“A evidência científica é inequívoca: as mudanças climáticas são uma ameaça ao bem estar do ser humano e à saúde do planeta. Qualquer atraso em uma ação climática global conjunta provocará uma perda na breve e rápida janela aberta para garantir um futuro habitável e sustentável para todos”, afirmou o cientista alemão Hans-Otto Pörtner, co-presidente do IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, durante a apresentação do mais recente relatório do IPCC, em 28 de fevereiro.
Todo mundo que se interessa pelo meio ambiente sabe o que é o IPCC, e sabe como são preocupantes os alertas dos cientistas do IPCC com relação à iminência dos desastres climáticos que a Humanidade irá enfrentar caso não comece a solucionar agora os desafios ambiental, social, econômico e político que engolem o planeta. Mas quem já ouviu falar da Conferência de Estocolmo?
Confesso que eu, jornalista científico há quase 30 anos, não conhecia (uma grande falha…). Mas confesso igualmente que pesquisar sobre o que foi a Conferência de Estocolmo me ajudou a entender toda a evolução e o crescimento do movimento ambientalista e conservacionais internacional, e brasileiro em particular.
Há exatos 50 anos, em junho de 1972, representantes de 130 nações se reuniram na Suécia. A Conferência de Estocolmo, como veio a ficar conhecida, foi a primeira cúpula promovida pelas Nações Unidas com foco no meio ambiente e no futuro da Humanidade. Há meio século, os líderes reunidos na Suécia produziram um documento no qual explicitaram, pela primeira vez, a relação intrínseca que existe entre segurança, saúde, desenvolvimento e meio ambiente. Tudo está conectado.
“Estocolmo foi um marco fundamental para começar a discutir internacionalmente o tema ambiental”, afirma Cláudio Maretti, vice-presidente para a América de Sul da Comissão Mundial de Áreas Protegidas da UICN (União Internacional para Conservação da Natureza). “Eu me lembro que nos movimentos ambientalistas do Brasil dos anos 1970, a gente tentava seguir e implementar os princípios defendidos em Estocolmo,” diz Maretti, que foi presidente e diretor do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), entre 2015 e 2019, – órgão que cuida da gestão das unidades de conservação federal.
Com efeito, a importância e os efeitos da Conferência de Estocolmo são sentidos até hoje. Ela despertou a consciência de dezenas de milhares de militantes em todo o mundo, que passaram a defender com mais vigor a cauda ambiental. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, por exemplo, foi criado em concomitância à Conferência de Estocolmo. Sem ela, não haveria o IPCC (1988) nem o tratado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, assinado na Eco 92, do Rio de Janeiro, nem a própria Eco-92.
Os participantes de Estocolmo divulgaram ao final da cúpula um relatório contendo uma declaração com 26 princípios a serem defendidos e perseguidos pela humanidade daí em diante. Tais princípios abordavam a responsabilidade da humanidade em preservar o meio ambiental, o problema dos recursos não-renováveis, a defesa do desenvolvimento econômico sempre respeitando o meio ambiente, políticas demográficas para controlar a superpopulação, a importância do combate às desigualdades sociais, e fundamental investimento em conservação, educação, ciência e tecnologia.
Em 1972, estávamos em plena ditadura militar e o Brasil vivia um boom econômico. Assim, a delegação brasileira em Estocolmo, liderada pelo ministro Carlos Cavalcanti, foi das poucas (União Soviética e China foram outras, por exemplo) que defenderam uma tese contrária à da cúpula. Segundo Cavalcanti, o combate à poluição deveria ser feito de forma isolada, para que os países de terceiro mundo pudessem se desenvolver. Era a lógica capenga do “é melhor produzir do que deixar de poluir”. Sobre a Amazônia, a delegação brasileira se opôs a toda e qualquer proposta de preservação do bioma. Como se vê, o pensamento obtuso do nosso atual presidente da República é o mesmo dos generais presidentes da ditadura.
“No início dos anos 1970, praticamente não existia movimento ambiental no Brasil. Foi a partir da cúpula de Estocolmo que os grupos conservacionistas brasileiros começaram a defender a agenda ambiental”, afirma Mario Mantovani, ex-diretor da Associação Nacional Municípios e Meio Ambiente.
Apesar dos militares, a cúpula de Estocolmo acabou rendendo frutos para o então incipiente movimento ambientalista brasileito, que acabaria por se organizar, ganhar musculatura e conseguir, por exemplo, criar o Sistema Nacional do Meio Ambiente (1981) e a fundação SOS Mata Atlântica (1986), apenas para dar dois exemplos.
Os princípios defendidos na Conferência de Estocolmo são absolutamente atuais. Os desafios identificados em 1972 na busca da defesa do meio ambiente e de uma economia e sociedade sustentáveis são os mesmos de hoje. O que muda são as dimensões do problema. Em 1972, éramos 3,5 bilhões de seres humanos. Hoje somos quase 8 bilhões.
O prazo que temos para encontrar formas efetivas de solucionar os gigantescos desafios à frente também encurtou formidavelmente. Em Estocolmo, explicitou-se a missão de perseguir a preservação do planeta para as futuras gerações. Meio século depois, com os efeitos das mudanças climáticas bem diante da nossa cara, atacar os desafios ambientais e achar soluções são tarefas urgentíssimas. Não mais buscamos preservar o planeta para as próximas gerações. A busca agora é para salvar o AGORA, seu, meu e o dos nossos filhos.
“Em 1972, talvez a maior preocupação dos ambientalistas era a corrida armamentista entre Estados Unidos e União Soviética, com suas milhares de bombas nucleares capazes de destruir o planeta dezenas de vezes,” recorda Mantovani. Assim, surgiam na Europa os movimentos em defesa do desarmamento, um dos embriões dos futuros partidos verdes.
A preocupação nuclear levou Estocolmo a fechar sua declaração com um 26º Princípio. “O homem e seu ambiente devem ser poupados dos efeitos das armas nucleares e de todos os outros meios de destruição em massa. Os Estados devem se esforçar para chegar a um acordo imediato, nos órgãos internacionais relevantes, sobre a eliminação e destruição completa de tais armas”.
Se nos últimos 30 anos, este último princípio poderia parecer letra morta, agora não mais. Graças ao presidente russo Vladimir Putin.
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