Em menos 3 meses, o Ministério da Agricultura autorizou o registro de 121 novos produtos no mercado de agrotóxicos, uma média de 1,3 registros por dia. Destes, 28 foram autorizados ainda na gestão de Michel Temer e publicados em janeiro no Diário Oficial da União. O restante foi registrado já pelo governo Bolsonaro. Se seguir nesta média, até o final do ano o Brasil terá autorizado a venda de 507 novos produtos químicos. São 12% a mais do que em 2018, quando o país bateu recorde de registros.
Antes de ser registrado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o agrotóxico é avaliado pelos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente, que fazem análises quanto ao risco do produto à saúde humana e à natureza. No que tange à saúde, 23,1% dos produtos registrados em 2019 foram classificados como extremamente tóxicos, 18,2% como altamente tóxicos, 44,6% como medianamente tóxicos e 14% como pouco tóxicos:
Classificação dos novos registros segundo risco à saúde humana:
Já a classificação do Ministério do Meio Ambiente verificou que 53,7% dos produtos são muito perigosos ao meio ambiente, 37,2% são perigosos ao meio ambiente e 8,3% são pouco perigosos ao meio ambiente. Apenas um produto foi classificado como altamente perigoso ao meio ambiente. Trata-se do Voraz EC, um inseticida à base de Metomil e Novalurom.
Classificação dos novos registros segundo risco ao meio ambiente:
((o))eco pediu a especialistas que avaliassem os registros. Aldo Merotto Júnior, professor da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em ervas daninhas, esclarece que a lista, na verdade, traz pouquíssimas novidades.
Merotto explica que existem três tipos de registros: 1) de uma nova molécula ou princípio ativo; 2) de um princípio ativo igual ao já existente no mercado porém formulado por outra empresa (ou seja, um genérico); 3) uma nova formulação de um princípio ativo já existente. No caso dos registros publicados neste ano pelo Mapa, apenas um se refere a princípio ativo novo.
É o caso do Sulfoxaflor, autorizado ainda na gestão de Temer, um inseticida utilizado nos Estados Unidos e na União Europeia. O produto chegou a ser banido do território norte-americano após ser associado à mortandade de abelhas, e depois voltou a ser registrado com maiores restrições de uso.
Considerando que esta é a única molécula nova, Merotto avalia que os novos registros não representam um risco maior de contaminação do que aquele que já existe no País: “Eu não vejo nesta análise indicações que apontem para uma flexibilização exagerada, para uma disruptura de critérios”. Para o produtor rural a notícia é boa, pois com mais empresas vendendo os mesmo produtos a tendência é de queda nos preços.
Mas do ponto de vista da eficiência, Merotto lamenta, já que o uso contínuo dos mesmos produtos por um longo período torna as pragas mais resistentes. Segundo o professor, os princípios ativos mais modernos tendem a ser menos tóxicos, mas demoram a ter adesão dos produtores em função do preço: “Uma das barreiras de uso dos poucos produtos novos e que possuem um padrão toxicológico mais favorável é o alto preço”. A única maneira de resolver este problema, segundo Merotto, é registrando várias marcas de novos princípios ativos, gerando concorrência entre as empresas. Exatamente o oposto do que o Mapa vem fazendo.
Resistência das pragas aumenta a demanda por agrotóxicos mais perigosos
Três especialistas da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal de Pelotas – Edinalvo Camargo, Daniel Bernardi, e Jerônimo Vieira de Araújo Filho – sob a coordenação do diretor da faculdade, Dirceu Agostinetto, também analisaram os novos registros a pedido do ((o))eco. O que mais chamou a atenção de Agostinetto é a grande quantidade de ingredientes ativos antigos sendo registrados sob novas marcas comerciais: os genéricos.
Segundo o agrônomo, os produtos antigos têm sido cada vez mais procurados pelos agricultores em função da resistência desenvolvida pelas pragas aos agrotóxicos mais recentes. Percebendo a demanda, há empresas que se especializaram neste tipo de registro: “Estamos voltando 20 anos no controle das daninhas […] Quando a gente não consegue mais matar com o ingrediente ativo mais novo, que via de regra era menos tóxico ao ambiente, agora estamos voltando para trás utilizando os produtos mais velhos, que via de regra são mais tóxicos ao ambiente”.
Mas por que não optar por agrotóxicos mais modernos ao invés dos mais antigos? E por que as pragas não desenvolveram tanta resistência aos pesticidas mais velhos? Segundo Agostinetto, antigamente havia uma variedade maior de princípios ativos, o que reduzia as chances de resistência. Cenário que mudou, no caso dos herbicidas, com a chegada da tecnologia Roundup Ready (RR), da soja resistente ao glifosato. O uso em larga escala deste herbicida gerou certa acomodação entre as empresas, que reduziram os investimentos em novos princípios ativos: “A conta chegou. As empresas ficaram sem investir por um período longo em novas moléculas e agora voltaram a investir. Mas tu não faz uma descoberta de um ano para o outro”.
Mapa credita aumento nos registros à maior eficiência administrativa
O Ministério da Agricultura vê como positivo o aumento no número de registros, resultado da maior eficiência dos Ministérios envolvidos e da cessão de químicos da Embrapa para auxiliar nas análises. As respostas foram dadas ao ((o))eco por e-mail assinado pelo Coordenador-Geral de Agrotóxicos e Afins, Carlos Ramos Venancio. Ele lembra que o aumento nos registros de agrotóxicos vem ocorrendo desde 2016.
Total de agrotóxicos e afins registrado (Fonte: Ministério da Agricultura):
Segundo Venancio, o objetivo é avançar no ritmo de registros e superar os números obtidos em 2018, tanto que mais cinco fiscais federais agropecuários foram deslocados de outras áreas para o colaborar no trabalho. A meta é se aproximar da determinação legal que estabelece prazo de 120 dias para a análise dos pedidos.
A porta-voz da campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace, Marina Lacôrte, considera alarmante o alto número de registros de agrotóxicos, e lembra que o governo também acatou 241 novos pedidos de registro, que agora entram na fila para serem analisados. Para Lacôrte, os últimos acontecimentos desmentem a tese de que a entrada de novos produtos reduziria a toxicidade e a quantidade de agrotóxicos na agricultura brasileira: “A gente está vendo exatamente o contrário: um monte de produtos que a gente já usa, que são conhecidamente altamente ou extremamente tóxicos, e estão sendo liberados mais produtos deste tipo […] A verdade é que eles querem inundar mesmo o mercado com a maior quantidade possível de agrotóxicos”.
Segundo Lacôrte, entre os registros estão genéricos ou novas formulações de agrotóxicos cujos riscos à saúde humana já são conhecidos. Ela dá o exemplo do Glifosato, o produto mais usado no Brasil. No último dia 20, a justiça norte-americana conclui que a substância foi decisiva para o desenvolvimento de câncer em um homem de 70 anos. Lacôrte cita ainda a Atrazina e o Acefato, que pesquisas relacionam a problemas no sistema reprodutivo e que foram banidos da União Europeia.
Em 2017, o Greenpeace analisou 50 amostras de 113 quilos de alimentos comprados nas cidades de Brasília e São Paulo. 60% das amostras continham resíduos de agrotóxicos e 36% apresentavam alguma irregularidade, como agrotóxicos não permitidos para aquele alimento ou acima do limite permitido por lei. Outras pesquisa, divulgada pela Anvisa em 2016, avaliou 12.051 amostras em todos os estados brasileiros. O estudo concluiu que 1% dos produtos avaliados poderia levar à intoxicação nas primeiras 24 horas após o consumo.
O Greenpeace também acompanha a tramitação do Projeto de Lei 6299/2002, apelidado por seus críticos de Pacote do Veneno. O projeto, que revoga a atual Lei de Agrotóxicos, permite o registro de substâncias comprovadamente cancerígenas, concentra o poder decisório de novos registros no Mapa ‒ alijando os Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente ‒ e confere registro temporário para os agrotóxicos que não forem analisados no prazo estabelecido por lei, mesmo que seus riscos não tenham sido devidamente avaliados. O PL foi aprovado no ano passado na Comissão Especial da Câmara, e segue para votação nos plenários das duas casas legislativas.
((o))eco entrou em contato com a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), que não se manifestou.
ERRATA:
Em 7 de abril de 2019 ((o))eco errou ao afirmar que “no caso dos registros publicados neste ano pelo Mapa, apenas 2 se referem a princípios ativos novos”. Dos dois princípios ativos referidos como novos na matéria, Cloridrato de Cartape e Sulfoxaflor, apenas o último era realmente inédito no Brasil. A menção ao Cloridrato de Cartape foi suprimida do texto acima.
*Editado às 23h58, do dia 24/06/2019.
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Que estória confusa!!
A manchete insinua que tem um monte de novos agrotóxicos sendo liberados. Mas o texto esclarece que só dois são novos – o resto é só marcas novas dos mesmos que já estavam liberados.
Mas aí vem o argumento que isso é ruim, que tinha que ter mais agrotóxico novo sim, porque as pragas estão se tornando resistentes! E porque os agrotóxicos antigos, aos quais os produtores então recorrem, são piores ainda.
Então o problema é que está sendo liberado POUCO agrotóxico novo?
Para consumar a confusão, somos lembrados dos muitos males a saúde causados pelo glifosato, que também converte o produtor em zumbi escravo da Monsanto/Bayer. Só que o glifosato é um dos novos, que seriam menos tóxicos…
George, a manchete não insinua, ela faz uma afirmação. O governo liberou uma média de um produto por dia para ser comercializado. O que a reportagem faz é esclarecer que produtos são esses e quais as consequências, ouvindo especialistas. Não é um assunto simples. Combater pragas resistentes com produtos mais tóxicos aumenta o risco para a saúde e para o meio ambiente e piora a resistência das pragas. Combater com produtos menos poluentes não está sendo eficiente. Como resolver? só reportamos o diagnóstico.
Brasil está evoluindo rápido. Novos produtos significam moléculas mais modernas , eficiente e menos tóxicas.