Reportagens

Atividades humanas na costa do RJ tomam 90% das áreas habitáveis para os botos-cinza

Realizado por pesquisadores da UFRJ e colaboradores, estudo traz a necessidade de medidas integradas para proteger a espécie ameaçada

Júlia Mendes ·
24 de julho de 2025

As áreas mais adequadas para a ocorrência do boto-cinza (Sotalia guianensis) no complexo estuarino – quando há interação entre águas salgadas e doces – de Sepetiba e Ilha Grande, na Região da Costa Verde do RJ, coincidem com regiões de intensa atividade humana. É o que trouxe um estudo recém-publicado na Aquatic Conservation: Marine and Freshwater Ecosystems. Liderada por cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e colaboradores, a pesquisa traz a necessidade de ações integradas para conservar essa espécie ameaçada.

Portos, rotas de navegação, áreas de ancoragem, turismo, pesca e canais dragados foram algumas das atividades humanas apontadas no estudo como pressões aos habitats dos botos-cinza. Segundo a pesquisa, 90% das áreas adequadas aos botos coincidem com tais atividades. O doutorando em Ecologia pela UFRJ Tomaz Cezimbra explica que, ao estimar os locais adequados para esses animais, o estudo considerou os papéis das variáveis ambientais e conseguiu distinguir as áreas entre baixa, média e alta adequabilidade. “Como pudemos ver, a sobreposição com estressores de origem humana é enorme, mas esse tipo de informação sobre o uso do habitat é essencial para pensarmos estratégias de manejo e conservação”, destacou. O próximo passo, então, é avaliar a sobreposição temporal, para destrinchar cada vez mais os efeitos sobre a espécie. “Mas esse primeiro panorama já é bastante alarmante, especialmente para a Baía de Sepetiba”, completou o pesquisador. 

A pesquisa identificou ainda que a espécie possui um habitat restrito no complexo estuarino, onde apenas 25% da área estudada é considerada adequada para o boto-cinza, com preferência por águas rasas, menos salinas e com produtividade moderada. Como caminhos para a proteção dos botos que habitam a região, o estudo indica medidas como a redução da velocidade das embarcações e o fortalecimento das Áreas Marinhas Protegidas locais, para fortalecer a fiscalização de atividades ilegais, ampliando sua efetividade e o diálogo constante com as comunidades nativas.

Para o coordenador do Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha (ECoMAR) da UFRJ, Rodrigo Tardin, os órgãos ambientais precisam estar envolvidos nesse processo de preservação da espécie, além do envolvimento de toda a comunidade, como indústrias e pescadores. Segundo ele, a ação deve ser integrada. “Quando a gente pensa em proteger o boto, estamos falando de proteger todo o ecossistema da Baía de Sepetiba e da Baía da Ilha Grande, então precisamos que todo mundo se envolva”, disse. 

Deixar de acumular, então, distribuindo as atividades humanas por locais específicos é algo que pode ser feito, como explicou o professor. Tanto a Baía de Sepetiba quanto a Baía da Ilha Grande são ocupadas por uma série de atividades, como embarcações de suporte a óleo e gás, pesca, turismo e aquacultura, que, juntas, são muito problemáticas para a sobrevivência do boto. 

“Uma das ações é a gente justamente tentar diminuir o acúmulo dessas atividades em um único local. Em determinadas áreas, tanto da Baía de Sepetiba quanto da Baía da Ilha Grande, há um acúmulo de atividades humanas muito grande. Então, reduzir o impacto das atividades cumulativas seria uma ação muito importante de se tomar para evitar que essa pressão continue degradando o ambiente e levando essas populações a diminuírem cada vez mais”, explicou Tardin. 

‘Guarda-chuvas’ do ecossistema

O boto-cinza é um dos símbolos do estado do Rio de Janeiro e está representado, inclusive, no brasão da capital. Para o ecossistema marinho, os botos, considerados predadores, também são importantes, já que ajudam a manter as populações de peixe, caranguejo, camarão e lula em níveis baixos. Segundo o professor Tardin, isso faz com que não haja outra espécie que vá dominar o ambiente e desequilibrá-lo. 

Além disso, de forma geral, os botos têm áreas de vida muito longas, ou seja, percorrem distâncias muito grandes ao longo dos dias. Isso permite que qualquer medida de proteção a esse animal proteja automaticamente as espécies que percorrem pouca área, como o camarão ou um cavalo marinho. Por esse motivo, explicou Tardin, os botos são chamados de “espécie guarda-chuva”. Isso porque, quanto maior a área de vida do animal, mais espécies conseguem ser protegidas porque são menores e ocupam menos espaço, assim como um guarda-chuva: quanto maior ele é, mais pessoas estão protegidas embaixo dele.

Os botos também são chamados de “sentinelas da saúde” dos ecossistemas, porque são capazes de armazenar e acumular poluentes e contaminantes em seus tecidos. Já que estão mais acima na cadeia alimentar, indicam toda a quantidade desses poluentes acumulados ao longo do processo trófico. “Então, se o boto está muito contaminado, todos os outros elementos daquele ambiente também estão contaminados. Essa é a função do sentinela da saúde do ecossistema”, finalizou o professor. 

Acesse o estudo completo aqui. 

  • Júlia Mendes

    Estudante de jornalismo da UFRJ, apaixonada pela área ambiental e tudo o que a envolve

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