Reportagens

Após foco na economia, preservação precisa ser meta de Lula para Pan-Amazônia, dizem especialistas

Em duas décadas de governos petistas na região, propostas foram concentradas apenas para o campo econômico, como a abertura da Rodovia Interoceânica

Fabio Pontes ·
31 de janeiro de 2023 · 1 anos atrás

Com a Floresta Amazônica ocupando mais de 60% do território brasileiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer recolocar o país no protagonismo sul-americano de proteção do bioma. Desde sua eleição, o petista fala sobre a importância de se dialogar com os países vizinhos que também têm a floresta em seu território, como a Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, para o desenvolvimento de ações integradas para proteção do bioma. 

Com a maior parte dos países do continente hoje controlados por governos progressistas, Lula parece não encontrar resistências para elaborar um plano de preservação da floresta na chamada Pan-Amazônia ou “Amazônia Internacional”. 

A proposta de se ter estratégias regionais de proteção da mais importante floresta tropical do mundo surge como um contraponto às propostas passadas discutidas pelos governos, cujo foco estava na integração econômica, com projetos de infraestrutura de elevados impactos sociais e ambientais. 

A fronteira Brasil-Peru, por exemplo, é uma das mais ameaçadas neste sentido por conta de novas rodovias internacionais como a Estrada do Pacífico (BR-317). 

“Essa integração sul-americana foi pensada apenas através de infraestrutura, de estradas, ferrovias, pensando mais no viés econômico. E isso não tem sido positivo para os povos indígenas que vivem nessas áreas de fronteira”, diz Malu Ochoa, assessora técnica da Comissão Pró-Índio (CPI Acre). 

Mas, apesar do discurso do novo presidente, as lideranças locais parecem insistir em velhos erros. Após a pavimentação da Interoceânica, entre os dois países, a partir da fronteira com o Acre, o governador, Gladson Cameli (PP), e políticos do estado agora defendem a abertura de uma nova estrada até o Peru. O projeto é uma ameaça sob  uma das regiões mais bem preservadas da Amazônia – de ambos os lados da fronteira. A nova estrada ainda colocaria em risco a sobrevivência de indígenas isolados e também dos já contactados. 

A primeira estrada, a Rodovia Interoceânica, foi planejada e concluída durante os 20 anos de governos petistas no Acre (1998-2018). Luiz Inácio Lula da Silva, durante o seu primeiro mandato (2003-2010), foi o principal financiador da obra dentro  do território peruano.  

Estrada facilitou gado em Unidade de Conservação

As consequências da Estrada do Pacífico são sensíveis para a preservação da Amazônia nos dois países. Do lado do Peru, a extração de madeira e a abertura de grandes garimpos no departamento de Madre de Dios foram as mais perceptíveis. 

Boi na Resex Chico Mendes. Foto: Duda Menegassi

Já no Acre, a BR-317 margeia toda a extensão da Reserva Extrativista Chico Mendes, elevando as pressões da agropecuária sobre ela. A abertura de ramais que se conectam à rodovia também favorece a entrada de grileiros e o roubo de madeira. Todo o entorno da estrada está ocupado por grandes fazendas de gado – e aos poucos a soja também já ganha espaço. 

Dentro da entidade, ela acompanha as políticas públicas pensadas por Brasília e por Lima para a faixa limítrofe dos dois países. A fronteira brasileira-peruana, do Vale do Acre ao Vale do Javari, no Amazonas, tem as maiores concentrações de povos indígenas em isolamento voluntário do mundo. 

Especialistas alertam que novos desmatamentos e pressões na região podem ter um saldo negativo para o Brasil. “Os países amazônicos têm um papel importante para desenvolver projetos positivos na redução dos gases do efeito estufa (GEE). O mundo está de olho em nossa região”, comenta Malu, da Comissão Pró-Índio. 

Além dos impactos ocasionados pela abertura de estradas, ramais e a extração de madeira, a região sofre com a influência do tráfico internacional de drogas. Na selva peruana estão os laboratórios para a produção de cocaína, cujas rotas de entrada para o Brasil são controladas por facções criminosas do Sudeste, como aponta estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 

Brasil é o principal responsável pela floresta

Conforme dados da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (Raisg), a Pan-Amazônia ocupa o território de nove países da América do Sul, e sua formação têm com base três critérios: políticos (que leva em conta aspectos territoriais) os biogeográficos (com base na presença do bioma) e da bacia hidrográfica do rio Amazonas. 

Considerando apenas o aspecto de presença da floresta, a Pan-Amazônia tem uma área de quase sete milhões de quilômetros quadrados. Nos três critérios, o Brasil detém a maior porção da Amazônia (com 4,1 milhões de Km2), seguido por Peru e Bolívia. 

Ao concentrar 60% da Floresta Amazônica dentro de seus limites, o Brasil também registra as maiores taxas de impactos sobre o bioma, seja por meio do desmatamento ou das queimadas. Ao se apresentar como a principal força política e econômica do continente sul-americano, e após quatro anos de isolamento nas relações internacionais, o país tenta agora chamar para si a responsabilidade de um plano integrado. 

“É extremamente importante que existam ações conjuntas efetivas de proteção à floresta, que garantam a manutenção da biodiversidade do bioma e a qualidade de vida de seus povos e comunidades tradicionais. Essa cooperação internacional precisa ocorrer primeiramente para combater crimes que são comuns na Pan-Amazônia, como atividades ilegais de desmatamento, garimpo, agropecuária, pesca e exploração madeireira”, diz Carlos Souza Júnior, coordenador do Programa de Monitoramento da Amazônia, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). 

Após o combate aos crimes típicos das regiões da fronteira amazônica, completa ele, os governos precisam “elaborar políticas e acordos internacionais para motivar o desenvolvimento socioambiental do bioma amazônico, que por ser um dos mais biodiversos do mundo possui uma oportunidade enorme de exploração sustentável dos seus recursos naturais”. 

Assim como Malu Ochoa, da CPI-Acre, o pesquisador do Imazon afirma que o combate ao desmatamento precisa ter um plano conjunto entre os países pan-amazônicos para, assim, reduzir as emissões de gases poluentes que aceleram as mudanças climáticas. 

Ao se estabelecer  essa cooperação regional, diz Carlos Souza, os países podem ter muito mais condições para a obtenção de recursos internacionais para ações de preservação da floresta, e a melhoria da qualidade de vida de suas populações tradicionais. 

Efeitos sem fronteiras 

O ecólogo e pesquisador da Universidade Federal do Acre (Ufac), Foster Brown, é também um dos coordenadores do projeto MAP: Madre de Dios (Peru), Acre e Pando (Bolívia). A iniciativa reúne cientistas da faixa de fronteira dos três países para a troca de experiências que conciliam a preservação da floresta com o empoderamento das comunidades.  Para ele, a proposta do governo Lula de buscar os vizinhos para planos conjuntos para a Amazônia é necessária e importante. Conforme Brown comenta, o que é feito ou não feito num dos países da região, causa impactos nos demais. 

“O que acontece num país amazônico não fica só naquele país. Vou dar um exemplo: água e ar. Nós sabemos, desde a década de 1970, que as florestas da Amazônia ajudam a reciclar as chuvas, especialmente perto dos períodos de seca. Essa importância aumenta de leste para oeste”, comenta o ecólogo. 

Rodovia Transoceânica. Foto: Agência Brasil. 

Segundo ele, a Amazônia do Peru e da Bolívia, além do próprio Acre, depende bastante desta reciclagem. O desmatamento elevado no leste da Amazônia brasileira, como no Pará e Mato Grosso, afeta os ciclos de chuvas na porção mais ocidental do bioma. 

Já o efeito inverso é a poluição dos rios em suas partes mais altas – localizadas, em sua maior parte, nos territórios dos países vizinhos – que tem consequências no Brasil. Essa contaminação acontece não só pelo despejo de esgoto sem tratamento, como também de metais pesados pelo garimpo ilegal. 

Quanto ao ar, o ecólogo da Ufac lembra que a fumaça das queimadas típicas dos períodos secos da Amazônia não respeita fronteiras. A poluição de uma queimada no Peru afeta a qualidade do ar e a saúde dos amazônidas no lado brasileiro – e vice-versa. 

  • Fabio Pontes

    Fabio Pontes é jornalista com atuação na Amazônia, especializado nas coberturas das questões que envolvem o bioma desde 2010.

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