos anos, as florestas do país foram esgotadas a uma taxa alarmante de cerca de 5.000 hectares por ano. Isso levou a uma redução anual da disponibilidade de água de 62 milhões de metros cúbicos, resultando em uma perda econômica de mais de US$ 19 milhões.

Até 2022, o país definiu sua estratégia de alcançar a meta de 10% de cobertura florestal a partir de criações de berçários de mudas e do apoio do serviço florestal queniano. No marco de seus compromissos voluntários para o clima (os Nationally Determined Contribution – NDCs) até 2030, o governo se comprometeu em restaurar 5.1 milhões de hectares de áreas degradadas, reduzir metade de suas emissões de gases de efeito estufa no setor florestal e alcançar uma ‘neutralidade da degradação do solo’ (land degradation neutrality) dentro da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação.

Liz e um grupo de crianças plantando ao redor de uma escola.

Florestas de alimentos

“Queremos que as crianças aprendam fazendo e elas só poderão aprender se há um ambiente propício para o aprendizado. Um ambiente propício significa ter natureza em volta”. Ela explica que também se interessa em aliar a segurança alimentar à plantação de árvores. Por isso, desenvolveu a ideia de plantar food forests, ou ‘florestas de alimentos’ nas escolas com um mix de espécies de árvores frutíferas como manga e abacate.

“Lidar com os desafios climáticos também significa pensar na segurança alimentar. Cada árvore tem seu valor. Queremos garantir que cada criança tenha pelo menos um prato de comida por dia com nutrientes para se alimentar”, comentou ao destacar que muitos dos estudantes vivem em áreas pobres não tendo do que se alimentar diariamente.

Em 2016, a ativista queniana recebeu o prêmio Wangari Maathai por sua paixão e compromisso com a conservação ambiental. Todos os anos, é concedida uma bolsa de estudos a uma jovem que tenha comprovado seu engajamento e compromisso pessoal com o meio ambiente, além de demonstrar capacidade de mobilizar pessoas e liderar atividades na defesa ambiental.

A premiação é em homenagem à falecida professora Wangari Maathai, primeira mulher africana a receber o Nobel da Paz em 2004 por seus esforços para salvar as florestas do Quênia. Maathai tornou-se um modelo para Liz e norteou muitas de suas ações pelo país.

Liz conta que o prêmio foi utilizado para investir na compra de mudas já que antes ela usava de suas próprias economias. O prêmio também lhe ajudou a criar um berçário de mudas em sua casa. De uma iniciativa individual, o Green Generation Initiative conta hoje com o entusiasmo e o trabalho de mais de 40 voluntários que se inspiraram pelas ideias de Liz.

“Lidar com os desafios climáticos também significa pensar na segurança alimentar. Cada árvore tem seu valor. Queremos garantir que cada criança tenha pelo menos um prato de comida por dia com nutrientes para se alimentar”

“Quando comecei a divulgar minhas atividades nas redes sociais, recebi muitas mensagens de gente interessada em participar. Tenho orgulho de dizer que hoje são dezenas de jovens quenianos apaixonados e entusiasmados. É graças a eles que temos sido capazes de gerar tanto impacto”, comemora.

Na COP25 em Madri

Liz esteve, em Madri, em dezembro, para participar da Cumbre Social por el Clima, a Cúpula Social pelo Clima, evento paralelo à Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 25), realizado entre 2 e 13 de dezembro. Liz foi uma entre os 15 mil participantes que se engajaram em cerca de 350 atividades, debates, diálogos e seminários no campus da Universidade Complutense na capital espanhola.

Após participar ativamente dos inúmeros painéis e mostrar voz ativa e solidária ao coletivo Fridays For Future que liderou a ‘Greve Global Pelo Clima’, inspirado pela jovem ativista sueca Greta Thunberg, Liz acabou sendo convidada para integrar um grupo de jovens ativistas pelo clima para adentrar ao recinto da COP25 e levar sua história e mensagem aos líderes mundiais.

Para ela, fazer uma greve pelo clima significa fazer ouvir as vozes de muitas pessoas em seu país que estão sofrendo pelos impactos gerados pelas mudanças climáticas. “Muitos estão morrendo por desabamento de terras, inundações e fome. São pessoas que não têm espaço ou chance de falar e de ser ouvidas. É isso o que fazer greve pelo clima significa para mim, tentar ser a sua voz e lutar pelas pessoas que sofrem e para que elas possam ter um futuro”.

Em sua conversa com ((o))eco, Liz disse que seu grande objetivo era o de alertar as autoridades a tomar medidas imediatas contra as mudanças climáticas e frear a destruição do meio ambiente.

“Assim como todo jovem, eu estou definitivamente cansada. Estou farta da inação, queremos ver a crise climática ser tratada com a urgência que ela merece. O que estamos vivendo é, sim, uma emergência e devemos atuar como tal”, demanda.

Liz Mazingira na COP25, em Madri.
Foto: Facebook.

Foto: Facebook.

 

 

 

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  • Fabíola Ortiz

    Jornalista e historiadora. Nascida no Rio, cobre temas de desenvolvimento sustentável. Radicada na Alemanha.

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