Reportagens

Ex-ministros do Meio Ambiente se unem contra “desmonte à governança socioambiental” de Bolsonaro

Rubens Ricupero, José Sarney Filho, José Carlos Carvalho, Marina Silva, Carlos Minc, Izabella Teixeira e Edson Duarte lançaram comunicado denunciando o descaso da gestão atual

Cristiane Prizibisczki ·
8 de maio de 2019 · 5 anos atrás
Na manhã desta quarta-feira (08), sete ex-ministros do Meio Ambiente se reuniram em São Paulo para discutir a gestão ambiental do governo Bolsonaro.

Sete ex-ministros do Meio Ambiente, que representam cerca de 30 anos de política ambiental no país e provêm de diferentes linhas ideológicas, se reuniram na manhã desta quarta-feira (8) para lançar um comunicado denunciando o “desmonte da governança socioambiental” no país e chamando os vários setores da sociedade à reação. O encontro aconteceu na sede do Instituto de Pesquisas Avançadas (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista.

O comunicado, de três páginas, foi assinado por oito ex-ministros de Estado do Meio Ambiente, que participaram de governos desde Itamar Franco até Michel Temer: Rubens Ricupero, José Sarney Filho, José Carlos Carvalho, Marina Silva, Carlos Minc, Izabella Teixeira e Edson Duarte, além de Gustavo Krause, que é signatário do documento, mas não esteve presente no encontro.

O comunicado, em linhas gerais, denuncia o desmonte das políticas ambientais e climáticas no governo de Jair Bolsonaro (PSL) e enumera uma série de ações tomadas pelo atual governo neste sentido, como: a perda da Agência Nacional de Águas, a transferência do Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura, a extinção da secretaria de mudanças climáticas, a ameaça de extinção de áreas protegidas, o apequenamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente, a ameaça de extinção do Instituto Chico Mendes e o posicionamento de negação das mudanças climáticas, que poderá levar a retrocessos nos esforços praticados de redução de emissões de gases de efeito estufa.

O documento também alerta para o risco de aumento do desmatamento – devido ao discurso contra os órgãos de controle ambiental, em especial o Ibama e o ICMbio, o questionamento aos dados de monitoramento e afrouxamento do licenciamento ambiental – além de citar a preocupação dos ex-ministros em relação às políticas relativas a populações indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais.

“O Brasil percorreu um longo caminho para consolidar sua governança ambiental, tornamo-nos uma liderança global no combate às mudanças climáticas. Também somos um dos países megabiodiversos do planeta […] É urgente que o país reafirme sua responsabilidade quanto à proteção do meio ambiente e defina rumos concretos que levem à promoção do desenvolvimento sustentável e ao avanço da agenda socioambiental”, diz o documento

Começou mal

Segundo o ex-ministro Edson Duarte, as ações equivocadas do governo Bolsonaro em relação ao meio ambiente começaram antes mesmo do dia 1º de janeiro. Segundo ele, apesar do esforço da pasta, ao final de 2018, em disponibilizar informações à equipe de transição do atual presidente, não houve interesse sequer de receber os documentos. “O primeiro recado que recebi foi que a equipe de transição [do governo Bolsonaro] se negou a visitar o Ministério e pegar as informações que havíamos compilado. Na verdade, não houve transição”, disse Duarte.

Um dos motivos para tanto desapreço pelas questões ambientais, segundo José Carlos de Carvalho, é justamente o entendimento equivocado e retrógrado da equipe de Bolsonaro sobre a relação entre o meio ambiente e o crescimento do país – além da pressão dos setores da pecuária e do agronegócio, claro. “O que está sendo feito parte de uma premissa equivocada, intelectualmente pobre, conceitualmente fora de qualquer padrão que é de se colocar a questão do meio ambiente e desenvolvimento como questões excludentes, coisa que já foi superada desde que a Assembleia da ONU estabeleceu os objetivos do desenvolvimento sustentável”, defendeu.

Para Marina Silva, falta ao governo uma visão ampliada das consequências de suas ações na área ambiental. “O Brasil não pode parar com o protagonismo que tinha, isso já está criando prejuízos para além da agenda ambiental. A indústria pode pagar seu preço, o setor de mineração vai pagar um preço alto, porque o que está sendo dito em relação às nossas comodities é que elas serão produzidas em prejuízo da defesa do meio ambiente, da Amazônia, do Pantanal, da Mata Atlântica, dos nossos índios. Essa mensagem não pode ser passada, isso gera mais desemprego e cria insegurança jurídica”, disse a ex-ministra.

Segundo Sarney filho, o documento é um alerta à sociedade brasileira e um chamamento para que os vários setores da sociedade se posicionem. “Precisamos agir rápido. Esperamos [com o manifesto] chamar a atenção não só da sociedade brasileira, mas muito mais do próprio governo, que precisa rever seus erros”, disse Sarney Filho a jornalistas.

Construção de agendas

Segundo os ex-ministros, o encontro desta quarta-feira foi um primeiro passo dado em direção à construção de agendas com diversos atores da sociedade civil, Legislativo e Ministério Público, para tentar barrar o desmonte da governança ambiental.

“Este não é um ponto de chegada, mas de partida. Fazemos uma exortação para que todos assumam suas responsabilidades, porque o que está em jogo é o futuro, que sofrerá as consequências nefastas da política absolutamente irracional que estamos assistindo”, disse Ricupero.

A ((o))Eco, Izabela Teixeira explicou que a construção do diálogo se dará por meio da criação de agendas políticas com vários setores. “Cada um [dos ex-ministros] tem um potencial de interlocução. Estamos juntando esses ativos de cada um para definir uma estratégia. Vamos continuar nos reunindo e ver o que vamos fazer daqui pra frente com várias agendas, várias demandas, no Congresso, no Judiciário, no Ministério Público, na sociedade, com os empresários. Estamos buscando abrir um espaço político de diálogo”.

Uma segunda reunião dos ex-ministros já está agendada, mas a data não foi divulgada.

Quem são os ex-ministros

Rubens Ricupero – ministro no governo Itamar Franco entre setembro de 1993 e abril de 1994.

Gustavo Krause – ministro no governo Fernando Henrique Cardoso de janeiro de 1995 a janeiro de 1999.

José Carlos Carvalho – ministro no governo Fernando Henrique Cardoso de março de 2002 a janeiro de 2003.

Marina Silva – ministra no governo Lula entre janeiro de 2003 e maio de 2008.

Carlos Minc – sucedeu Marina Silva no governo Lula, ficando na pasta entre maio de 2008 e março de 2010.

Izabella Teixeira – ministra no governo Lula e, depois, no governo Dilma, entre abril de 2010 e maio de 2016.

José Sarney Filho – ministro no governo Dilma e, depois, na gestão Temer, de maio de 2016 a abril de 2018.

Edson Duarte – ministro na gestão Temer, de abril de 2018 a janeiro de 2019.

Acesse o comunicado aqui:

http://www.iea.usp.br/noticias/ex-ministro-de-meio-ambiente-divulgam-comunicado-sobre-a-politica-para-a-area-do-atual-do-governo

 

Assista a coletiva completa:

 

 

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  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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Comentários 4

  1. George diz:

    Podiam ter deixado fora a menção a "agenda socioambiental":

    1) Socioambientalismo é uma jabuticaba brasileira que nunca funcionou;

    2) No atual clima político do país, falar em "socio" qualquer coisa é entregar argumentos prontos para a oposição.


  2. Flávio Zen diz:

    Militantes fora do poder. Deviam responder sobre onde estavam quando:
    – Se rifou o Código Florestal em troca de apoio na congresso
    – Fizeram vista grossa para as grandes mineradoras que redundaram nas tragedias de Mariana e Brumadinho entre outras
    – Se estruturou a farra das hidreletricas para financiamento de campanhas do PT e PMDB as custas do BNDS
    – Construíram na marra Belo Monte atropelando comunidades indígenas e estudos de viabilidade técnica
    – Fizeram vista grossa ao enxofre no diesel produzido pela Petrobras, a despeito dos compromissos estabelecidos
    – Empurraram com a barriga a questão dos lixões
    – Se calaram ante a corrupção nos órgãos ambientais
    – Se calaram com a industria das multas, mormente ignoradas por grandes contraventores
    – Não se importaram com a penúria das unidades de conservação, em especial parques e Rebios
    – Apoiaram sem remorsos ou se omitiram ante o maior esquema de corrupção da história do pais, cuja herança maldito sentimos na pele hoje…

    Complicado tanto cinismo…


  3. Roberto diz:

    Logicamente, a nota do MMA sobre o assunto o Eco fingiu que não viu. Lance normal do jornalismo atual, segue o jogo!


    1. Carlos Magalhães diz:

      Não é lance normal. É ativismo.

      Mais ativismo político, menos jornalismo.