O governo federal tem dado, nas últimas semanas, passos concretos para efetivação da política de concessão de serviços em parques nacionais à iniciativa privada. Para especialistas, a notícia tem seu lado positivo, mas o tema ainda deve ser tratado com cuidado.
No dia 13 de setembro passado, o Programa de Parcerias de Investimento (PPI) da Casa Civil publicou a lista recente de projetos qualificados no âmbito do PPI, que incluiu três unidades de conservação: Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (MA), Parque Nacional de Jericoacoara (CE) e Parque Nacional do Iguaçu (PR). Para os três casos, a inclusão dos parques “tem como objetivo a concessão da prestação de serviço público de apoio à visitação, bem como serviços de apoio à conservação, à proteção e à gestão da unidade de conservação”, diz o documento.
A inclusão dos parques no PPI foi feita após a publicação no Diário Oficial da União, no dia 3 de setembro, da Resolução nº 79, de 21 de agosto de 2019, na qual o Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República – que é formado pelo presidente da República, dirigentes das pastas de sete Ministérios, incluindo o de Meio Ambiente, e os presidentes do BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil – opinaram pela qualificação das três UCs no PPI e pela sua inclusão no Programa Nacional de Desestatização (PND).
No texto da Resolução, o conselho traz como justificativa “a necessidade de permitir que a administração pública federal concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais”, necessidade de ampliar oportunidades de investimento e emprego no país, “em especial por meio de ações centradas na ampliação e na melhoria da infraestrutura e dos serviços voltados ao cidadão”, além da necessidade de expandir a qualidade do serviço público de apoio em três áreas: proteção, gestão e visitação das unidades.
Concessão de parques como política de governo
Segundo pesquisadores, o lado positivo da inclusão dos parques no PPI é o fato de que o programa de concessão de serviços em UCs ganha um status semelhante ao de outras concessões no âmbito do Governo Federal e o insere em uma governança mais ampla, o que pode significar mais aperfeiçoamento e rapidez na estruturação e condução dos trabalhos. No entanto, existem ressalvas.
Segundo Erika Guimarães, gerente de Áreas Protegidas da ONG SOS Mata Atlântica, a medida do governo significa, na prática, que a agenda de parcerias para áreas protegidas que estava sendo dirigida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), por meio do Projeto Parceiras Ambientais Público-Privadas (PAPP), passa para outra instância governamental.
“O que o governo fez foi pegar uma agenda de parcerias para UCs que estava sendo conduzida no âmbito do ICMBio e transferir para essa outra instância que eles estão chamando de desestatização e de concessão do governo de uma maneira geral. Então, toda equipe do governo, inclusive ligadas a outras secretarias que estão trabalhando com concessão de serviços de estradas, aeroportos, etc, vai trabalhar também com esse programa de desestatização”, explicou Erika.
“Isso pode ter uma vantagem do ponto de vista que, quem trabalha na área tem muito conhecimento em fazer concessão e fazer concessão de parques ainda é um tema relativamente novo no Brasil, então, pode ganhar celeridade, aperfeiçoamento. Porém, concessionar aeroporto é muito diferente de concessionar parques. Com o PAPP [Projeto Parceiras Ambientais Público-Privadas], estava se criando uma inteligência que seria um marco importante para os parques brasileiros e isso, de alguma maneira, vai ser fragilizado”, complementa.
Fernando Pieroni, diretor-presidente do Instituto Semeia – organização sem fins lucrativos que fomenta parcerias para aumentar e qualificar o acesso da população a parques – também defende a necessidade de especialização quando se trata de concessão de serviços em unidades de conservação.
“Em vez de ser tratado como um projeto lateral, [a inclusão das UCs no PPI e PND] traz o tema da concessão de parques como política de Estado maior, traz uma modelagem específica para esses projetos, assim como é feito com aeroportos, rodovias. No entanto, não vejo no nível do PPI o conhecimento técnico para fazer a modelagem dos projetos, que requer uma visão muito mais específica, local, que é a visão do Ministério do Meio Ambiente, do ICMBio”, diz.
“Toma que o filho é teu”
A implementação de parceria público privadas para concessão de serviços em unidades de conservação é um tema que vem sendo discutido há vários anos por governo e sociedade civil, principalmente no que diz respeito ao fomento à visitação.
A título de comparação, o número de visitas registradas pelo ICMBio em unidades de conservação federais em 2018 foi de 12,4 milhões. Nos Estados Unidos, onde o serviço de visitação é, na sua maior parte, terceirizado, somente os dez maiores parques nacionais registaram cerca de 48 milhões de visitantes no mesmo período. No total, o Serviço de Parques Nacionais americano registrou em 2018 cerca de 318 milhões de visitantes em suas unidades.
“Os Estados Unidos e Argentina têm histórico de parcerias com setor privado e são locais onde os parques são muito visitados. O ICMBio não vai tocar um restaurante, por exemplo, o governo não tem estrutura nem capacidade para isso. A única saída é terceirizar esses serviços. Essa é uma ideia necessária, mas tem que ser feita dentro dos parâmetros do que rege a lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação”, ressalta José Pedro de Oliveira Costa, que já ocupou o cargo de Secretário de Biodiversidade e Florestas no Ministério do Meio Ambiente em diferentes gestões e tem vasto currículo na área ambiental.
Historicamente, a concessão de serviços em UCs começou em 1999, no Parque Nacional do Iguaçu. Em 2011, a pasta ambiental, então governada pela ministra Izabella Teixeira, voltou a trabalhar a questão das parcerias público-privadas para unidades de conservação e, nos anos seguintes, foi criado o Projeto Parcerias Ambientais Público-Privadas (PAPP), citado anteriormente. No governo Temer, uma lei regulamentando como as terceirizações deveriam acontecer foi aprovada e, a partir de 2017, houve um grande crescimento nas concessões.
A preocupação de ambientalistas e especialistas é o modelo de concessões que o atual governo pretende implementar. Em maio deste ano, o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, sinalizou a intenção do governo de repassar 20 parques nacionais à iniciativa privada, por meio de um modelo de concessão definido por ele como “toma que o filho é teu”. Segundo Salles, a meta é manter uma participação mínima do governo, flexibilizando ao máximo as restrições impostas aos parceiros.
Segundo Fernando Pieroni, do Instituto Semeia, embora a intenção de se dar flexibilidade para o privado seja boa em certa medida, ela traz riscos. “Se não envolver o gestor do parque, se não tiver delimitações muito claras, o tiro pode sair pela culatra. Esse é o alerta”, diz.
“O coração da gestão da unidade de conservação deve ficar a cargo do ente público. Fiscalização, por exemplo, não é uma coisa que se pode transferir”, acrescenta Erika Guimarães, da SOS Mata Atlântica.
Experiência Africana
Como as iniciativas de parcerias e concessões em áreas protegidas ainda são relativamente novas no país, o Instituto Semeia publicou, em julho deste ano, o estudo “Modelos de Parcerias Público-Privadas para a Gestão de Parques – Três estudos de caso da África”.
A partir de critérios como conservação da natureza e geração de oportunidades para a população local, o instituto selecionou três parques: Kruger National Park (KNP) e Table Mountain National Park (TMNP), ambos localizados na África do Sul, e Akagera National Park (ANK), localizado em Ruanda.
O estudo mostra que os modelos de gestão adotados no continente têm envolvido cada vez mais diferentes arranjos de parcerias entre setor público, privado e sociedade civil. Além disso, o documento exemplifica que trazer maior eficiência a operadores privados não significa entregar totalmente a gestão dos parques aos parceiros, como se esta fosse a única solução para enfrentamento de problemas financeiros.
“A lição da África é desmistificar a agenda de como o poder público consegue travar um diálogo produtivo com seus potenciais parceiros, baseado em transparência, previsibilidade e diretrizes claras […]. Parcerias não são instrumentos de gestão fiscal, são políticas públicas. Olhar as PPPs com lógica meramente fiscal talvez seja uma visão reducionista frente a um potencial que elas podem ter”, finaliza Fernando Pieroni.
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