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Brasil pode fortalecer implementação de Escazú com brasileiro em seu colegiado

Rubens Harry Born é um dos dez pré-selecionados para fazer parte do Comitê de Apoio à Aplicação do acordo, que ainda precisa ser ratificado pelo Brasil

Cristiane Prizibisczki ·
24 de fevereiro de 2023 · 1 anos atrás

O brasileiro Rubens Harry Born é um dos 10 nomes da lista de pré-selecionados para compor o Comitê de Apoio à Implementação do Acordo de Escazú, o primeiro tratado ambiental da América Latina e do Caribe e que une a questão ambiental com direitos humanos. O nome de Born, o único brasileiro entre os selecionados nesta etapa, foi anunciado na quarta-feira (22). A lista final dos membros do Comitê, a ser formada por sete pessoas, será conhecida em abril.

A escolha de Born dá duas importantes sinalizações ao Brasil: ela indica que a comunidade internacional vê o país, que ainda não ratificou o tratado, como um importante player em sua implementação, e também mostra que a sociedade civil brasileira está empenhada em sua ratificação, mesmo que o governo ainda não tenha dado esse passo.

“A participação de alguém do Brasil no Comitê ajuda a sinalizar que a sociedade civil brasileira está atenta em relação a Escazú na região e no Brasil. Sinaliza também que a mesa diretiva do tratado, que é formada pelos países parte, está querendo dizer que o Brasil é importante nessa história de Escazú”, reforça Rubens Born, em entrevista a ((o))eco.

Apesar do nome complicado – Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe –, o Acordo de Escazú é um tratado que fala, sobretudo, em transparência nas tomadas de decisões ambientais e segurança para quem as defende.

Em termos práticos, significa dar à população acesso a informações sobre todos os riscos e impactos ambientais que uma obra, por exemplo, pode ter, ainda nas etapas iniciais de seu licenciamento, em reconhecimento ao direito legal dessas pessoas, e de suas futuras gerações, a um meio ambiente saudável.

“A legislação brasileira fala que, nos casos de empreendimentos que estão sujeitos a Estudo de Impacto Ambiental, a participação social pode se dar a partir do momento que o empreendedor apresenta esse estudo. Os termos do Acordo de Escazú prevêem que a participação social deve acontecer na etapa mais inicial possível e isso significa, a meu ver, que seria já no momento da definição do termo de referência a partir do qual será elaborado o Estudo de Impacto Ambiental”, explica Born.

O acordo também fala da publicização dos riscos de um empreendimento, tipo de informação muitas vezes escondida da população, como aconteceu em Brumadinho (MG) em 2019, quando os riscos de rompimento da barragem, conhecidos pela Mineradora Vale, foram ocultados dos moradores do entorno. A negligência da empresa levou a cerca de 250 mortes.

“Nós queríamos que, dentro da informação ambiental [citada no Acordo] entrasse a noção de risco ambiental. E acabou entrando, o que permite maior transparência em situações de risco. Assim, órgãos de defesa civil, prefeituras, associações de bairro, por exemplo, podem se preparar melhor para situações emergenciais”, explica Born, que participou das nove sessões de negociação do Acordo e é considerado um dos maiores especialistas brasileiros no assunto.

O Acordo também impõe requisitos a seus Estados-Membro no sentido de que eles assegurem os direitos e a proteção de defensores do meio ambiente. O tópico não poderia ser mais caro ao Brasil: o país lidera o ranking global de assassinatos contra ambientalistas. Segundo balanço da ONG Global Witness, 20% dos assassinatos de defensores e defensoras do meio ambiente nos últimos dez anos ocorreram no Brasil. Somente em 2021 foram 26 mortes.

 Brasil no Acordo de Escazú

O Acordo de Escazú foi assinado pelo então presidente Michel Temer em 2018, mas seu texto nunca chegou a ser enviado ao Congresso para que fosse ratificado. Segundo Rubens Born, isso aconteceu não só por falta de interesse da gestão Bolsonaro, mas por uma questão estratégica: a sociedade não pressionou para que fosse apreciado em Plenário, pelo risco de ser rejeitado. Mais ou menos o que aconteceu na Costa Rica.

Após anos de discussão no parlamento costa-riquenho, no dia 1º de fevereiro de 2023, os parlamentares daquele país decidiram não estender o prazo para a ratificação do Acordo, que estava para expirar. Com isso, o país que sediou a finalização do tratado – que leva o nome de uma de suas cidades – o colocou na gaveta.

Segundo organizações da sociedade civil da Costa Rica, a decisão do parlamento é resultado da onda conservadora que avança no país. “Prevaleceu o discurso de que a participação popular na tomada de decisões ambientais dificulta o desenvolvimento do país, dificulta o investimento em atividades produtivas e obras de infraestrutura”, disse um comunicado emitido pelas organizações costarriquenhas no início de fevereiro.

Foi justamente por receio dessa onda conservadora que a sociedade civil brasileira não pressionou o governo do então presidente Jair Bolsonaro a dar andamento no Acordo em solo nacional. “Não teria como isso acontecer nesses últimos quatro anos”, diz Born.

Mas essa situação tende a mudar com a chegada de Lula ao poder. Em diferentes ocasiões, membros de sua equipe, incluindo a ministra Marina Silva, deram sinalizações de que ele será ratificado em breve. 

Para Rubens Born, ratificar o Acordo de Escazú significaria mais do que uma possibilidade de fortalecimento das leis já existentes no país. O tratado pode dar as bases para a prometida reconstrução da política ambiental brasileira, diz. 

“Tem uma série de coisas no Acordo Escazú que são fundamentais para esse momento de reconstrução das políticas socioambientais no Brasil. Estamos esperançosos.” 

Rubens Born é engenheiro civil, advogado, mestre e doutor em Saúde Pública e Ambiental. Durante sua jornada na área de Meio Ambiente, participou de dezenas de encontros da Convenção da ONU sobre Mudanças de Clima, Protocolo de Quioto e Acordo de Paris, incluindo 14 Conferências das Partes (COPs). Born fez parte também das nove sessões de negociação do Acordo de Escazú, tendo contribuído concretamente para a construção de seu texto.

A decisão sobre os sete membros que vão compor o Comitê de Apoio à Implementação do Acordo de Escazú, dentre os 10 pré-selecionados, será tomada na Segunda Conferência das Partes do Acordo, que acontecerá em Buenos Aires, entre 19 e 21 de abril.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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Comentários 1

  1. Ediraldo Macedônia diz:

    Por que a escolha do presidente do ICMBio será feita por um comitê de busca se os presidentes do Ibama, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, do Serviço Florestal e da Agência Nacional de Águas foram indicados? O que o ICMBio tem de diferente das outras autarquias? A ministra vai acatar o primeiro nome sugerido pelo comitê ou poderá escolher qualquer um dos três nomes? A escolha entre três nomes só reforça a falta de sentido da medida que provocará cisão, polarização entre os servidores da autarquia que, provavelmente, se organizarão em torno de candidatos da própria instituição para elaborar os planos de trabalho. É prerrogativa da ministra montar a sua equipe. Sou favorável a escolha de servidores de carreira para assumirem cargos de direção. O ICMBio tem servidores qualificados, aptos a assumir os desafios impostos pela presidência, sobretudo após quatro anos de desmandos e assédios de toda sorte. Não consigo vislumbrar motivo que seja para a escolha do presidente por meio de um comitê que, no final das contas, não escolherá. Nem Chico Mendes, revirado no túmulo, está entendendo.