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COP3 de Escazú: Tratado socioambiental da América Latina é obra em construção

No aniversário de três anos do Acordo de Escazú, especialistas analisam status de sua implementação e desafios para proteger ativistas do meio ambiente

Dialogue Earth ·
23 de abril de 2024

A América Latina e o Caribe têm figurado, ano após ano, como a região mais perigosa do mundo para ambientalistas e ativistas dos direitos humanos. Em 2022, os países latino-americanos concentraram 88% dos assassinatos desses indivíduos. Os números seguem uma tendência sombria de quase 1,2 mil homicídios desde 2012.

O objetivo central do Acordo de Escazú, primeiro tratado ambiental da região, é combater a escalada da violência contra quem defende o meio ambiente e os direitos humanos. Este 22 de abril marca o terceiro aniversário de assinatura do acordo, que até agora foi ratificado por 16 países – a última adesão, de Dominica, foi anunciada hoje.

O Escazú visa garantir a implementação “plena e efetiva” dos direitos de acesso à informação, participação pública e justiça ambiental, bem como o direito de viver em um ambiente saudável. Mas a implementação e a participação ativa dos Estados e cidadãos nesse processo ainda é um trabalho em construção, dizem especialistas.

Brasil, Colômbia e Peru estão entre os países mais letais da região para os ativistas do meio ambiente. Os três assinaram o Escazú, mas não finalizaram sua ratificação – passo necessário para que ele entre em vigor em cada país. Já as nações que venceram as duas etapas seguem elaborando planos para implementar o acordo: é o caso de Belize e Granada, que ratificaram o tratado em meados de 2023.

Dialogue Earth conversou com quatro especialistas da região sobre os esforços para implementar o acordo e as perspectivas para a terceira Conferência das Partes (COP3) de Escazú, que começa hoje, dia 22, em Santiago do Chile, e vai até quarta-feira, 24 de abril. O evento deste ano tem como meta principal a aprovação de um plano de ação regional para proteger os ativistas socioambientais da região.

Andrés Nápoli

Diretor-executivo da Fundação Meio Ambiente e Recursos Naturais e representante argentino no Comitê de Apoio para a Implementação e o Cumprimento do Acordo de Escazú

Estão sendo tomadas as medidas previstas após o Acordo de Escazú ter sido ratificado por 11 países em 2021. Isso inclui a criação do Comitê de Apoio para sua Implementação e  Cumprimento — do qual sou membro junto a outros representantes da região — e a aprovação de um plano de ação para ativistas ambientais, algo que a COP de Escazú em Santiago busca alcançar.

O grande desafio agora é fazer com que mais países endossem o acordo. Boa parte das ameaças aos ativistas do meio ambiente ocorre em países da América Latina e do Caribe que ainda não o ratificaram. O Escazú precisa ser como um farol que norteie os trabalhos para garantir um melhor acesso às informações ambientais sobre investimentos na região, com o envolvimento direto da sociedade civil.

Precisamos de respostas dos países que promovem o acordo e demonstram compromisso com sua implementação. A Argentina foi um dos primeiros países a ratificar o acordo e já anunciou um plano de implementação que deve ser desenvolvido e implementado.

César Artiga

Representante civil salvadorenho no Acordo de Escazú e representante latino-americano na rede Global Call to Action Against Poverty

O Escazú não foi firmado para criar ou trazer novos direitos, mas sim para buscar o cumprimento dos direitos que já existem. Ele visa preencher lacunas nas leis e normas ambientais com o objetivo de garantir o acesso à justiça e de romper com a impunidade que tem sido a regra na América Latina e no Caribe.

Precisamos acabar com a ideia de que todos os instrumentos de direitos humanos são assunto para advogados ou organizações não-governamentais

César Artiga, representante civil de El Salvador no Acordo de Escazú

Por outro lado, acredito que temos uma grande oportunidade de melhorar o sistema jurídico e defender as comunidades da região. Precisamos acabar com a ideia de que todos os instrumentos de direitos humanos são assunto para advogados ou organizações não-governamentais. É essencial que as pessoas se apropriem desse acordo, que exerçam sua cidadania e defendam os direitos de sua comunidade seguindo as normativas nacionais e internacionais. 

Portanto, acredito que também devemos ser hábeis em manter nossas pressões e demandas aos governos para deixar claro que aquilo que aparece no Acordo de Escazú também é regulado por outros instrumentos jurídicos em vigor.

Joara Marchezini

Representante civil brasileira no Acordo de Escazú e coordenadora de projetos no Instituto Nupef

O Comitê de Apoio para a Implementação e o Cumprimento do Acordo de Escazú está avançando rapidamente. Ele receberá as futuras denúncias de incumprimento do acordo e as dúvidas de sua interpretação. Não é um órgão punitivo, mas de compliance; sem esse comitê funcionando bem, não teremos um acordo verdadeiramente regional.

Algumas decisões judiciais já citam o Escazú, principalmente na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Isso é importante porque cria um precedente de acesso à justiça. Às vezes, esperamos demais do poder Executivo, mas os avanços ocorrem em outras esferas, como o Judiciário.

Audiência pública sobre disputa entre os povos indígenas Tagaeri e Taromenane e o Estado equatoriano na Corte Interamericana de Direitos Humanos, em Brasília, em agosto de 2022. Esse foi o primeiro caso julgado na Corte sobre os direitos de comunidades em isolamento voluntário. Imagem: Corte IDH, CC BY-SA

No Brasil, 30 organizações defenderam a implementação do Acordo de Escazú. Infelizmente, o tratado ainda é muito desconhecido no país — e isso também abre espaço para a desinformação. O projeto de lei para ratificá-lo demorou quatro anos para ser enviado ao Congresso e ainda está em tramitação na Câmara dos Deputados. O Legislativo brasileiro é muito dividido e refratário sobre temas ambientais. Mas como um país que sediará a conferência climática COP30 pode ficar de fora do Acordo de Escazú? 

Apesar do progresso geral, ainda temos alguns pontos que devem ser melhorados: muitas comunidades, principalmente as mais isoladas, ainda não conseguem participar ativamente da implementação do acordo. Precisamos trabalhar com idiomas nativos, em linguagem adequada, para garantir esse acesso. Também precisamos de um plano de ação para ativistas ambientais que atribua aos países-membros responsabilidades específicas, para que ele seja implementado imediatamente. 

Ainda discutimos a possibilidade de ter um plano de gênero, já que isso tem sido fortemente trabalhado junto à ONU Mulheres e à Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, mas provavelmente isso deve ficar para uma próxima reunião.

Natalia Castro Niño

Professora e pesquisadora de direito internacional e direitos humanos na Universidade Externado, da Colômbia

Em 26 de abril, coincidindo com o encerramento da COP no Chile, será realizada uma audiência pública na Colômbia, convocada pela Corte Constitucional do país, para resolver impasses sobre a relação entre o Acordo de Escazú e os princípios de segurança jurídica e soberania nacional.

Conforme a Corte Constitucional, esse é o principal ponto de discórdia entre os envolvidos no processo de ratificação do acordo pela Colômbia [o governo de Gustavo Petro sancionou uma lei para ratificá-lo em 2022, mas atrasos legais o deixaram em suspenso]. A audiência, portanto, constitui um marco histórico para sanar dúvidas e receios sobre os possíveis efeitos da ratificação do acordo.

Esse é, sem dúvida, o principal desafio da Colômbia. A interpretação correta do escopo do acordo depende disso, e é uma oportunidade crucial para abordar os direitos dos cidadãos, a proteção do meio ambiente e o combate a um dos piores males no país: as ameaças e agressões contra ativistas do meio ambiente.

A ratificação e a subsequente implementação do acordo regional permitirão que a Colômbia e os demais países da região tenham uma base estável e segura para seus habitantes, com o apoio das autoridades, diante dos riscos da crise ambiental global.

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