Reportagens

Estudo global aponta para o risco iminente de extinção de nada menos do que 10% da vida na Terra

A razão para este cataclisma biológico é a superpopulação do planeta, associada à expansão agrícola para alimentar 7 bilhões de seres humanos e satisfazer suas necessidades de consumo

Peter Moon ·
7 de maio de 2019 · 5 anos atrás

A superpopulação e o modo de vida da Humanidade são os responsáveis por um cataclisma de proporções planetárias que está arrasando a biodiversidade mundial. Qualquer coisa parecida só aconteceu outras 5 vezes na história da vida na Terra, nas grandes extinções em massa que extinguiram frações relevantes das formas de vida em eventos apocalípticos como a queda do meteoro que extinguiu os dinossauros não-avianos há 66 milhões de anos.

Aquele bólido celeste, associado a erupções vulcânicas gigantescas na Índia, extinguiu 70% da vida nos continentes (e 50% nos mares).

Em um movimento que começou há 70 mil anos, quando nossos ancestrais saíram da África para povoar o planeta, levas de caçadores-coletores foram exterminando todos os maiores vertebrados dos continentes nos quais adentravam. Assim, lá se foram os cangurus-gigantes, os koalas gigantes do tamanho de búfalos e os tigres-marsupiais da Austrália. Deu-se adeus aos leões e ursos das cavernas na Europa, aos rinocerontes lanosos e aos mamutes da Eurásia.

Há dez mil anos, ao invadirem a América do Sul, os ancestrais dos nossos índios devoraram até o último exemplar os mastodontes, preguiças-gigantes e gliptodontes, os tatus-gigantes do tamanho de fuscas que aqui viviam há muitos milhões de anos.

Desde então, a guerra humana contra a natureza só tem ganhado impulso, aumentado de escala, e refinado seu poder de destruição.

De acordo com a primeira avaliação global do estado da natureza da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês), as taxas de extinção de espécies animais e vegetais estão aumentando em uma escala sem precedentes. Estima-se que 1 milhão de espécies animais e vegetais estão agora ameaçadas de extinção. Pelo menos 680 espécies de vertebrados foram levadas à extinção desde o século 16 e mais de 9% de todas as raças domesticadas de mamíferos usados para alimentação e agricultura foram extintas até 2016.

“A abundância média de espécies nativas na maioria dos principais hábitats terrestres caiu em, pelo menos, 20%, principalmente desde 1900. Mais de 40% das espécies de anfíbios, quase 33% dos corais e mais de um terço de todos os mamíferos estão ameaçados.”

A abundância média de espécies nativas na maioria dos principais hábitats terrestres caiu em, pelo menos, 20%, principalmente desde 1900. Mais de 40% das espécies de anfíbios, quase 33% dos corais e mais de um terço de todos os mamíferos estão ameaçados.

Essa perda é resultado direto da atividade humana e constitui uma grave ameaça ao bem-estar humano em todas as regiões do mundo, alerta um grupo de cientistas de 50 países, incluindo do Brasil, que produziram o estudo.

O sumário para os formuladores de políticas do relatório foi lançado nesta segunda-feira (06/05), em Paris, após ter sido aprovado por 132 países durante a sétima sessão plenária do órgão, chamado de “IPCC para a biodiversidade”, que aconteceu na semana passada na capital francesa.

“Ecossistemas, espécies, populações selvagens, variedades locais e espécies de plantas e animais domesticados estão encolhendo, deteriorando ou desaparecendo. A teia essencial e interconectada da vida na Terra está ficando menor e cada vez mais desgastada. Essa perda é um resultado direto da atividade humana e constitui uma ameaça direta ao bem-estar humano em todas as regiões do mundo,” diz Josef Settle, co-presidente de Avaliação Global do IPBES.

Elaborado ao longo dos últimos três anos por 145 especialistas, com contribuições de outros 310 autores, o relatório avaliou mudanças na biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos – como o fornecimento de alimentos e de água – durante as últimas cinco décadas. Para isso, foi feita uma revisão sistemática de cerca de 15 mil fontes científicas, governamentais e de conhecimento indígena e de comunidades tradicionais.

“A saúde dos ecossistemas de que toda a humanidade e as espécies dependem está se deteriorando mais rapidamente do que nunca. Estamos erodindo os próprios alicerces de nossas economias, meios de subsistência, segurança alimentar, saúde e qualidade de vida em todo o mundo”, afirma Robert Watson, presidente da IPBES.

Criação de boi dentro da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará. Foto: Bernardo Câmara.

“A primeira causa da perda da biodiversidade é a mudança no uso da terra, em direção a uma agricultura cada vez mais industrializada e financeirizada, para satisfazer uma dieta cada vez mais globalizada, com mais e mais carne, gordura e açúcar,” diz Yann Laurans, diretor do Programa de Biodiversidade e Ecossistemas, IDDRI.

De acordo com Laurans, “no caso da Europa, um recente relatório do IDDRI mostrou que a agroecologia pode ser uma solução. Não podemos mais dizer que não sabemos, ou que não sabemos o que fazer para proteger a biodiversidade. Agora é necessário exigir a aplicação de todos os textos e leis de proteção, que são muitas vezes mal aplicados, e assim superar os interesses dos setores econômicos em jogo”.

“Esse é primeiro relatório intergovernamental que foca não só a biodiversidade, mas também suas interações com trajetórias de desenvolvimento econômico e com fatores que afetam a natureza, como as mudanças climáticas”, afirma o brasileiro Eduardo Sonnewend Brondizio, professor da Universidade de Indiana, que foi um dos três co-presidentes do relatório.

Os outros brasileiros autores do relatório são Ana Paula Aguiar, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe); Bernardo Baeta Neves Strassburg, do Instituto Internacional de Sustentabilidade (ISS); Cristina Adams, da Universidade de São Paulo (USP); Gabriel Henrique Lui, do Ministério do Meio Ambiente; Maria Manuela Ligeti Carneiro da Cunha, da USP; Pedro Henrique Santin Brancalion, também da ESALQ-USP; e Rafael Dias Loyola, da Universidade Federal de Goiás (UFG).

“A contribuição dos autores brasileiros foi excepcional porque todos eles conseguiram trazer uma perspectiva social e ecológica integrada para o relatório. Eles colocaram suas respectivas especialidades, como ecologia, políticas públicas e cenários ambientais, em um contexto interdisciplinar”, disse Brondizio.

Entre os fatores responsáveis por esse declínio de espécies estão, em ordem decrescente, as mudanças no uso da terra e do mar, a exploração direta de organismos, as mudanças climáticas, a poluição e espécies tóxicas invasoras.

“O relatório também destaca que três quartos do meio ambiente terrestre e 66% do ambiente marinho foram significativamente alterados pelas ações humanas. Em média, essas tendências foram menos severas ou evitadas em áreas mantidas ou geridas por povos indígenas e comunidades locais.”

Desde 1980, as emissões de gases do efeito estufa dobraram, elevando a temperatura média global em pelo menos 0,7 ºC. O aquecimento global já tem afetado a natureza, do ecossistema à genética das espécies, e os impactos devem aumentar nas próximas décadas, em alguns casos, superando o impacto da mudança do uso da terra e do mar e outros fatores, apontam os autores.

O relatório também destaca que três quartos do meio ambiente terrestre e 66% do ambiente marinho foram significativamente alterados pelas ações humanas. Em média, essas tendências foram menos severas ou evitadas em áreas mantidas ou geridas por povos indígenas e comunidades locais.

Mais de um terço da superfície terrestre do mundo e quase 75% dos recursos de água doce são agora dedicados à produção agrícola ou pecuária. O ritmo da expansão agrícola em ecossistemas intactos varia entre os países. 100 milhões de hectares de floresta tropical foram perdidos de 1980 a 2000, como resultado principalmente da pecuária na América Latina (cerca de 42 milhões de hectares) e plantações no Sudeste Asiático (cerca de 7,5 milhões de hectares, dos quais 80% para óleo de palma, usado principalmente em alimentos, cosméticos, produtos de limpeza e combustível) entre outros.

O valor da produção agrícola aumentou em cerca de 300% desde 1970, a extração de madeira aumentou em 45% e aproximadamente 60 bilhões de toneladas de recursos renováveis e não renováveis são extraídos globalmente a cada ano – número que quase duplicou desde 1980.

A degradação da terra, contudo, reduziu a produtividade de 23% da superfície terrestre global. Até US$ 577 bilhões em safras globais anuais estão em risco de perda de polinizadores e entre 100 e 300 milhões de pessoas estão em risco aumentado de inundações e furacões devido à perda de hábitats costeiros e proteção, ressaltam os autores do relatório.

A poluição plástica cresceu 10 vezes desde 1980.

A poluição plástica cresceu 10 vezes desde 1980 e entre 300 e 400 milhões de toneladas de metais pesados, solventes, lama tóxica e outros resíduos de instalações industriais são despejados anualmente nas águas do mundo.

Os fertilizantes usados na agricultura e que entram nos ecossistemas costeiros produziram mais de 400 “zonas mortas” oceânicas, totalizando mais de 245 mil quilômetros quadrados (km2) – uma área combinada maior que a do Reino Unido, calcularam os pesquisadores.

“O relatório mostra que as populações mais ricas ou privilegiadas se acostumaram a ignorar os problemas ambientais porque não convivem com os impactos no dia a dia. São as populações mais pobres ou menos privilegiadas que estão sofrendo o impacto desse padrão de vida, na forma de poluição, desmatamento e atividades de mineração em lugares longe dos olhos do resto do mundo”, disse Brondizio.

Segundo os pesquisadores, as tendências negativas na natureza continuarão até 2050 e, além desse período, persistem em todos os cenários de política explorados no relatório, exceto aqueles que incluem mudanças transformadoras – devido aos impactos projetados de mudanças crescentes no uso da terra, exploração de organismos e mudança climática, embora com diferenças significativas entre regiões.

Apesar do progresso nas políticas de preservação, os autores consideram que as metas globais para conservar e usar a natureza de forma sustentável e para alcançar a sustentabilidade não podem ser alcançadas nas trajetórias atuais. As metas até 2030 e para além desse período podem ser alcançadas apenas por meio de mudanças transformadoras e de fatores políticos e tecnológicos, ponderam.

Uma das ações indicadas é a adoção de abordagens integradas e intersetoriais de gestão que levem em conta as compensações da produção de alimentos e energia, infraestrutura, manejo de água doce e costeira e conservação da biodiversidade.

Xenohyla truncata: único sapo do mundo que consome frutos regularmente. A espécie só é encontrada em ambientes costeiros do estado do Rio de Janeiro. Foto: © Pedro Peloso.

Os autores também identificam como um elemento-chave de políticas futuras mais sustentáveis a evolução dos sistemas financeiros e econômicos globais, visando a construção de uma economia global sustentável, afastando-se do atual paradigma limitado de crescimento econômico.

“Se nos preocupamos com outras formas de vida, se nos importamos com o futuro de nossos filhos, se nos preocupamos com um ambiente seguro ou com metas de desenvolvimento, então há apenas um caminho quando se trata do mundo natural: precisamos garantir o que resta. Precisamos proteger metade do planeta até 2050 com uma meta intermediária de 30% até 2030. Para alcançar esses objetivos, precisamos restaurar a natureza e impulsionar a inovação. Só então vamos deixar o future gerações um planeta saudável e sustentável para as futuras gerações,” diz Jonathan Baillie, vice-presidente executivo e cientista chefe da National Geographic Society.

Segundo o americano Thomas Lovejoy, um dos mais influentes ecólogos vivos, e que nos anos 1980 cunhou pela primeira vez o termo diversidade biológica, “o nosso futuro e o do mundo natural estão inextricavelmente ligados: eles são simultaneamente fundamentais para um futuro melhor para as pessoas e a natureza. Soluções baseadas na natureza – proteção e restauração de áreas naturais – são essenciais para evitar mudanças climáticas severas.”

  • Peter Moon

    Peter Moon é um repórter científico, historiador da ciência e pesquisador da história natural da América do Sul

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