Reportagens

Governo analisa cerca de 400 contribuições para finalizar Plano Clima da agricultura e pecuária

Agro criticou documento e pediu mudanças para poder continuar desmatando legalmente. Executivo defende metodologia, mas se diz aberto a contribuições

Cristiane Prizibisczki ·
1 de setembro de 2025

Técnicos de diferentes ministérios do Governo vão analisar, durante o mês de setembro, as cerca de 2.000 contribuições recebidas durante a fase de consulta do Plano Clima, previsto para ser lançado no próximo mês. Somente o Plano Setorial de Agricultura e Pecuária, alvo de críticas durante as últimas semanas, foi o destinatário de cerca de 400 delas. Agro alega “distorções” e pede mudanças. Governo defende metodologia usada.

Desde o dia 18 de agosto, quando a fase de consultas chegou ao fim e as metas de corte de emissões do setor da agropecuária sugeridas no documento – ainda em elaboração – vieram a público, o setor da agropecuária tem feito forte pressão por mudanças. 

Em audiência pública realizada na última quarta-feira (27) na Comissão de Agricultura do Senado, representantes da Casa Civil e do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima buscaram esclarecer as principais críticas ao documento.

((o))eco detalhou os questionamentos feitos pelo Agro e como o governo se posiciona em relação a eles. Confira:

Metodologia usada

O Plano Clima alocou as emissões em sete setores: Resíduos, Cidades, Transportes, Indústria, Energia, Agricultura e Pecuária e Conservação da Natureza. 

Para o setor do Agronegócio, o governo não seguiu a classificação do Painel Científico da ONU para Mudanças Climáticas (IPCC), que considera apenas cinco setores: Energia; Indústria, Produtos e Uso de Produtos (IPPU); Agropecuária; Uso da Terra, Mudança no Uso da Terra e Florestas (LULUFC) e Resíduos.

Segundo Aloísio Lopes de Melo, Secretário Nacional de Mudança do Clima, o governo não está deixando de seguir as regras internacionais de reporte de emissões. Para melhor execução em nível doméstico, no entanto, o Executivo sentiu necessidade de detalhar melhor o plano de ação, levando em conta os agentes privados e públicos e as políticas ligadas a cada um dos setores criados.

“A lógica de organização do plano é a de que ele é um plano de ação, não um plano que visa fazer o reporte internacional. E, por conta disso, essa divisão temática. Não estamos deixando de seguir o padrão internacional. Para fins da Convenção do Clima, do Acordo de Paris, continuamos relatando naquelas cinco categorias”, disse, na audiência pública realizada no Senado.

Plano Clima

O Plano Nacional de Mudança do Clima (Plano Clima) foi instituído pelo Decreto nº 11.550/2023 e, desde então, vem sendo construído pelo governo, em parceria com academia, iniciativa privada e com a sociedade. 

Previsto para ser lançado em outubro próximo, o Plano será a diretriz central para a descarbonização da economia brasileira, em atendimento à meta climática nacional de redução das emissões líquidas entre 59% e 67% até 2035, com vistas à neutralidade climática em 2050.

A elaboração do plano é conduzida, desde o segundo semestre de 2023, pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), integrado por representantes de 23 ministérios, pela Rede Clima e pelo Fórum Brasileiro de Mudança do Clima.

Desde o início de sua elaboração, já foram realizadas dezenas de oficinas e reuniões e mais de 4 ciclos de consultas públicas. Além disso, os ministérios responsáveis por cada um dos planos setoriais (veja abaixo) também tiveram autonomia para realização de consultas com atores relevantes.

Com o Plano, o Governo pretende, pela primeira vez, compartilhar formalmente as responsabilidades pela redução das emissões de gases estufa e as ações de adaptação entre setores da economia.

Para alcançar este objetivo, o Plano está sendo estruturado sobre dois pilares: Mitigação (ou redução de emissões) e Adaptação. A parte de adaptação foi subdividida em 16 planos setoriais. Já a parte de Mitigação, em sete planos setoriais, por setor emissor: 1- Conservação da Natureza, 2- Agricultura e Pecuária, 3 – Energia, 4 – Indústria, 5 – Transporte, 6 – Cidades e 7- Resíduos.

Atribuição das emissões

O Plano Setorial para Agricultura e Pecuária considera que as emissões líquidas da agropecuária estão atualmente em torno de 1.393 MtCO2, sendo que 46,2% vêm das atividades agropecuárias em sentido estrito e 53,8% do desmatamento em áreas de produção.

O documento prevê que o setor reduza em 36% suas emissões até 2030 e entre 50% e 54% até 2035. 

Esta meta de corte de emissões é a principal crítica do agro. Segundo o setor, o governo “distorceu” a atuação da atividade no cenário de emissões, ao fazer atribuições que não seriam próprias de suas atividades. O que eles querem é que as emissões provenientes do desmatamento sejam alocadas em outro setor, como o de “Conservação da Natureza”.

Em entrevista a ((o))eco, Aloísio Lopes de Melo explicou que as emissões provenientes do desmatamento foram alocadas em vários setores, de acordo com suas próprias responsabilidades. O desmatamento em áreas públicas, por exemplo, foi alocado no plano setorial de Conservação da Natureza, cuja responsabilidade pela redução é do próprio governo.

No plano de Agricultura estão alocadas as emissões do desmatamento em áreas privadas, grandes, médias ou pequenas, bem como em assentamentos e comunidades quilombolas, que foram consideradas dominialmente como privadas.

“Consideramos [para fazer a divisão] quem toma a decisão de desmatar e pode legalmente desmatar. É ali que vai aparecer essa emissão […] A gente incluiu também assentamentos e territórios quilombolas, por entender que são áreas que têm essa finalidade produtiva”, explicou.

Segundo o secretário, o plano contempla uma série de medidas de incentivo para que o Brasil consiga frear a abertura de novas áreas, mesmo que em processos autorizados, reduzindo o desmatamento como um todo.

Além disso, a crítica de que o setor agropecuário ficou responsável pela maior fatia na redução das emissões – 54% – não se fundamenta, diz Melo, já que esta cifra não está relacionada totalmente à atividade em si, mas também ao desmatamento associado a ela.

No cenário projetado, as emissões da atividade agropecuária em si – fermentação entérica, manejo de dejetos, cultivo de arroz, solos manejados, calagem e aplicação de ureia – ficariam em 2030 no mesmo patamar de 2022, de forma geral, mesmo com aumento do PIB.

“Cada número desse tem muita análise envolvida para entender realmente qual é o potencial que tem [de redução de emissões] e a que nível de custo. Qualquer outro arranjo ficaria mais caro. Ficaria muito mais custoso se a gente propusesse maior redução no setor de energia, por exemplo, para que mais desmatamento legal possa ocorrer”, explicou.

Transparência e participação

A Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), que tem sido a porta-voz das insatisfações do agro com o Plano Clima, também alega falta de transparência no processo de elaboração do documento, ausência de acesso ao modelo utilizado e exclusão do Congresso Nacional na discussão.

O governo rechaça tais críticas. Segundo Adriano Santhiago de Oliveira, secretário de Meio Ambiente, Mudança do Clima e Agricultura da Casa Civil, o processo foi transparente e participativo desde o início.

“Pelo menos do ponto de vista da Casa Civil, não cabe a crítica de falta de transparência ao processo. Muito pelo contrário, o processo foi super participativo e continua sendo. O governo está, esteve e vai sempre estar aberto ao diálogo”, disse, durante a audiência pública no Senado.

Remoções

Outra crítica feita pelo Agro é de que o Plano não considera a participação do setor nas remoções das emissões de gases estufa. Na audiência pública, tanto o representante da Casa Civil quanto o secretário do MMA reconheceram a necessidade de aprimoramento do Inventário Nacional de Emissões, para que as remoções sejam melhor contabilizadas e alocadas em seus devidos setores.

De acordo com Adriano Santhiago de Oliveira, o governo já criou um grupo de trabalho específico para isso e as melhorias na metodologia devem ser incorporadas no próximo inventário, ainda sem data para ser divulgado.

Próximos passos

Segundo Aloísio Lopes de Melo, audiência pública foi um momento de esclarecimentos, não um espaço para alterações no documento. A partir de agora, diz, os grupos técnicos dos órgãos envolvidos na construção do Plano vão avaliar as demandas, preocupações e pontos de questionamentos trazidos não só pelo setor na audiência, mas também nas cerca de 400 contribuições feitas ao documento ao longo do processo de consulta.

“Agora vai haver um tempo de processamento técnico e, a partir daí, sim, tem parte disso que vai ser eventualmente incorporado. Esses pontos que são mais estruturais vão precisar de discussão, no nível técnico, para ver quais são as opções e, só depois dessa análise, [o documento] será colocado na mesa dos tomadores de decisão para que orientem que caminho vamos seguir”, disse.

O Plano Clima está previsto para ser finalizado em outubro próximo.

  • Cristiane Prizibisczki

    Jornalista com quase 20 anos de experiência na cobertura de temas como conservação, biodiversidade, política ambiental e mudanças climáticas. Já escreveu para UOL, Editora Abril, Editora Globo e Ecosystem Marketplace e desde 2006 colabora com ((o))eco. Adora ser a voz dos bichos e das plantas.

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