A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), principal organização indígena do país, protocolou nesta quinta-feira (26) uma representação criminal na Procuradoria Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Também são denunciados Marcelo Xavier, ex-presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Damares Alves, ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e Robson Santos, ex-secretário de saúde indígena da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).
No documento protocolado na Justiça nesta quinta-feira, 26 de janeiro, a Apib pede instauração do competente inquérito, visando ao final a condenação do ex-presidente de sua ministra e secretário pelas condutas omissivas e pelos crimes de genocídio (art. 1o a,b,c da Lei no 2.889 /56) e improbidade administrativa (Lei no 14.230/2021 – Lei de Improbidade Administrativa/ art. 37 da CF).
De acordo com a representação, Bolsonaro foi omisso com o povo indígena Yanomami no exercício de sua função presidencial. Dados reunidos no relatório “Yanomami sob ataque”, publicado em 2021 pela Hutukara Associação Yanomami, Associação Wanasseduume Ye’kuana e o Instituto Socioambiental (ISA), apontam que,“houve um incremento anual de 1.038 hectares, atingindo um total acumulado de 3.272 hectares”, desde 2018 até 2021, […], possivelmente, a maior taxa anual desde a demarcação da Terra Indígena Yanomami (TIY), em 1992”.
A qualidade da água também foi afetada pelos altos índices de mercúrio e outros agentes contaminantes necessários à exploração de ouro. Um laudo da Polícia Federal, citado na denúncia criminal, revela que quatro rios da região têm alta contaminação por mercúrio, apresentando um índice 8600% superior ao estipulado como máximo para águas de consumo humano.
A denúncia também destaca que a omissão por parte das lideranças governamentais relacionada à invasão do território funcionou como um incentivo ao garimpo à época. “Houve uma flagrante omissão por parte desses agentes públicos em dar resposta ao povo Yanomami. Nesse documento, a gente elenca os direitos fundamentais dos povos indígenas que foram violados e também os direitos humanos que foram cerceados”, diz Maurício Terena, coordenador jurídico da APIB.
A representação criminal também relembra que 21 ofícios com pedidos de ajuda dos Yanomamis foram ignorados por Bolsonaro. Além disso, a ex-ministra Damares Alves teria pedido que Bolsonaro não enviasse aos indígenas leitos de UTI, água potável, materiais de limpeza e higiene pessoal, informativos sobre a pandemia da Covid-19 e instrumentos médicos.
Segundo um documento revelado na época pelo deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), que o conseguiu via requerimento de informação, a ministra alegava que os povos indígenas não haviam sido “consultados pelo Congresso Nacional”. Em seu pedido ao presidente, Damares alega: “Mesmo cientes da situação de excepcionalidade vivida pelo país e da celeridade em aprovar projetos de lei que beneficiem e protejam os povos tradicionais, os povos indígenas, quilombolas e demais povos tradicionais, eles não foram consultados pelo Congresso Nacional”.
Denúncias precedentes
Em junho de 2020, a APIB ingressou com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF Nº 709 – no Supremo Tribunal Federal (STF), com o objetivo de combater a omissão do Governo Federal no enfrentamento à pandemia do COVID-19.
No mês seguinte, o ministro do STF, Luís Roberto Barroso, relator da ação, determinou medidas a serem tomadas pelo Governo Federal. Entre elas, a criação de barreiras sanitárias, o acesso aos serviços de saúde a todos os indígenas aldeados, independente de suas reservas estarem ou não homologadas, e a elaboração e monitoramento do Plano de Enfrentamento da Covi-19 para os povos indígenas brasileiros.
Apesar da determinação, a APIB identificou o descumprimento das medidas e informou ao STF, em maio de 2022. Nos autos da ADPF Nº709, a Articulação também relatou a escalada da violência e os problemas de saúde na Terra Indígena Yanomami.
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