A Estação Ecológica (ESEC) de Murici, que se estende por pouco mais de 6 mil hectares da Zona da Mata alagoana, é uma das áreas de grande interesse para a conservação da biodiversidade na Mata Atlântica e no Brasil. A estação é a maior área protegida do chamado Centro de Endemismo Pernambuco – como os cientistas chamam a continuação do bioma ao norte do rio São Francisco, que, graças ao isolamento geográfico, abriga grande número de espécies que não ocorrem em mais nenhum outro lugar do mundo.
A unidade de conservação, que é de proteção integral, porém, sofre com problemas crônicos, como a falta de regularização fundiária – o que faz com que até hoje, 23 anos depois de sua criação, ela ainda tenha diversas fazendas e outras propriedades particulares em seu interior – e a ação de caçadores. A esses se somou, há pouco mais de 2 meses, outro problema: o afastamento do até então único analista ambiental do ICMBio ali lotado, Marco Antônio de Freitas – também com longo histórico de pesquisas científicas na região –, das atividades de fiscalização ambiental e da chefia da estação.
A medida se deu após uma fiscalização coordenada por Freitas em outra unidade de conservação, o Parque Nacional da Chapada Diamantina (PNCD), na Bahia. A ação resultou em sérias repercussões por conta da demolição indevida de um terreiro de jarê – religião típica da Chapada, de matriz africana e influências indígenas –, no dia 21 de julho. Acima da porta do imóvel, que a equipe alega não ter reconhecido imediatamente como um local de culto religioso, estava uma placa onde se lia “Peji Pedra Branca de Oxossi: A mata se levanta, poeira levanta, pedra do morro desce e a terra estremece”.
A demolição do terreiro, interrompida após a quebra de uma parede revelar imagens religiosas, algumas destruídas, gerou críticas e acusações de racismo religioso contra os agentes – o que Freitas rechaça, ao lembrar que a equipe, composta por ele e mais 8 agentes temporários ambientais e brigadistas, passou por outro terreiro já conhecido do parque no dia anterior, prontamente identificado e deixado intacto. A ação, porém, levou à criação de uma comissão “de caráter pedagógico, normativo e de orientação” pela presidência do ICMBio, que avaliou a ação dos servidores – detalhada pelo presidente do ICMBio, Mauro Pires, em entrevista à assessoria da autarquia, no fim de julho.
A fiscalização tinha o objetivo de agir contra o desmatamento, a caça e “invasões imobiliárias” no interior do parque – que passou por “diversas invasões recentes” a partir de 2019, segundo o relatório técnico assinado por Marco Freitas no dia 24 de julho – devido à “diminuição das ações de fiscalização” no contexto da pandemia de covid-19. As construções foram identificadas por meio de análise de imagens de satélite e de denúncias feitas à equipe da unidade. No total, 17 estruturas foram destruídas e 6 ficaram de pé – onde havia moradores presentes, que foram autuados.
Nas considerações finais do relatório técnico, o servidor afirma que “na região é comum adornos religiosos de matriz africana” na frente das casas, e que mesmo tendo sido identificados “objetos de religião de matriz africana” do lado de fora, não havia “nenhuma placa indicando se tratar de um terreiro” – o que, segundo Freitas, “só foi perceptível no final [da demolição], quando um adendo menor teve a parede rompida”.
“Esse ano já era a segunda operação que eu ia participar no Parque Nacional da Chapada Diamantina”, disse Freitas a ((o))eco. “Sou baiano, de Salvador, ando na Chapada Diamantina desde 1987 – ou seja, não tinha nem 18 anos –, já fui guia na Chapada Diamantina, já fiz muita pesquisa na Chapada Diamantina. Tem 7 répteis que eu ajudei a descrever na região de Mucugê”, explicou. “Por conhecer bem o terreno, eu sempre fui convidado. No ano passado, numa operação, e esse ano duas vezes”, disse.
“A segunda desse ano foi a que causou esse problema todo. Pelo meu conhecimento do terreno, da biodiversidade local, o chefe do parque nacional – que me conhece, que é um servidor mais antigo de casa, é doutor em botânica, mas sabe do meu conhecimento na zoologia – sabia da importância da minha expertise na questão do combate à caça, que sempre ficou muito abandonado”, relatou.
“Nessas três operações a gente recolheu mais de 100 espingardas. Então foi um número muito grande de armas apreendidas. [Apreendemos] tatuzeira, que é aquela armadilha que pega o tatu e lagarto teju vivos, centenas de pássaros, [aplicamos] algumas multas de fauna, relativas à caça, entre coisas também relativas a roubo de madeira no setor leste do parque, ali no município de Andaraí, onde tem uma Mata Atlântica belíssima e os caras invadem”, detalhou o servidor.
“Então a metodologia nossa era ficar acampado na mata até pegar. A gente fez isso duas vezes este ano e deu certo. Ou seja, o meu espírito mais ousado, de fazer esse tipo de coisa, acabava dando certo e eu acabava voltando pro parque nacional de novo. Basicamente é por isso que se deu esse convite”, explicou. A operação começou no dia 14 de julho e estava prevista para durar até o dia 30, mas foi interrompida no dia 24, com a repercussão da demolição do terreiro, ocorrida 3 dias antes.
A comissão interna, instituída em 26 de julho pelo ICMBio para apurar a ação, identificou irregularidades – como a junção das 17 edificações demolidas num mesmo Termo de Demolição, prejudicando a individualização das condutas; o uso das demolições como regra no caso das construções que não estavam ocupadas no momento da fiscalização, e não como exceção; e a demolição de estruturas com “características residenciais”, o que “inclui o terreiro de Jarê demolido”, também protegido por ser local de culto religioso, diz o relatório do colegiado, formado por 4 analistas ambientais da autarquia.
O documento aponta ainda a falta de “conhecimentos técnicos em relação ao local da ação e às normas envolvidas, que deveriam ter sido buscados previamente pelo chefe da unidade de conservação e pelo coordenador da operação”. O então chefe do PARNA Chapada Diamantina, Cézar Neubert Gonçalves – que não foi à campo na ação, embora constasse na equipe cadastrada na ordem de fiscalização, emitida pela Gerência Regional 2 Nordeste (GR2), do ICMBio –, também foi afastado da atividade de fiscal e da chefia da unidade, assim como Freitas.
O relatório conclui que o evento, “em uma análise superficial, foi fruto do desconhecimento e da negligência” dos dois servidores em relação às “normativas e procedimentos relativos às áreas de Fiscalização Ambiental e de Gestão Socioambiental”, realizando “uma ação fiscalizatória focada em demolições sumárias sem amparo legal”.
A comissão, porém, aponta que “em nenhum momento se pode caracterizar qualquer dolo por parte dos responsáveis em prejudicar as pessoas atingidas, ou mesmo burlar as regras estabelecidas”. “Também não há razões, até onde se averiguou, para quaisquer acusações de racismo, preconceito ou mesmo intolerância religiosa por parte desses servidores”, “comprometidos com o que acreditavam ser o melhor para a gestão do PNCD e com o que imaginavam corresponder às diretrizes institucionais”, dizem os autores, que frisam que a autarquia vem falhando na “formação continuada dos servidores”, na “disseminação interna de informações” e na “transversalidade dos processos de gestão”.
Entre as recomendações da comissão estão a realização, por parte dos servidores envolvidos, de cursos de gestão socioambiental e de fiscalização ambiental; que Freitas desenvolva um “protocolo de ação de campo em situações que envolvam demolição sumária, a ser avaliado, aprovado e posteriormente disponibilizado a todos os Agentes de Fiscalização”; que Gonçalves desenvolva um “trabalho relacionado aos povos e comunidades tradicionais do PNCD, a ser avaliado, aprovado e posteriormente utilizado para nortear as ações de gestão” da unidade.
Foi recomendado ainda que ambos deixassem de fiscalizar fora das unidades de conservação onde estão lotados, mas sem que tivessem sua portaria de fiscalização suspensa. A comissão alega que a suspensão chegou a ser considerada, mas que não seria recomendada por prejudicar “de forma importante” as unidades – já que a ESEC Murici tinha apenas Marco Freitas como fiscal, e o PNCD tinha apenas Cezar Gonçalves e mais um servidor habilitados a essa função.
Outro ponto levantado foi que a suspensão das atividades de fiscalização resultaria na perda do porte institucional de arma de fogo, o que deixaria Marco Freitas, especificamente, sob risco – devido a ações contra a caça na ESEC Murici, ele já sofreu ameaças de morte. Essa seria, segundo o texto, “uma medida desproporcional e desvinculada dos fatos ocorridos, no entender desta comissão”.
Já entre as recomendações institucionais ao ICMBio estão a reparação dos danos causados por “eventuais medidas inadequadas” – a reconstrução do terreiro de jarê, por exemplo, foi firmada em acordo de reparação assinado na última terça (10) entre o presidente da autarquia, Mauro Pires, e Mestre Damaré, responsável pelo templo –, a revisão de procedimentos e a implementação de programas de capacitação, “migrando da voluntariedade atual para exigências institucionais de formação”.
Punições sem processo
Na prática, as recomendações da comissão, ao menos as relacionadas aos servidores, não foram seguidas. No dia 30 de setembro, tanto Marco Antônio de Freitas quanto Cezar Neubert Gonçalves tiveram seus nomes excluídos da portaria de fiscalização do órgão, que reúne os servidores habilitados a exercer essa atividade. Ambos também foram dispensados da chefia das unidades – Cezar no dia 16 de setembro, Marco no dia 10 de outubro.
À reportagem, o ex-chefe da ESEC Murici admitiu o erro na demolição do terreiro, mas defendeu as demais demolições com base no “dano contínuo” que elas trariam à conservação do parque. “[Com as ocupações] você tem que ter um roçado em volta da casa, você aumenta o risco de incêndio florestal, você utiliza a madeira para construção, utiliza a madeira como combustível para lenha, para o fogo. Você faz roçado, você introduz espécie de planta que não é daquela área, você tem o esgoto sanitário que é jogado ali, contaminando o lençol freático. Você tem lixo, você tem risco de incêndio, você tem cães e gatos levando doença, você tem cães e gatos matando animais silvestres”, enumerou.
A maior reclamação do servidor, porém, é a falta de um processo administrativo disciplinar (PAD) onde pudesse se defender. “Teve falha? Teve sim, com certeza. Mas o que está acontecendo é algo desproporcional, em torno de que até hoje não tive direito à defesa, não teve PAD aberto até hoje. Esse processo [da comissão] eu só tive acesso porque pedi pelo Fala Brasil”, reclamou.
Fora da portaria de fiscalização, consequentemente sem porte de armas em meio a um histórico de ameaças sofridas por conta de ações contra caçadores, Freitas se diz vulnerável. Mesmo assim, segue fazendo rondas para manter a “presença institucional” e tentar inibir crimes. “Eu ando com a equipe de brigadistas, as pessoas me respeitam, e de uma certa forma as pessoas não sabem que eu estou sem porte de arma, que eu estou sem arma. As pessoas não sabem. Então eu estou por amor à vida mesmo, me arriscando por amor ao trabalho, por amor à unidade”, afirmou.
Enquanto não havia nenhum servidor com portaria de fiscalização lotado na unidade, porém, não havia como autuar eventuais irregularidades encontradas. No dia 1º de novembro o ICMBio designou a técnica ambiental Nere Leila Alves Ribeiro, que é fiscal e até então trabalhava no Núcleo de Gestão Integrada Serra Fluminense – que administra o PARNA Serra dos Órgãos, a REBIO Tinguá e APA de Petrópolis, todas no estado do Rio de Janeiro – como nova chefe da unidade. Devido à mudança, porém, a servidora só pôde chegar a Alagoas nesta segunda-feira (16). A ESEC Murici, portanto, ficou sem qualquer agente de fiscalização por um período de 76 dias, ou cerca de 2 meses e meio.
Na quarta-feira passada (11), Marco relatou à reportagem uma consequência prática desse vácuo: a dificuldade de agir contra um desmatamento de cerca de 2 hectares na parte central da unidade, detectado no mês passado. “A gente já tem um desmatamento com queimada identificado na ronda de domingo retrasado [1º de dezembro]. Foi repassado para a atual chefe e até agora nada. Nem ordem de fiscalização foi emitida, apesar dela ter autorizado eu fazer um novo PLANAF [Planejamento de Ação de Fiscalização] de emergência”, disse.
“Enquanto ela não toma posse, segunda-feira [16], nada pode ser feito”, ressaltou o servidor. “Eu estou fazendo rondas presenciais porque as pessoas me respeitam muito. Mas basicamente é isso, a unidade está sem poder fazer ações de fiscalização, de multar, autuar”, lamentou.
No dia 3 de dezembro, após evento que anunciou investimentos no Parque Nacional da Tijuca, no Rio, a reportagem conversou com o presidente do ICMBio, Mauro Pires, sobre a situação da ESEC Murici e as ações tomadas após a demolição do terreiro na Chapada Diamantina. Pires frisou que uma nova gestora para a unidade de conservação alagoana já estava nomeada àquela altura, o que não deixaria o parque sem fiscal – embora essa tenha sido a situação entre 30 de setembro e 16 de dezembro, quando a servidora pôde assumir efetivamente a nova função.
“Como a gente é um órgão nacional, a gente tem que sempre fazer ajuste de equipe, porque é bom fazer uma mudança de pessoal para permitir intercâmbio, para permitir oxigenação, para permitir lições aprendidas. Por exemplo, essa nova chefe vem de uma outra experiência. Então para ela eu acho que vai ser um grande aprendizado”, disse Pires.
Perguntado sobre a exclusão de Marco Freitas da portaria de fiscalização, apesar da comissão instituída pela autarquia ter frisado que não recomendaria essa ação pelo fato dele ser o único fiscal de sua unidade, Pires afirmou que a situação era temporária. “É que foi uma atividade de fiscalização que teve muitos problemas – isso foi constatado, não estou emitindo opinião, estou constatando – e foi feita uma avaliação. Ele só está suspenso, não é que ele perdeu [a portaria de fiscalização]. Ele está suspenso, vai ter que fazer outras atividades, alguns cursos, e depois, fazendo esses cursos, ele estando apto, ele vai voltar”, prometeu o presidente.
Perguntado sobre essas condições terem sido apresentadas a ele, Freitas foi taxativo: “não foi apresentada nenhuma condição para a minha volta”. “Eu estou fazendo tratamento psicológico, fui para psiquiatra, estou tomando tarja preta. Não existem condições para essa situação cessar. Não existem condições. Não me foi oferecido nada”, relatou.
“O presidente mandou o recado para a coordenadora de fiscalização, que veio de Brasília recolher a arma [funcional], dizendo que para onde eu quisesse ir ele me liberaria”, afirmou Freitas, que diz também não ter intenção de deixar a cidade de Murici. “O presidente do ICMBio recebe muitas informações do presidente do Ibama, que me conhece pessoalmente, que é observador de aves. De ONGs como a SAVE Brasil, várias situações dessas, que eles sabem quem é o Marco no sentido de fiscalização, de proteção de biodiversidade, de conhecimento, de pesquisa. Como ele sabe disso, talvez ele tenha aliviado um pouco a pressão, a sacanagem, a arbitrariedade que eles estão fazendo”, disparou.
A falta de um processo administrativo até o momento foi minimizada por Pires, que defendeu a suspensão dos servidores portaria de fiscalização. “A atividade de fiscalização pressupõe uma série de conhecimentos, de técnica, etc. Isso acontece ao longo do tempo. Então, quer dizer, ele vai ter chance de se defender, sem dúvidas. Mas não tem processo ainda”, disse o presidente, que não disse quando haveria esse processo, mesmo que ações já tenham sido tomadas contra os servidores.
“A função de fiscal é uma entre várias outras que o servidor realiza. Ela não é um cargo que você… ‘ah, eu sou fiscal, passei para um concurso de fiscal’. Isso não existe, porque é uma função, assim como tem outras. Por exemplo, função de pesquisa, função de gestão de conflitos, participação social. Cada uma delas exige um conhecimento. Às vezes você está bem, às vezes você está mal. Quando você está mal, você precisa se reciclar”, argumentou.
“Nesse caso, a única coisa que foi feita foi só uma suspensão. O que quer dizer suspensão? Quer dizer que a pessoa para de exercer aquela atividade, mas ela não deixou de fazer. Ela vai ter o processo, aí ele vai poder se defender, vai poder apresentar seus argumentos, e uma vez constatado que realmente não tem algo nesse caso, ele automaticamente vai voltar. Por isso é importante fazer o devido processo legal. Aí você pergunta ‘como é que ele não se defendeu?’. É porque não tinha o que defender. O que aconteceu foi: ele fez uma atividade de fiscalização, e depois nós vimos, nós constatamos, que a atividade não foi bem sucedida. Só isso”, explicou Pires.
Sobre a suspensão do porte de arma funcional, mesmo com a comissão tendo destacado que isso acarretaria em risco à vida do servidor, Pires afirmou apenas que isso é uma consequência da suspensão da portaria de fiscalização. “O porte de arma não é um benefício que o servidor tem automaticamente. Isso está vinculado a uma função. Você tem porte de arma porque você exerce uma função que exige, nesse caso é a fiscalização. Uma vez que ele não está na portaria de fiscalização, não tem porque ele estar com porte de arma. A partir do momento em que ele voltar para essa portaria, ele vai ter automaticamente o porte de arma e vai poder fazer suas atividades”, disse.
Freitas, porém, argumenta que a atividade na Chapada Diamantina foi prejudicada por falha da própria instituição – pela falta de detalhamento das populações tradicionais no plano de manejo do parque nacional, de um Termo de Compromisso com essas populações (instrumento que compatibiliza os usos tradicionais com o propósito de conservação das unidades de proteção integral, como a ESEC Murici), e de conhecimento do terreno por parte da gestão do parque (o então chefe da unidade alegou à comissão interna do ICMBio que “desconhecia a existência desse local de culto e essas comunidades, focando ações de gestão em outras localidades, por falta de definição fundiária daquela localidade”).
A assinatura do Termo de Compromisso, por sinal, foi recomendada pela Advocacia-Geral da União (AGU) para “compatibilidade de direitos dos usos religiosos no interior do Parque”, em parecer emitido no mês passado, em que também recomendou a reparação e reconstrução do terreiro.
O analista ambiental reclama ainda que o artigo 146 da lei 8.112/90 (que rege as relações entre os servidores civis e a administração pública) – “sempre que o ilícito praticado pelo servidor ensejar a imposição de penalidade de suspensão por mais de 30 (trinta) dias, de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, ou destituição de cargo em comissão, será obrigatória a instauração de processo disciplinar” – não foi seguido pelo ICMBio, já que não houve abertura de processo administrativo contra ele. Freitas ingressou com mandado de segurança na Justiça Federal de Brasília, ainda pendente de julgamento, para tentar anular os atos que o retiraram da função de fiscal e da chefia da ESEC Murici.
Ele diz ainda que avalia pedir redistribuição para o Ibama, que está com vaga aberta após a ida de um servidor da autarquia para o ICMBio em Santa Catarina. “Se o juiz não der [provimento ao mandado] até o dia 20, sexta-feira, provavelmente semana que vem eu vou”, projetou. “Talvez eu vá pro Ibama de Maceió. Não vou aguentar tanta humilhação, não. Aí para continuar protegendo Murici eu vou continuar morando em Murici, e vou me deslocar 50 km todos os dias, com meu carro, só para as pessoas me verem em Murici e manterem o respeito. Talvez seja a solução para eu voltar a fazer o que eu mais amo na vida, que é a fiscalização ambiental”, explicou.
Reações
As medidas tomadas contra o servidor levaram a uma onda de apoio por parte de acadêmicos e frequentadores da Estação Ecológica de Murici, que destacaram a importância de sua atuação contra crimes ambientais da unidade. Um abaixo-assinado iniciado pelo ecólogo Reuber Brandão, professor do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade de Brasília (UnB), atualmente com 760 assinaturas, presta apoio a Marco Antônio de Freitas, e cobra do ICMBio “que o servidor tenha seus direitos respeitados, com amplo direito de defesa”.
“Ao longo da carreira, Marco publicou 22 guias de identificação de anfíbios, répteis e mamíferos e 130 artigos científicos, incluindo descrições de sete novas espécies de répteis. Em reconhecimento à sua atuação profissional, a serpente Apostolepis freitasi, a perereca Bokermannohyla sapiranga e a aranha Iridopelma marcoi foram batizadas em sua homenagem”, diz o texto.
“Atuando como servidor público nos últimos 15 anos, Marco de Freitas se concentrou principalmente na gestão, divulgação e conservação da ESEC de Murici, área mais importante do continente americano em relação ao número de espécies de aves endêmicas e ameaçadas de extinção. Como resultado desse trabalho, nos últimos oito anos foram apreendidas na ESEC Murici 274 armas de fogo, 291 armadilhas de disparo, 324 tatuzeiras, 9.220 gaiolas e alçapões e 7.840 aves resgatadas, sendo 41 destas ameaçadas. Como Fiscal Federal do ICMBio, apreendeu quase 16 mil aves em cativeiro ilegal nos estados do Piauí, Ceará, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia”, destaca Brandão.
“Sua exoneração da gestão da ESEC de Murici, compromete décadas de trabalho, favorecendo o desmatamento e a caça dos últimos indivíduos de espécies criticamente ameaçadas de extinção, exclusivas de Murici, conduzidas por criminosos da região que reconhecem nas ações de Marco de Freitas grande obstáculo para a continuidade das atividades ilegais”, argumenta o ecólogo.
Em outubro, a ouvidoria do ICMBio registrou, entre 9 e 28, 27 elogios à atuação do servidor – encaminhados por ele à reportagem. Em geral, são manifestações de pesquisadores, servidores ambientais e moradores da unidade. “Caso retirem ele da área como pena do caso infelizmente acontecido na Chapada Diamantina, em julho desse ano, quem será prejudicado é a natureza, e em particular a reserva em questão”, diz uma das mensagens.
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