Reportagens

Focos de queimadas na Mata Atlântica superam em 13% índices do ano passado

Números acendem um alerta sobre os perigos que a biodiversidade enfrenta diariamente. Incêndios florestais representam um dos crimes ambientais mais graves, e multa pode chegar a R$ 50 mi

26 de agosto de 2020 · 4 anos atrás
Brigadista apagando incêndio no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, na região serrana do Rio, no começo de agosto. Foto: Foto: Mariano Sant’Anna..

Nos quatro primeiros meses deste ano, foram registrados 2.437 focos de incêndios na Mata Atlântica. Durante o mesmo período do ano passado, este número chegou a 2.152. A diferença representa um aumento de 13% do número de queimadas de 2019 para 2020. Os dados, obtidos com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), preocupam e acendem um alerta sobre os perigos que a biodiversidade brasileira enfrenta diariamente.

Segundo a organização não governamental SOS Mata Atlântica, restam cerca de 12% de Mata Atlântica em bom estado de conservação, em relação ao que existia originalmente no país. Esse bioma abrange cerca de 15% do território nacional e está localizado em 17 estados (Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe), dos quais 14 são costeiros. Representa o lar de 72% dos brasileiros e concentra 70% do PIB nacional. Dela dependem serviços essenciais, como abastecimento de água, regulação do clima, agricultura, pesca, energia elétrica e turismo.

A Mata Atlântica, além disso, é o bioma que soma o maior número de espécies ameaçadas, tanto em números absolutos quanto em proporcionais à riqueza dos biomas nacionais. Do total de espécies ameaçadas do Brasil, 50,5% se encontram na região, sendo que 38,5% são próprias do bioma. A informação foi publicada no Livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de extinção, de 2018, resultado de um estudo que contou com a participação de 1.270 pesquisadores e que foi divulgado no ano passado pelo Instituto de Conservação da Biodiversidade Chico Mendes (ICMBio).

O aumento da incidência de queimadas e incêndios apenas eleva o risco para a fauna e também para a flora que habitam a Mata Atlântica e já vivem tão pressionadas. “Como a Mata Atlântica é o segundo bioma em riqueza de espécies e o que detém o maior número de espécies ameaçadas, cada fator de ameaça afeta um número de espécies maior que em qualquer outro bioma”, aponta a publicação.

Só em 2019, ao todo, foram detectados pelo Inpe 18.177 focos de incêndio na Mata Atlântica. Foi o maior índice desde 2010, quando o órgão identificou 20.610 focos por meio de monitoramento via satélite.

Segundo o pesquisador do tema e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Antônio Carlos Batista, “criar políticas públicas bem consolidadas sobre o uso e a proibição do uso do fogo é uma maneira de mitigar os efeitos e reduzir as ocorrências de incêndios antrópicos”, isto é, as queimadas provocadas pelo ser humano.

*Até abril – Fonte: Programa queimadas (Inpe).

Incêndios no Paraná

O cenário apenas relacionado ao Paraná não difere da situação vivida pelo bioma de toda a Mata Atlântica no país. Um levantamento feito a partir do site do Inpe aponta que foram detectados, de janeiro a abril deste ano, quase o dobro de focos de incêndios no estado comparando com o mesmo período de 2019. Até abril do ano passado, o instituto detectou 220 focos de queimadas. Já os dados até abril de 2020 apontam que esse número salta para 544. É o maior índice desde 2004, quando os satélites do Inpe detectaram 639 focos nos quatro primeiros meses do ano.

“A principal explicação para esse aumento é a estiagem no Paraná, que é a maior dos últimos 30 anos. Existe uma forte relação e correlação entre a precipitação (quantidade e número de dias chuvosos) e a frequência e intensidade dos incêndios”, ressalta o pesquisador Batista. Segundo ele, todos os modelos e índices de perigo de incêndios florestais são calculados mediante o uso das variáveis “precipitação e umidade relativa do ar” – que é uma variável dependente da nebulosidade e precipitação.

Seca agrava situação

Criar políticas públicas bem consolidadas sobre o uso e a proibição do uso do fogo é uma maneira de mitigar os efeitos e reduzir as ocorrências de incêndios antrópicos. Crédito: Gilson Abreu.

As denúncias de queimadas devem ser direcionadas aos órgãos competentes, como Polícia Ambiental, Corpo de Bombeiros e Instituto Ambiental do Paraná (IAP), atual Instituto Água e Terra. No entanto, segundo o diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), Clóvis Borges, o estado do Paraná vive um violento desmonte na área ambiental.

Borges ressalta que, nos últimos anos, os órgãos ambientais tiveram um déficit no quadro de profissionais e isso levou à perda de capacidade de gestão. “Perderam força para estar atentos aos desastres ambientais”, afirma. Afinal, desde 1992, nunca foi realizado um concurso público para repor os profissionais aposentados, exonerados ou afastados do IAP. Desde então, estima-se que o órgão perdeu mais de 60% de servidores efetivos. “Essa seca terrível que está acontecendo é porta aberta para o mundo pegar fogo. Tudo está muito seco. Soma-se a isso o fato de o Paraná também nunca ter tido um programa específico contra incêndios”, ressalta Borges.

Em todo o país, o Inpe registrou, de janeiro a abril deste ano, 13.520 focos de incêndios ambientais. Comparando com o mesmo período do ano passado, foram registrados 13.950 focos. Em todo o ano de 2019, o órgão computou 197.634 focos de queimadas. Em 2018, a título de comparação, foram registrados 132.872 focos.

O drama no Sul

Em 2019, a região Sul do Brasil registrou um índice preocupante de focos de queimadas. Foram detectados por meio dos satélites do Inpe 8.314 ocorrências. Esse número é 33% superior aos 5.543 focos de 2018. O total de focos de incêndios ambientais da região em 2019 só fica atrás dos dados computados em 2016, quando foram detectados mais de 10 mil focos. Até abril deste ano, os três estados que compõem a região registraram 1.860 focos de incêndios.

Polícia Ambiental alerta sobre legislação

Multas por incêndios florestais podem chegar a R$ 50 milhões dependendo da área afetada. Representa um dos mais graves crimes ambientais. Crédito: Geraldo Bubniak.

O chefe de Planejamento da Polícia Ambiental do Paraná, capitão Álvaro Gruntowski, alerta sobre os riscos que as queimadas acarretam sobre os criminosos. “As queimadas e os incêndios aumentam com a estiagem e, consequentemente, a nossa preocupação e o volume de denúncias também”, afirma.

Ele explica que, para a Polícia levar um cidadão em flagrante ou para prestar informações ao Ministério Público para responder a um inquérito, é necessário que o crime em questão seja um incêndio, e não uma queimada controlada. “Queimada é fogo sob controle. Incêndio é quando se perde o controle e ocorre em mata ou floresta. Pouco importa se é de preservação ambiental, se é pública ou privada. Mas é difícil constatar a autoria. Quando somos acionados, o autor geralmente se evade do local”, comenta o capitão. De acordo com dados do Batalhão de Polícia Ambiental, no primeiro trimestre de 2019 foram constatadas seis ocorrências com crime de incêndio em mata ou floresta no Paraná. A penalidade para esses crimes é de multa e prisão.

“É uma situação que está prevista na lei de crimes ambientais, cuja pena é reclusão de dois a quatro anos, ou seja, é um dos crimes ambientais mais graves”, explica o chefe de Planejamento. Segundo ele, pode acontecer por ação direta, com a intenção de causar um desastre, ou por uma negligência ou imperícia, quando a pessoa não toma os cuidados necessários e a manipulação do fogo acaba causando um incêndio.

Na infração administrativa, a multa varia de acordo com o tamanho da área atingida. “O valor mínimo da multa é de R$ 5 mil e pode chegar até R$ 50 milhões, dependendo de quantos hectares foram afetados”, complementa. No fim do mês de abril, o Corpo de Bombeiros do Paraná recebeu sete novos caminhões Auto Bomba Tanque Resgate (ABTR) para atuar em diversas situações, inclusive no controle a incêndios neste momento de estiagem.

 

Republicado do Observatório de Justiça e Conservação através de parceria de conteúdo.

 

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