Reportagens

Está nas mãos do governo Lula ampliar a proteção do Pantanal

Medida ajudaria a enfrentar as crises do clima e da perda de biodiversidade, mas ainda não há data para aumento de parque e estação ecológica

Aldem Bourscheit ·
30 de setembro de 2025

Após as consultas públicas de agosto e setembro deste ano, agora só dependeria do governo federal decretar o aumento das áreas do Parque Nacional do Pantanal Matogrossense e da Estação Ecológica de Taiamã, ambos no Mato Grosso. Ongs esperam isso até a COP30, em novembro, mas órgãos ambientais silenciam.

As duas unidades de conservação (UCs) federais somam quase a área de São Paulo (SP), ou cerca de 150 mil ha. A área das UCs após a ampliação pode chegar a 257 mil ha. Isso protegeria variados ambientes e animais, da onça-pintada ao caboclinho-do-sertão (Sporophila nigrorufa), bem como aumentaria a resiliência climática do bioma.

“As UCs compõem um mosaico crucial para preservar espécies ameaçadas e a diversidade genética”, ressalta Gustavo Figueirôa, diretor de Comunicação e Engajamento na SOS Pantanal. “Diante de um futuro climático incerto, conservar é uma das formas mais seguras de proteger o bioma no longo prazo”.

A medida reforçaria as terras sob proteção legal no bioma alagável para 6,2%. A taxa atual, de 4,68% – incluindo reservas particulares do patrimônio natural, as RPPNs –, mantém o Pantanal como um dos menos abrigados em unidades de conservação, só à frente do Pampa. 

Ao parque nacional, devem ser incorporadas sobretudo porções secas, valiosas para melhor proteger a fauna silvestre e estimular o ecoturismo. Na estação ecológica, serão agregadas especialmente lagoas e baías, que são berçários naturais de peixes e ajudam a conter cheias.

“A renovação da população de peixes e da cadeia alimentar nasce ali”, lembra Herman Hudson de Oliveira, secretário-executivo do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (FORMAD). “Isso torna a ampliação imprescindível do ponto de vista ecológico”.

Conservar também tem benefícios econômicos. Ampliar a Taiamã dobraria a arrecadação de ICMS Ecológico no município de Cáceres, para quase R$ 1,6 milhão anuais. A criação de gado na mesma área geraria pouco mais de R$ 126 mil. As estimativas foram apresentadas pelo ICMBio numa audiência pública.

As linhas vermelhas incluem as propostas de ampliação do Parna do Pantanal e da ESEC Taiamã. Mapas: ICMBio/Reprodução

Bioma conectado e fortalecido

As UCs ampliadas igualmente ajudam a formar melhores corredores ecológicos, essenciais para grandes espécies como a onça-pintada, que dependem de vastos territórios. “Criar unidades de conservação garante que esses corredores permaneçam mesmo sob pressão externa”, avalia Figueirôa.

Proteger mais ambientes naturais também aumentará a resistência do bioma às secas e ao fogo, que têm sido implacáveis nos últimos anos. Embora em 2025 os registros de queimadas tenham caído para quase zero, especialistas alertam que essa e outras ameaças seguem vivas e pedem soluções permanentes.

“Além da baixa área protegida, o bioma enfrenta uma avalanche de infraestrutura, como hidrovias, ferrovias e dezenas de hidrelétricas – essas previstas na parte alta da bacia”, lembra Oliveira. “Isso aumenta riscos de perda de conectividade, de sedimentação e impactos sobre comunidades locais”.

Nesse cenário, ampliar a proteção legal no Pantanal é uma agenda capitaneada especialmente pelas ongs Onçafari, SOS Pantanal, Rede Pró-UC e Panthera Brasil, e alinhada à meta global de conservar ao menos 30% das terras e águas, até o fim da década.

“O desafio é grande, sobretudo porque 95% do bioma está em terras privadas”, recorda Figueirôa. “Falar de unidade de conservação é, automaticamente, falar de desapropriação”, destaca. Esta seria uma das raízes da resistência à maior conservação no Pantanal.

Incontáveis jaburus (Jabiru mycteria) e outras espécies na ESEC Taiamã. Foto: Daniel Kantek

Os tons da contrariedade

Conforme as entidades civis, a ampliação das UCs pantaneiras é bem-vinda inclusive para pescadores e populações tradicionais. A medida também teria ok do Governo Estadual, mas a Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso não retornou nosso pedido de entrevista até o fechamento da reportagem.  

Tentativas de embarreirar a maior conservação do bioma vieram mesmo dos ruralistas. Nas audiências públicas, eles questionaram a capacidade do governo federal para gerir e indenizar terras nas ampliações do parque e da estação ecológica.

Diante disso, Oliveira lembra que os orçamentos dos órgãos ambientais também dependem de votos do Legislativo e analisa que a maior barreira à ampliação das UCs não é técnica ou financeira, mas sim o temor de que um pente fino revele problemas fundiários.

“Proprietários temem desapropriações de terras ocupadas de forma irregular”, aponta. “Há recursos para isso, que só não deslancham porque muitos não conseguem comprovar a posse devido a cadeias dominiais confusas e sobreposições de matrículas”, detalha o doutor em Educação pela UFMT.

A expectativa das ongs é que os decretos ampliando o parque nacional e a estação ecológica sejam publicados antes da COP30 do Clima, em Belém (PA), em novembro. “Seria um sinal bem interessante”, avalia Figueirôa.

Contudo, não há qualquer garantia de prazo. A medida depende sobretudo do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), mas o órgão federal não atendeu nosso pedido de entrevista até o fechamento da reportagem.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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Comentários 1

  1. SILVIO LUIZ DONINELLI diz:

    Como sempre, importante matéria.
    Sugiro que seja abordado outro tema, devastador para o meio ambiente. Falo da poluição luminosa. LEDs brancas inundando esse nosso Brasil. UM CRIME!!!
    Se tiverem interesse queiram contatar comigo.
    Att
    Silvio Luiz Doninelli