Reportagens

Mutuns-de-alagoas se reproduzem de forma natural pela primeira vez em 40 anos

Um casal de mutum-de-alagoas (Pauxi mitu) mantido desde 2017 no Zooparque Pedro Nardelli, em Alagoas, gerou dois ovos que vêm sendo incubados pela fêmea

Carolina Lisboa ·
1 de fevereiro de 2023 · 1 anos atrás

Era a segunda semana de dezembro de 2022 quando a gestora Rosa Souza observou um ovo no chão, durante uma vistoria de rotina nos viveiros do Zooparque Pedro Nardelli, onde cuida de um casal de mutum-de-alagoas (Pauxi mitu), ave considerada extinta da natureza. Ao entrar no recinto do mutum fêmea, encontrou um ovo com deficiência e outro ovo em perfeito estado, pesando 130 gramas, embora não fecundado, pelo fato de o casal estar separado.

Ao comentar o achado com Roberto Azeredo, presidente do criadouro CRAX (Sociedade de Pesquisa da Fauna Silvestre) e um dos maiores especialistas em reprodução de aves ameaçadas de extinção, ele informou que a próxima postura seria dali a cinco semanas. “Foi quando resolvi juntar o casal e fiquei dias e horas observando se ele [o macho] não iria bater nela. Então observei que eles estavam se dando bem, ele passando comida para ela e fazendo todo o processo para acasalar”, relatou Rosa.

Após duas semanas, a equipe do Zooparque, localizado na Usina Utinga em Rio Largo-AL, colocou um balaio (ninho artificial) de cipó de titara e algumas folhas secas no recinto, para que o casal pudesse construir o ninho. Na segunda semana do mês de janeiro de 2023, ao observar que a fêmea estava no ninho, Rosa resolveu checá-lo e encontrou o primeiro ovo do casal. A fêmea fez ainda a postura de um outro ovo, posteriormente.

Mutum fêmea no ninho incubando os ovos. Foto: Rosa Souza/IPMA.

Até então, nenhum dos mutuns-de-alagoas nascidos em cativeiro foi chocado e criado pela mãe, e sim por chocadeiras elétricas. A última pessoa a ver um ninho com ovos de mutum na natureza foi o engenheiro Fernando Pinto, presidente do Instituto de Preservação da Mata Atlântica (IPMA), mantenedor do Zooparque, há 42 anos atrás.

Espera-se que a fêmea realize todo o processo de incubação até o nascimento dos filhotes. Segundo Roberto Azeredo, os ovos em chocadeiras eclodem entre 28 e 30 dias, em média. De forma natural, embora não se tenha conhecimento do período de incubação, a equipe acredita que a eclosão ocorra na segunda quinzena de fevereiro.

Para Luís Fábio Silveira, coordenador do Projeto ARCA do CEP, o acontecimento vem sendo celebrado como mais um marco do programa de reintrodução do mutum-de-alagoas. “Como tínhamos um casal jovem ali, a reprodução era esperada. De fato, o macho, em diversas oportunidades, tentou copular, mas a fêmea não se mostrava receptiva. Apenas no final de 2022 ela permitiu que o macho a cortejasse, e sob a precisa orientação do Roberto Azeredo, logo houve a cópula. Roberto acertadamente sugeriu que a fêmea incubasse os ovos”.

Rosa Souza, gestora do Zooparque Pedro Nardelli e um mutum de alagoas (Pauxi mitu). Foto: Arquivo/IPMA.

Silveira acredita que esse é um momento muito importante em todo o processo porque o casal, e especialmente a fêmea, pode expressar o seu comportamento natural de preparar o ninho, incubar os ovos e, caso nasçam, criar os filhotes. “Toda esta experiência demonstra que a reprodução vai ser alcançada também na natureza, pois o casal pôde realizar a corte e expressar todo o comportamento reprodutivo. Todos estes comportamentos têm sido anotados diariamente pela Rosa, que tem agora um preciso banco de dados em mãos”.

A chegada deste casal de mutuns a Alagoas foi um marco importante para a sensibilização ambiental da população, que teve a oportunidade de conhecer uma espécie extinta na natureza. O casal é mantido em um viveiro de 400 m² com vegetação da Mata Atlântica desde setembro de 2017, quando houve a inauguração do Centro de Educação Ambiental Pedro Mário Nardelli. De acordo com Sônia Roda, assessora de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Grupo EQM, responsável pela Usina Utinga, o casal e os possíveis filhotes oriundos da postura continuarão mantidos no recinto, para exposição.

Reintroduzidos na natureza

A Usina Utinga criou a RPPN Mata do Cedro, com 978 hectares, no município de Rio Largo (AL), objetivando a soltura do mutum-de-alagoas. Em setembro de 2019 foram reintroduzidos três casais na área, mas apenas duas fêmeas permanecem vivas. O projeto de reintrodução prevê a soltura de mais indivíduos em breve.

Mesmo após a reintrodução na natureza, a espécie continua sendo a única avaliada como Extinta na Natureza (EW) na Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção, atualizada em junho de 2022. 

De acordo com Sonia Roda, a Usina tem um projeto de manutenção e enriquecimento florestal da paisagem ao redor da RPPN, que formará um corredor ligando-a à futura RPPN Mata da Sálvia, que contará com mais de 600 hectares.”Para manter grandes aves frugívoras como o mutum, jacus e aracuãs, espécies frutíferas são cultivadas no viveiro de mudas do IPMA e posteriormente plantadas nas matas. Além disso, dentro do Sistema de Gestão Ambiental da Utinga, foram elaborados protocolos nos quais pesquisas relacionadas ao conhecimento da alimentação, predação e manutenção da paisagem para a sobrevivência do mutum serão priorizadas”.

RPPN Mata do Cedro onde foram soltos os mutuns. Foto: Arquivo/Usina Utinga.

No dia 24 de janeiro foi realizada na Usina uma reunião com instituições parceiras do Plano de Ação Estadual do mutum-de-alagoas, onde foram discutidas questões acerca da conservação da espécie e de outras como o papagaio-chauá e o macuco, que serão as próximas a serem reintroduzidas.

Na ocasião, foi assinado um acordo de comodato no qual a Usina disponibilizou duas casas na Vila Utinga para servirem de base de apoio a pesquisadores participantes do projeto ARCA. Houve ainda um convênio entre a segurança patrimonial da empresa e o Batalhão de Polícia Ambiental de Alagoas para garantir a vigilância nos principais fragmentos florestais onde os mutuns soltos têm sido visualizados. 

O programa de reintrodução do mutum-de-alagoas é coordenado pelo Ministério Público de Alagoas através da 4ª promotoria, sob a responsabilidade do promotor público Dr. Alberto Fonseca, em parceria com a ONG IPMA e Usina Utinga – grupo EQM, BPA-AL, SEMARH, IMA, Criadouro científico CRAX, USP e UFSCAR.

  • Carolina Lisboa

    Jornalista, bióloga e doutora em Ecologia pela UFRN. Repórter com interesse na cobertura e divulgação científica sobre meio ambiente.

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