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Cerca de 1.400 espécies de aves foram extintas desde o Pleistoceno – e a culpa é nossa

Levantamento indica que nos últimos 126 mil anos o mundo perdeu cerca de 1.400 espécies de aves, a maioria delas devido aos impactos da ocupação humana

Duda Menegassi ·
15 de fevereiro de 2024

A era da sexta extinção em massa no planeta Terra não começou hoje, tampouco nas últimas décadas. Desde o início da diáspora humana que ocupou continentes e ilhas, a biodiversidade foi posta em xeque. O registro fóssil nos dá pistas do que já perdemos. Em alguns casos, como as aves, que possuem baixo potencial de fossilização, responder essa pergunta é mais complicado. Num esforço pioneiro, um grupo de sete pesquisadores fez um levantamento que estima que perdemos cerca de 1.400 espécies de aves em todo planeta desde o final do Pleistoceno, há cerca de 126 mil anos. O número, possivelmente subestimado, equivale a aproximadamente 12% de todas as espécies da avifauna conhecidas atualmente. 

Dentre as aves extintas, mais da metade (55%) seguem desconhecidas pela ciência, seja pela falta de pesquisa em si ou pela falta de fósseis. Um dos desafios para chegar nesse número foi justamente estimar as extinções que ainda não foram descobertas. Para fazer isso, os pesquisadores usaram modelos estatísticos para prever extinções de aves em 69 arquipélagos, de acordo com múltiplos fatores ambientais e a integridade do registro fóssil. O foco nas ilhas tem um bom motivo, já que cerca de 90% das extinções de aves registradas ocorreram justamente nestes pedaços de terra em alto-mar. 

Somado a isso, os pesquisadores se basearam em fósseis e extinções observadas em todo o mundo para estimar o número total de espécies da avifauna que desapareceram. 

Os autores também calcularam a data de extinção dessas aves desde o Pleistoceno Superior para estimar as taxas de extinção de aves ao longo dos últimos 126 mil anos. Esses dados foram cruzados com os registros da chegada da espécie humana nos diversos pontos do mundo. O resultado mostra como a gradual ocupação humana está associada à extinção de aves.

“A dispersão da humanidade para fora de África e o subsequente povoamento de praticamente todas as terras sem gelo em todo o mundo desencadeou ondas de extinções, que para muitos grupos, incluindo aves, foram particularmente grandes em arquipélagos isolados”, explicam os pesquisadores no artigo, publicado na revista científica Nature Communications, com acesso aberto.

A chegada dos humanos trouxe inúmeros problemas para as aves nativas. Desde a perda de habitat – associada com o desmatamento e queimadas –, plantações de espécies exóticas, a introdução de animais domésticos e invasores, e a caça.

A era das extinções

Relativamente bem documentadas nos últimos cinco séculos, as extinções anteriores a isso permanecem majoritariamente desconhecidas. “Ignorar as extinções fósseis e não descobertas limita a nossa compreensão das taxas de extinção de aves e pode subestimar substancialmente a magnitude da perda de biodiversidade provocada pelo homem, com implicações para a biodiversidade global, a história evolutiva e a conservação”, detalham os autores do artigo.

Os cientistas identificaram as três maiores ondas de extinção desde o Pleistoceno Superior. A primeira delas teve seu pico cerca de 840 anos antes da Era Comum e foi causada majoritariamente pela chegada de hominídeos em arquipélagos como Fiji e as Ilhas Canárias – onde foi extinto, por exemplo, o passarinho perna-longa (Emberiza alcoveri).

Mapa mostra as ondas de ocupação humana e as extinções de aves ao longo do tempo geológico até os dias atuais (Era Comum = EC). Mapa original do artigo adaptado para tradução em português. Fonte: “Undiscovered bird extinctions obscure the true magnitude of human-driven extinction waves” (2023). Criadores: Birgit Lang, FJDegrange, Ferran Sayol, Francesco “Architetto” Rollandin, Juan Carlos Jerí, Mattia Menchetti, Peileppe, Rob Cooke, Sean McCann, Sharon Wegner-Larsen, e Steven Traver.

A segunda – e mais intensa onda – teve seu ápice perto do ano 1300 da Era Comum, com uma taxa máxima aproximada de 160 espécies extintas por milhão de espécies-ano. Esse valor é cerca de 80 vezes a taxa “normal” de extinção. Assim como a primeira leva de extinções, essa também coincide com o desembarque dos humanos em novas ilhas do Pacífico oriental, com destaque para o Havaí e a Nova Zelândia. Junto com as pessoas, vieram animais domésticos e de criação como porcos, galinhas e cachorros, assim como tripulantes oportunistas: ratos da polinésia (Rattus exulans). A chegada dos invasores – em todos os sentidos – levou a uma transformação do habitat e impactos diretos à avifauna nativa. Entre os que se foram estão o corvo-de-bico-alto (Corvus impluviatus), no Havaí; o piriquito-de-sinoto (Vini sinotoi), das Ilhas Marquesas; e as moas, aves da ordem das Dinornithiformes, endêmicas da Nova Zelândia.

Já a terceira onda – ainda em curso – começou no ano 1742 e inclui extinções em vários pontos do mundo, motivadas pelo aumento dos impactos humanos, como a destruição de habitat e a introdução de espécies invasoras. É nessa atual onda que o planeta testemunhou a extinção do mergulhão-colombiano (Podiceps andinus), nativa da Colômbia e vista pela última vez na década de 70. 

Leia mais: Sete aves da Mata Atlântica foram extintas nas últimas décadas

A maior parte das extinções (61%) ocorreram no Pacífico, onde estão inúmeras ilhas e arquipélagos, o palco mais suscetível às extinções, com espécies de ocorrência restrita.

“As extinções normalmente ocorreram rapidamente após a chegada humana, mas as taxas de extinção diminuíram à medida que as espécies vulneráveis ​​foram rapidamente perdidas e as espécies mais resistentes aos impactos humanos permaneceram”, refletem os pesquisadores. “Assim, o aparente aumento constante na taxa de extinção observado desde 1500 pode não ser apropriado para estimar a verdadeira dinâmica da atual crise de biodiversidade. Em vez disso, aqui demonstramos a elevada heterogeneidade espacial e temporal das extinções causadas pelo homem”, completam.

Os autores destacam ainda os débitos de extinção, ou seja, as espécies que estão em processo de extinção e, se nada mudar, devem desaparecer por completo em questão de anos ou séculos. “As dívidas de extinção podem levar séculos para serem concretizadas e, portanto, a dívida acumulada de extinção de hoje ainda está sendo paga”, alertam no artigo.

Estudos projetam que entre 226 e 738 espécies de aves devem ser extintas nos próximos cem anos. Se esses números forem confirmados no futuro – somados às extinções apontadas no levantamento – teríamos uma a cada seis espécies de aves extintas do planeta.

“Nosso estudo demonstra a alteração severa e de longo prazo da avifauna em todo o mundo, representando um impacto humano muito maior na diversidade aviária do que o anteriormente reconhecido. A proteção urgente das biotas nativas remanescentes deve constituir uma alta prioridade para a conservação, para evitar uma onda contemporânea de extinção de magnitude ainda maior do que os episódios pré-históricos aqui revelados”, concluem os pesquisadores.

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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