Era julho do ano passado quando Samuel Portela voltava de mais uma das atividades realizadas pela Associação Caatinga no entorno da RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) Serra das Almas, em Crateús (CE). Com a estrada de chão que dá acesso à sede da reserva recém-reformada, uma formação não identificada no meio do caminho foi confundida com uma pedra à primeira vista.
Quando encurtou a distância, o biólogo percebeu que aquilo não era outra coisa se não um tatu-bola-da-Caatinga (Tolypeutes tricinctus), o menor e único tatu exclusivo do Brasil, em carne e osso. Ou melhor — e literalmente —, em couro e carapaça.
“Nesse momento eu desliguei o carro e desci, inclusive tirei as botas. Eu fui descalço para não fazer barulho”, conta ele a ((o))eco. Escondido por uma coincidente corrente de ar, ele conseguiu se aproximar do animal. “Como eu estava contra o vento, o vento passava primeiro por ele e depois por mim, então ele não me percebeu”, relembra Portela.
Da estrada, o biólogo pôde acompanhar de perto o comportamento do animal até o seu ingresso na mata e, em seguida, o retorno à mesma via não pavimentada onde tinha sido avistado. “Deu pra perceber ele caminhando, farejando, comendo alguns insetos”.
Foi assim por cerca de 10 minutos. “O vento deu uma uma rápida mudança de direção, ele me percebeu e correu pra dentro da mata”, conta o biólogo.
Os tatus-bola
Os tatus pertencem à superordem dos Xenarthra, que é considerado um dos grupos de mamíferos mais antigos e pré-históricos, sendo este o mesmo das espécies de tamanduás e bichos-preguiça. Encontrado na América do Norte, América Central e América do Sul, no Brasil os tatus ocorrem em mais de 10 espécies.
Dentro dessa superordem, o tatu-bola-da-Caatinga integra a ordem Cingulata, assim como as demais espécies de tatus existentes, e mais especificamente o gênero Tolypeutes.
Este é o gênero que abriga as duas espécies de tatus-bola do Brasil: o tatu-bola (Tolypeutes matacus) e o tatu-bola-da-Caatinga (Tolypeutes tricinctus). A principal diferença entre elas, em termos de distribuição, é que o Tolypeutes matacus ocorre no Pantanal, mas não é exclusivo do Brasil – ela ocorre também na Bolívia, Paraguai e Argentina –, enquanto que o Tolypeutes tricinctus, além de ser a menor das duas, é endêmico do país.
À despeito do nome, além da Caatinga, a espécie também tem ocorrência confirmada em parte do Cerrado – depois de muito tempo sendo considerada endêmica do semiárido.
Exclusiva e mais ameaçada
Em termos de conservação, o tatu-bola-da-Caatinga é a espécie de tatu mais ameaçada do país. Com registros cada vez mais raros — o que dá contornos ainda mais ímpares ao avistamento da espécie da RPPN Serra das Almas —, a espécie está ameaçada de extinção na categoria “Em Perigo”, segundo a última atualização da lista nacional de fauna ameaçada.
No passado, a espécie chegou a ser dada como extinta por não ter sido vista na natureza há pelo menos 20 anos. Sua redescoberta aconteceu no final dos anos 80, na região de Canudos (BA), em uma expedição conduzida por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“Acabou sendo uma marca histórica para pesquisa e conservação dessa espécie, essa redescoberta”, conta a ((o))eco o biólogo Rodolfo Magalhães, que desde 2017 estuda o Tolypeutes tricinctus em território baiano. Entretanto, tantos anos depois a espécie continua — ainda mais — ameaçada e pouco estudada, o que a torna uma prioridade para iniciativas de pesquisa e conservação. “Pouco se tem feito até hoje para conservá-la”, enfatiza ele, que é mestre em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre.
Infere-se que nos últimos anos o tatu-bola-da-Caatinga tenha sofrido uma redução de pelo menos 50% em sua população – o que está diretamente relacionado a perda de habitat —, aponta o ICMBio.
“A Caatinga vem sofrendo uma forte pressão de desmatamento, seja por queimada, seja por desmatamento ilegal mesmo”, explica Portela, que é o coordenador técnico da Associação Caatinga, organização que gere a RPPN Serra das Almas – um refúgio de fauna e flora que abriga uma representativa parte da Caatinga no sertão de Crateús (CE) – e promove a conservação de terras, florestas e águas no bioma há mais de duas décadas.
Como já mostrou ((o))eco, a Caatinga foi o terceiro bioma mais desmatado do país em 2021. Entretanto, foi este o bioma que teve o segundo maior aumento percentual da taxa de desmatamento de 2020 para 2021. Saltando de 61,5 mil hectares para 116,2 mil hectares, o aumento foi de 88,9%, segundo o relatório anual do desmatamento (Rad) no Brasil, elaborado pelo MapBiomas – o Pampa figura em primeiro lugar com um aumento de 92,1%.
No Cerrado, Magalhães explica que a perda de habitat do tatu-bola-da-Caatinga também é muito acentuada. “A espécie ocorre onde é mais ou menos parte daquela região do Matopiba. É quase que um arco de desmatamento do Cerrado”, diz o pesquisador.
Fronteira agrícola que compreende áreas de Cerrado no Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, o Matopiba respondeu a quase um quarto (23,6%) do desmatamento registrado no Brasil em 2021. Foram cerca de 390 mil hectares desmatados na região naquele ano. Dos pouco mais de meio milhão de hectares desmatados no Cerrado em 2021 — que deram a ele o título de segundo bioma mais desmatados do país, atrás somente da Amazônia com quase um milhão de hectares de desmate —, a maior parte ocorreu no Matopiba: cerca de 73%. Os números também são do MapBiomas.
Mas outra importante pressão exercida sobre a espécie é a caça. O tatu-bola-da-Caatinga tem a capacidade de curvar completamente sua carapaça sobre o corpo, fechando-se como uma bola extremamente rígida e simétrica. Importante contra predadores naturais, essa estratégia, porém, não tem a mesma utilidade contra caçadores. “Eles se enrolam, a pessoa simplesmente pega e põe dentro da sacola. É uma defesa muito boa para o ambiente natural, mas muito ineficaz para o homem”, explica o coordenador técnico da Associação Caatinga.
Situação ainda pior regionalmente
Regionalmente, o status de conservação do tatu-bola-da-Caatinga pode ser pior. No Ceará, onde por muito tempo não se teve registros conhecidos da espécie, o Tolypeutes tricinctus foi listado como “Criticamente em Perigo” – última categoria antes de uma espécie ser considerada provavelmente extinta. Lá, o tatu-bola-da-Caatinga muito possivelmente já sofre com extinções locais – assim como acontece em outros estados do Nordeste, vide o exemplo de Pernambuco –, conta o pesquisador da Universidade do Estado do Ceará (Uece), Hugo Fernandes, que foi o coordenador científico da lista vermelha do estado.
“Eu não posso dizer que ele está extinto no sertão central, mas nós temos locais, como por exemplo Quixadá (CE), onde há relatos de ocorrência pretérita e nenhum relato atual, então, provavelmente extinção local”, explica a ((o))eco.
Publicada no ano passado, a lista vermelha estadual é um pontapé inicial importante para o planejamento de medidas que possam mitigar o declínio de espécies ameaçadas. “A nossa maior conquista é a existência da lista pela primeira vez na história do estado”, comemora Fernandes.
Para o tatu-bola-da-Caatinga, em específico, o coordenador da lista diz que a ação inicial agora deve ser a de investigar onde ele ainda ocorre no Ceará. “Não é porque a gente não localizou que não existe”, esclarece. Um segundo passo importante, a partir da identificação de populações remanescentes, seria a criação de unidades de conservação (UCs). “Pública ou particular, como RPPN, enfim, começar de fato a proteger o território”, completa.
Já na identificação de ameaças, como a caça, o trabalho seria o de fiscalização e proibição, somado ao de educação ambiental, conscientização e introdução à alternativa de rendas. “Isso é o que a gente acredita bastante”, comenta Fernandes.
Esse ao menos é o plano para populações remanescentes que não tenham sido tão prejudicadas ao ponto de que sua conservação tenha se tornado irreversível. Mas se for este o caso do tatu-bola-da-Caatinga no Ceará, o reforço populacional ou ainda a captura em uma área para a soltura em outra (translocação de locais) também são possibilidades – se consideradas viáveis para a espécie.
“Eu ouso dizer que o reforço populacional acontecerá. Como ele vai acontecer a história nos dirá”, explica o pesquisador da Uece ao esclarecer que no momento o levantamento necessário para embasar tais medidas ainda é muito básico para afirmar como estas se darão. “Mas nenhuma decisão vai ser tomada sem os melhores especialistas no assunto”, acrescenta.
Um déficit de áreas protegidas
Estudo publicado no início do ano pela editora científica Cambridge University Press compilou 151 registros recentes do tatu-bola-da-Caatinga. Publicado no formato de artigo na revista Cambridge Prism: Extinction, o trabalho mostrou a existência de 31 populações da espécie entre o Cerrado e Caatinga.
O dado é extremamente importante para se ter uma dimensão das populações remanescentes do tatu-bola-da-Caatinga, mas ao mesmo tempo revelou o quão desprotegida está a espécie: de todos os registros feitos desde 2000, apenas 24% estavam compreendidos dentro de áreas protegidas.
A informação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) de que menos de 9% da Caatinga está protegida em algum nível é uma confirmação dupla desse cenário. “É uma espécie muito pouco protegida em termos de área para sua conservação”, conta Magalhães, que é um dos autores do estudo.
Considerando que apenas cerca de 2% da Caatinga é protegida por UCs de proteção integral – estas são mais restritivas à atividade humana –, também segundo o MMA, a situação fica pior. “Claramente há um déficit de áreas protegidas”, diz a ((o))eco o pesquisador do Instituto de Zoologia da Academia Chinesa de Ciências (CAS, da sigla em inglês), em Pequim, Anderson Feijó, que assina o artigo como primeiro autor.
Doutor em Ciências Biológicas, Feijó conta que um dos resultados chaves do trabalho é o de que as populações remanescentes do tatu-bola-da-Caatinga são altamente dependentes de áreas com vegetação nativa para sobreviver. “As populações que conhecemos atualmente vivem principalmente em áreas de maior altitude do oeste da Caatinga e nordeste do Cerrado”, diz ele ao explicar que essas são justamente as áreas mais preservadas nos biomas.
Diante da constatação de que grande parte dos locais onde a espécie já foi extinta possuem elevado grau de degradação e de uso humano, conclui-se que “as UCs têm um papel fundamental em garantir a preservação dessas áreas no longo prazo”, explica Feijó.
O isolamento de populações e o seu impacto
Associado ao desmatamento, esse déficit de áreas protegidas resulta em uma outra ameaça para o Tolypeutes tricinctus: a desconexão entre fragmentos de vegetação nativa que abrigam a espécie e, consequentemente, a desconexão de suas populações entre a Caatinga e Cerrado. O isolamento, que surge como uma consequência dessa desconexão, é confirmado pelo estudo em grande parte das populações remanescentes da espécie.
A longo prazo, um impacto disso pode ser o desaparecimento do tatu-bola-da-Caatinga mesmo em um ambiente não perturbado pela ação humana, ou seja, ainda com vegetação nativa. “As populações ficam bem mais vulneráveis às perturbações no ambiente e a possibilidade de endogamia, quando há um alto cruzamento entre indivíduos da mesma família”, explica o pesquisador da CAS.
O coordenador científico da lista vermelha estadual do Ceará concorda que a situação atual é muito ruim. “Nós temos áreas muito desconexas ainda, em termos não só do Ceará mas em termos de Caatinga. Essas áreas estão perdendo suas conexões”, diz Hugo Fernandes.
A importância da criação de UCs, por isso, reside no potencial de mitigar esse cenário. Ao abrigar e proteger o Tolypeutes tricinctus, essas áreas protegidas podem conectá-lo não só a outros remanescentes de vegetação nativa dentro e entre biomas, mas também a outras populações remanescentes.
“A gente vê que existem alguns potenciais corredores ecológicos em áreas que mantêm vegetação nativa que podem ligar UCs já existentes. Essas seriam áreas que a gente consideraria prioritárias para a criação de áreas protegidas, pensando na conservação do tatu-bola-da-Caatinga”, comenta Magalhães sobre o estudo, que atesta e mapeia esse potencial no Cerrado e na Caatinga.
Uma espécie bandeira para conservação
Se de um lado estão as ameaças, por outro estão também iniciativas de conservação locais que buscam, por meio de uma série de ações, livrar o tatu-bola-da-Caatinga da extinção. Atividades desse tipo estão sendo executadas, pelo menos, na Bahia, Ceará e Piauí. E o objetivo é reverter esse cenário no qual está imbuído a ocorrência — e também sobrevivência — dessa exclusividade da fauna brasileira.
“O tatu-bola-da-Caatinga é uma espécie guarda-chuva para proteção de várias outras, porque quando você protege o habitat dela você está protegendo o habitat de todas as outras espécies associadas àquele hábitat também”, afirma Portela. “Dentre elas algumas aves ameaçadas de extinção, que inclusive são foco do PAN (Plano de Ação Nacional para Conservação) Aves da Caatinga”, acrescenta o coordenador técnico da Associação Caatinga.
Isso porque, por ser uma espécie que requer vegetação nativa para sobreviver, explica o pesquisador do CAS, os locais onde ela ainda ocorre geralmente abrigam uma grande diversidade. “Incluindo outras espécies ameaçadas”, diz Feijó, citando o exemplo da onça-pintada (Panthera onca), que na Caatinga está “Criticamente em Perigo” de extinção.
Por acreditar nisso, a gestão e criação de áreas protegidas no Nordeste é um dos eixos pelo qual a organização busca proteger o Tolypeutes tricinctus. Nos últimos anos, a Associação Caatinga já apoiou a criação de pelo menos três UCs onde há registros ou potencial ocorrência do tatu-bola-da-Caatinga. São elas: o Parque Estadual do Cânion do Rio Poti (PI), com 24,7 mil hectares; o Parque Estadual do Cânion Cearense do Rio Poti (CE), com 3,6 mil hectares; e a Apa do Boqueirão do Poti (CE), com 63,3 mil hectares – abrangendo a RPPN Serra das Almas, onde o Tolypeutes tricinctus foi visto em 2022, esta se tornou ainda a maior UC estadual do Ceará.
“A gente fez um mapeamento, uma expedição, foram dias em campo entrevistando agricultores, indo para a mata, até a gente identificar pontos com a ocorrência do tatu-bola-da-Caatinga”, explica o coordenador geral da Associação Caatinga, Daniel Fernandes, que foi a organização responsável por coordenar os estudos técnicos que nortearam a escolha do local e a categoria das três UCs.
A ideia é continuar propondo a criação de novas áreas protegidas nessa área limítrofe entre Ceará e Piauí, que é banhada pelo rio Poti. “Podem ser áreas de ocorrência da espécie e também tem a existência de muitos sítios arqueológicos ”, diz Portela, que esteve à frente do trabalho com as três UCs já criadas na região.
Já para superar desafios como o desmatamento e a caça, a associação realiza atividades de educação ambiental com o projeto “No Clima da Caatinga”, iniciativa que é patrocinada pela Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental (PPSA). Utilizando a espécie como mascote e “mensageiro da conservação” da Caatinga, a associação tenta mudar a mentalidade – e também a relação – que comunidades no Ceará, mas também em municípios limítrofes do Piauí, têm com o tatu-bola-da-Caatinga.
“Após contínuas ações, é possível perceber a admiração e o afeto das comunidades com a espécie”, explica a coordenadora de educação ambiental da Associação Caatinga, Marília Nascimento. O fato do Tolypeutes tricinctus ser considerado um espécie carismática – sobretudo por conseguir se transformar em uma bola para se defender –, diz ela, também ajuda nisso. “Isso traz diversas possibilidades de diálogos, tanto com crianças como com adultos”.
Do que aprende na escola, na comunidade de Jatobá Medonho, em Buriti dos Montes (PI), a filha de Maria da Conceição Ferreira, 26, por exemplo, também ensina em casa. “Sempre ela diz que tem que proteger”, diz a piauiense mãe de Maria Fernanda Ferreira, de 9 anos. “Antes eu via ele só como um tatu normal. Mas hoje em dia eu sei que é importante preservar ele”, acrescenta.
A esperança que brota em um vilarejo da Bahia
No interior da Bahia, mais especificamente no vilarejo de Sumidouro, em Chapada Diamantina, uma dessas iniciativas é também o projeto Ecologia e Conservação Participativa do tatu-bola no Nordeste do Brasil (ECP Tatu-bola). Com apoio do programa Edge (Espécies Evolutivamente Distintas e Globalmente Ameaçadas, da sigla em inglês), da Sociedade Zoológica de Londres, Fondation Segré, Instituto Tamanduá e UFMG, desde 2021 a iniciativa avalia a distribuição e o tamanho populacional da espécie na comunidade.
O estopim do projeto, porém, aconteceu ainda em 2017, quando Magalhães, que é o pesquisador-chefe do ECP Tatu-bola, realizava um monitoramento de espécies ameaçadas na região — procedimento previsto pela licença de operação de um parque eólico que tinha se instalado ali. “Eu percebi, lendo sobre a espécie, que não tinha muita coisa. E eu precisava descobrir”, conta.
Atualmente, a iniciativa também implementa um programa de ciência-cidadã, cujo objetivo é fazer com que os próprios moradores de Sumidouro realizem a coleta de dados de ocorrência e história natural do tatu-bola-da-Caatinga. Nisso, ajuda o fato de que constatou-se ali uma grande ocorrência da espécie.
“O pessoal até hoje manda fotos do tatu-bola-da-Caatinga na frente da casa deles. Eles estão andando na frente da casa e às vezes passa um. É relativamente comum isso acontecer. A gente conseguiu pegar muita informação de conhecimento tradicional deles”, conta o pesquisador, que arrisca-se em dizer que a Bahia, atualmente, é um estado chave para a conservação de populações do Tolypeutes tricinctus. “Muitas populações que foram identificadas ocorrem na Bahia”, acrescenta, fazendo menção ao estudo publicado em janeiro.
A relação pré-estabelecida da comunidade com a espécie, que segundo Magalhães não era um grande foco de caça, amplia as oportunidades de conservação em Sumidouro. “A gente chegou em um cenário onde o tatu-bola-da-Caatinga era indiferente para eles. O nosso objetivo era mostrar que essa espécie é especial”, conta. “A única coisa que eu fiz foi ter proatividade e perceber a oportunidade que estava na minha frente”.
Esse objetivo de proteger o Tolypeutes tricinctus, pouco a pouco, vêm sendo alcançado em Sumidouro. Isso está refletido no que se escuta da própria comunidade. “Antes do projeto tínhamos o tatu-bola-da-Caatinga como um simples animal. Agora, a nossa percepção sobre ele é totalmente diferente”, conta Mirele Alves Nogueira, 17, moradora de Sumidouro e voluntária nas ações de educação ambiental do ECP Tatu-bola.
No horizonte dessas medidas, está a expectativa de que a ação humana não se torne mais um obstáculo para a conservação do tatu-bola-da-Caatinga — pelo menos ali. “Hoje sabemos o quão importante ele é para a nossa biodiversidade e o cuidado com a espécie aumentou muito”, completa a jovem, que também acompanha o projeto em outras atividades.
Um plano de ação
Acredita-se que, nacionalmente, a conservação do tatu-bola-da-Caatinga tenha alcançado a sua maior conquista em 2014, com a publicação do Plano de Ação Nacional para Conservação (PAN) do Tatu-bola. Realizada naquele ano no Brasil, a Copa do Mundo teve a espécie como mascote oficial – fruto de uma campanha da Associação Caatinga. “A gente queria que o maior evento esportivo do mundo deixasse um legado ambiental para o país sede”, relembra Portela.
O legado de toda a visibilidade que a espécie recebeu foi justamente a aceleração da publicação do PAN Tatu-bola pelo ICMBio. O objetivo do plano era reduzir o risco de extinção do tatu-bola-da-Caatinga e avaliar o estado de conservação da espécie que ocorre no Pantanal.
Com um ciclo de cinco anos, o plano foi finalizado em 2019, mas em 2020 as duas espécies foram incluídas no PAN do tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) e tatu-canastra (Priodontes maximus), o PAN Tata.
Apesar de não ter alcançado o objetivo previsto pelo PAN Tatu-bola, o de reduzir o risco de extinção do tatu-bola-da-Caatinga no país — de “Em Perigo” para “Vulnerável” –, estar inserido em um PAN ainda ativo é um grande marco para a conservação da espécie. “Ele foi integrado a um plano de ação conjunto, onde muitas das metas têm sido cumpridas”, comenta Magalhães, que é um dos colaboradores oficiais do PAN Tata.
O estudo publicado pela Cambridge University Press mencionado por ((o))eco, por exemplo, atende uma demanda do plano, a de definir áreas prioritárias para a conservação do tatu-bola-da-Caatinga. Ações locais de conservação como as desempenhadas pela Associação Caatinga e pelo projeto ECP Tatu-bola nos estados do Ceará, Piauí e Bahia também seguem estratégias e diretrizes definidas pelo PAN Tata.
*O repórter viajou a convite da Associação Caatinga
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