Um artigo publicado na segunda (17) na revista científica PNAS revela que cerca de 10% (3.722 espécies) dos vertebrados terrestres em escala global estão em risco de extinção nos próximos anos devido a fenômenos naturais como terremotos, furacões, vulcões e tsunamis, com uma prevalência significativamente maior em ilhas e regiões tropicais.
O estudo calcula que, dentre as espécies ameaçadas por fenômenos naturais, 2.001 estão classificadas como de alto risco (834 répteis, 617 anfíbios, 302 aves e 248 mamíferos), e cerca de 30% delas vivem completamente fora de áreas protegidas, o que pode aumentar o risco de extinção por estarem mais suscetíveis ao impacto humano.
Furacões afetaram a maioria das espécies (983 das 2.001 espécies), seguido por terremotos (868 espécies), tsunamis (272 espécies) e vulcões (171 espécies). A região com maior número de espécies em alto risco foi o Anel de Fogo do Pacífico, especialmente devido a vulcões, terremotos e tsunamis, enquanto as espécies de alto risco relacionadas a furacões estavam concentradas no Mar do Caribe, no Golfo do México e no noroeste do Oceano Pacífico. A Região Neotropical, que se estende do sul do México até o norte da Argentina, engloba 34% das espécies ameaçadas.
Os resultados indicam ainda que 70% das espécies mais suscetíveis (615 répteis, 267 anfíbios, 266 aves e 207 mamíferos) só ocorrem em ilhas. É o caso do papagaio-de-são-vicente (Amazona guildingii), nativo das montanhas densamente florestadas da ilha caribenha de São Vicente, nas Pequenas Antilhas. A espécie está classificada como em alto risco devido à atividade vulcânica e em risco devido a furacões.
Para chegar a tais resultados, os cientistas mapearam como a ocorrência e magnitude desses fenômenos naturais se sobrepõem às áreas de distribuição de espécies com menos de mil indivíduos na natureza ou que vivem em uma área consideravelmente pequena – menos de 2500 quilômetros quadrados –, pois são as que terão dificuldades em se reproduzir e, consequentemente, recuperar a viabilidade da população diante de eventos naturais críticos.
O trabalho é assinado por 27 autores, sendo 22 brasileiros e/ou afiliados a instituições brasileiras. O primeiro autor, o pesquisador Fernando Gonçalves, ligado ao Centro de Dinâmica da Biodiversidade e Mudanças Climáticas da UNESP-Rio Claro, avalia como preocupante que apenas 15% das espécies em alto risco de extinção devido a riscos naturais tenham planos de conservação e que as distribuições de 30% delas não estejam cobertas por áreas protegidas. “É o caso de espécies como o urso panda (Ailuropoda melanoleuca), da China, e o beija-flor-de-barriga-safira (Chrysuronia lilliae), da Colômbia”, exemplifica.
Espécies em risco no Brasil
Segundo Gonçalves, o Brasil não possui muitas espécies classificadas como em risco de extinção devido a fenômenos naturais, o que, de maneira geral, é positivo, considerando que as espécies brasileiras já sofrem muito com o desmatamento e as pressões antropogênicas. No entanto, ao analisar os dados de fenômenos naturais do site da NOAA, os pesquisadores ficaram surpresos ao descobrir que o Brasil já teve episódios, embora de baixa magnitude, de terremotos, furacões e tsunamis.
“Apesar de não estar localizado próximo às bordas das placas tectônicas, onde a maioria dos terremotos ocorre, o Brasil ainda possui falhas geológicas que podem gerar atividade sísmica”, explica Gonçalves. “Quanto aos tsunamis, quando ocorrem, geralmente estão associados a eventos localizados, como deslizamentos submarinos e/ou terremotos distantes. É importante lembrar que existem diferentes magnitudes de tsunamis, e nem sempre eles são tão devastadores quanto o ocorrido no sul da Ásia”.
Algumas das espécies que correm risco no Brasil são o lagarto da areia (Liolaemus lutzae), que está classificado como criticamente ameaçado pela IUCN e já sofreu perturbações devido a um tsunami de baixa magnitude que atingiu a costa do RJ em dezembro de 2004; a rã-grilo-de-barriga-vermelha (Elachistocleis erythrogaster), classificada como Em Perigo (EN) pela IUCN, que vive na região costeira na divisa entre SC e RS e sofreu com o furacão que atingiu a região em março de 2004 e; o sapo-de-barriga-vermelha (Melanophryniscus cambaraensis), que vive entre os estados de SC e do RS, afetado pelo furacão de baixa magnitude que atingiu a região sul em 2004. A rã-da-cachoeira (Cycloramphus catarinensis), classificada pela IUCN como Criticamente em Perigo (CR) e possivelmente extinta, era encontrada na costa catarinense e também foi afetada por tsunamis.
O professor Carlos Frederico Duarte Rocha, do Departamento de Ecologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), monitora as populações do lagarto Liolaemus lutzae ao longo de toda sua distribuição na costa do RJ. Segundo ele, os dados do último monitoramento (2022/2023) mostram uma situação dramática das populações, sendo reduzidas por destruição do habitat e mudanças climáticas.
“Em um esforço mundial envolvendo 24 pesquisadores de 14 países avaliando o status das espécies de lagartos no mundo, publicado em 2010 na revista Science, constatamos que estão em declínio global. O estudo apontou a probabilidade do L. lutzae ser extinto até 2080 se não houver medidas mitigadoras”, relata o pesquisador.
Já o pesquisador Márcio Borges-Martins, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), estuda o anfíbio Melanophryniscus cambaraensis, ameaçado e endêmico da região do Planalto das Araucárias, no RS. Ele informa que há registros de apenas duas populações dessa espécie, uma no Parque Nacional da Serra Geral (no Cânion Fortaleza) e outra na Floresta Nacional de São Francisco de Paula, sendo que a população do Parque Nacional não é avistada desde 1990, apesar dos esforços de amostragem.
“Por apresentar distribuição restrita, com poucas populações conhecidas, supostamente pequenas, a espécie está avaliada como Em Perigo (EN) no Brasil e como Criticamente em Perigo (CR) pela IUCN. As principais ameaças a essas populações estão relacionadas à degradação do ambiente, mas as causas do desaparecimento da população de Cambará do Sul ainda não são compreendidas. A população da Floresta Nacional de São Francisco de Paula já foi estudada e parece ser bem pequena, da ordem de poucas centenas de indivíduos adultos”, relata Borges-Martins.
O pesquisador acredita que, na região do M. cambaraensis, a ocorrência de ciclones tropicais não é comum e não seria uma ameaça importante, pois o único evento ocorrido no ano de 2004 não causou impactos que tenham sido percebidos na espécie. “Porém, considerando o contexto de aquecimento global e o aumento de eventos climáticos extremos, como estamos vendo atualmente no RS em termos pluviométricos, é possível que no futuro próximo tenhamos mais eventos dessa natureza, gerando impactos mais significativos nas áreas florestadas do nordeste do Estado e consequentemente nas espécies endêmicas dessa região”.
Ações para conservação
A população do sapinho M. cambaraensis, atualmente protegida in situ na Floresta Nacional de São Francisco de Paula, vem sendo estudada ao longo das últimas décadas. “Atualmente um novo ciclo de monitoramento populacional está sendo planejado, além de novos estudos sobre sua ecologia. A busca por novas populações já foi iniciada em 2023 e deve também ser mantida nos próximos anos”, informou Borges-Martins.
Contudo, as conclusões do estudo da PNAS evidenciam a necessidade de ações intensivas e urgentes de conservação das espécies e de seu ambiente. “Além dos impactos humanos, a frequência e a magnitude dos fenômenos naturais impulsionados pelo clima, como por exemplo as inundações no sul do Brasil, devem aumentar nos próximos anos, com impactos desconhecidos. Isso ressalta a necessidade de implementar medidas de conservação para proteger espécies em risco devido a fenômenos naturais”, alerta Gonçalves.
O estudo aponta que a conservação e restauração ao nível dos ecossistemas podem mitigar eficazmente a ameaça a longo prazo representada pelos riscos naturais para a biodiversidade, embora a eficácia de tais esforços possa depender da frequência e magnitude desses eventos.
Os autores sugerem que barreiras naturais como dunas de areia maduras, florestas de manguezais, florestas secundárias, zonas úmidas e recifes de coral, por exemplo, são elementos importantes de proteção da costa e mitigação de inundações durante furacões e tsunamis. Conectar fragmentos de vegetação nativa e manchas florestais com amplos corredores e estabelecer áreas protegidas no entorno de regiões de risco, além de preservar os existentes, também pode atuar para proteger habitats de alta qualidade e aumentar a produtividade da faixa ocupada pelas espécies, reduzindo o risco de extinção por desastres naturais, como vulcões e terremotos.
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