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‘Área degradada’ ajuda meta do país no clima

Grupo mede pela 1ª vez contribuição das florestas secundárias para sequestro de carbono; dado sugere que meta do Brasil em Paris poderia ser bem mais ambiciosa se incluísse essa vegetação

Claudio Angelo ·
16 de maio de 2016 · 8 anos atrás
Capoeira em floresta seca de Minas Gerais. Foto: Maria D. M. Veloso
Capoeira em floresta seca de Minas Gerais. Foto: Maria D. M. Veloso

Capoeira, juquira, área degradada, área devoluta. O ecólogo Daniel Piotto não se conforma com os nomes populares dados às florestas que crescem novamente após o abandono de uma área desmatada. “É tudo pejorativo”, protesta.

Mas as humilhadas florestas secundárias ainda poderão rir por último, graças ao trabalho de um grupo internacional de dezenas de pesquisadores integrado por Piotto e outros brasileiros. O time produziu o primeiro mapa global dessas matas em regeneração na América Latina e calculou seu potencial de sequestro de carbono. Os números são impressionantes.

Do México ao Paraguai, as florestas tropicais em diversos estágios de regeneração cobrem 2,4 milhões de quilômetros quadrados, uma área superior à da Argentina. E, se fossem mantidas por 40 anos livres dos tratores e das motosserras, sequestrariam da atmosfera 31 bilhões de toneladas de gás carbônico – o equivalente a tudo o que a América Latina emitiu entre 1993 e 2014. Desse potencial, 71% está em um único país: o Brasil.

Piotto e seus colegas do consórcio SecondFor (contração em inglês de “Amantes da Floresta Secundária”), vêm se dedicando a entender o papel das áreas regeneradas para a biodiversidade e o ciclo de carbono – por tabela, para o clima. Em fevereiro eles já haviam publicado um estudo na revista Nature estimando pela primeira vez o potencial médio de sequestro de carbono de uma floresta secundária, 11 vezes maior do que o de uma floresta madura na Amazônia.

O novo estudo, publicado on-line nesta sexta-feira (13/5) no periódico Science Advances, traz agora o mapeamento de onde essas florestas estão e de sua resiliência, ou seja, os lugares onde uma área desmatada e abandonada volta a ser floresta mais rápido.

Segundo Piotto, o trabalho tem implicações diretas para as metas do Brasil no Acordo de Paris, inscritas na chamada INDC (Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida). Como não havia até agora estimativas do quanto essas florestas capturavam de carbono, elas não são incluídas nas provisões da INDC, segundo a qual o país se compromete a reduzir 37% de suas emissões em 2025 em relação aos níveis de 2005. O compromisso do país no setor de florestas se limita a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia e restaurar ou reflorestar 120 mil quilômetros quadrados desmatados.

“A meta é muito tímida”, diz Piotto, pesquisador da Universidade Federal do Sul da Bahia.

Segundo ele, o país poderia adotar um compromisso muito mais ousado de redução de emissões caso as florestas secundárias entrassem na conta, já que, essas sim, estão ativamente sequestrando carbono. “A gente concentra muito o nosso foco na restauração, e as pessoas têm a impressão de que é um processo ativo, de custo altíssimo”, afirma o cientista. “Mas, se a gente cuidar das florestas que estão se regenerando, com medidas simples a gente consegue adotar uma meta muito mais ambiciosa.”

A questão é que, para isso, seria preciso proteger as capoeiras, que hoje estão desguarnecidas em grande parte do Brasil.

Em vários Estados, as florestas nos chamados “estágios iniciais de sucessão” são passíveis de desmatamento legal. No Pará, por exemplo, embora a lei proteja capoeiras em estágio avançado de crescimento, o corte é permitido até 20 anos de idade se elas estiverem fora de áreas de preservação permanente. Na Mata Atlântica, formações florestais em estágio “inicial” ou “pioneiro”, muitas vezes indistinguíveis de um pasto sujo, também podem ser derrubadas legalmente pela Lei da Mata Atlântica, com autorização do órgão ambiental estadual. Nesse bioma, o limite de reserva legal é apenas 20% da propriedade. “Essas florestas estão no limbo”, diz Piotto.

O grupo elaborou vários cenários de emissão e sequestro de CO2 para várias hipóteses de proteção. No cenário de desmatamento atual, a América Latina chegaria em 2048 com 12,2 bilhões de toneladas de CO2 emitidas desde 2008. No cenário de proteção de 100% das florestas secundárias com transformação de 40% dos pastos em capoeira – uma virtual impossibilidade prática –, o sequestro total no período chegaria a 37,7 bilhões de toneladas. O SecondFor advoga uma política na qual a maior parte dessas florestas seja preservada. Pelo seu tamanho e pelo exemplo, o Brasil deveria liderar a sua adoção.

“O resultado mostra que é possível descarbonizar mais cedo do que se imaginava”, diz Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima. O problema, ele afirma, são dois: primeiro, assumir que a mudança climática não afetará a capacidade de absorção de carbono das florestas nas próximas décadas. Segundo, não se pode usar esse saldo positivo de absorção das capoeiras para deixar de zerar o desmatamento, restaurar florestas em grande escala e cortar emissões no setor de energia – onde elas crescem mais rápido no país. “Não resolve se não fizermos a lição de casa em todos os setores.”

 

*Republicado do Observatório do Clima através de parceria de conteúdo. logo-observatorio-clima

 

 

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  • Claudio Angelo

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Comentários 3

  1. Enquanto o próprio governo estiver cometendo crimes ecológicos para justificar ganhos econômicos, em nome da sociedade, não haverá soluções sustentáveis porque isso implica em pesos idênticos na administração pública e privada em relação aos assuntos econômicos, ecológicos e sociais. O "triple botton line" deixa isso muito claro. Falácias e hipocrisias precisam ser extintas dos discursos socioambientais. Infelizmente vamos ver muitas espécies com a sigla EX da IUCN, mas não para as decisões equivocadas e tendenciosas que podem ser comprovadas a cada momento. Triste realidade nós construímos e continuamos a preservar desde a invasão européia e sua cultura de arraso imediatista e da troca da biota nativa por espécies exóticas altamente lucrativas. O foco não é a sustentabilidade para todos mas o lucro para alguns. Foi assim com o pau-brasil, com a cana-de-açúcar, com o café, com nossos minerais, O metalismo (valores culturais avaliados com base no ouro e na prata) foi e continua sendo a maior desgraça implantada nos últimos séculos contra os serviços ecossistêmicos e a saúde ecossistêmica. Em vez de PRECAUÇÃO e PREVENÇÃO escolhemos as soluções tecnológicas como a principal solução para os nossos problemas existenciais. Começamos a cavar um buraco que nunca deveria ter sido "cavucado". Ainda teremos como voltar enquanto ainda existe luz natural ou vamos nos aprofundar mais ainda com luzes artificiais e nos enterrar de vez, guiados pela nossa ganância e irresponsabilidades?


  2. geverson diz:

    O IBAMA esta autorizando que se ´´mude uma reserva de lugar“. Em uma fazenda aqui da região há uma mata nativa de 500 hectares que será derrubada com autorização do IBAMA e será destinada outra área na beira do rio para reserva (área onde hoje só existe pasto). Essa nova reserva terá o mesmo valor ecológico que a antiga? Com certeza isso será feito pela conservação da fauna e flora local, e não pelo fato da terra da atual reserva ser mais produtiva que a areia da beira do rio. Brasil é Brasil.


  3. O fato de chamar os diferentes tipos de florestas do Brasil, de modo simplificado, de "FLORESTAS SECUNDÁRIAS" ou "FLORESTAS DEGRADADAS" é um verdadeiro crime ecológico porque elas são caracteristicamente representadas por uma alta variedade de espécies e não como se fossem PADRONIZADAS. Consulte, por favor, o Manual Técnico da Vegetação Brasileira do IBGE. Disponível em: ftp://geoftp.ibge.gov.br/documentos/recursos_naturais/manuais_tecnicos/manual_tecnico_vegetacao_brasileira.pdf

    Não podemos reduzir nossas diferentes florestas aos termos "MATA ATLÂNTICA", ÁREAS DEGRADADAS, 'CAPOEIRAS" entre outros absurdos botânicos e ecológicos. Será que esqueceram que o termo SECUNDÁRIA só se aplica a um determinado momento (série) de uma SUCESSÃO ECOLÓGICA, mas não serve para caracterizar os diferentes tipos de florestas que temos? Floresta primária também não indica a riqueza de espécies que a constitui. Nós temos no Brasil, dezenas e dezenas de diferentes florestas. Mas cada caso é um caso. Por favor me corrijam se estiver equivocado. Mas – seja lá qual for o estágio sucessional de uma floresta – vamos deixar claro qual a sua tipificação correta, de modo a não parecer que estamos falando de uma mesma estrutura florestal, com as mesmas espécies e idênticas necessidades ecológicas.