Reportagens

Investigação da PF sobre girafas aponta maus-tratos e irregularidades na importação

Perícia da PF diz que as 15 girafas teriam ficado confinadas por seis meses em condições insalubres. BioParque Rio nega e mostra imagens inéditas das girafas em recinto externo

Duda Menegassi ·
17 de agosto de 2022 · 2 anos atrás

Um espaço pequeno e confinado. Baixa luz solar. Piso úmido e com acúmulo de urina e fezes. De acordo com laudo de perícia da Polícia Federal, essas eram as condições em que viviam as 15 girafas importadas pelo BioParque do Rio durante as visitas feitas pela perita ao Hotel Portobello Resort e Safári, em Mangaratiba (RJ), onde estão mantidos os animais. De acordo com a perita, que acompanhou a situação das girafas até meados de maio, por pelo menos seis meses as práticas instituídas na criação das girafas, assim como as instalações do local vinham impondo “uma série de atos que ensejam maus-tratos, crueldades e abusos” contra os animais.

“Desde quando as girafas chegaram ao Portobello Resort & Safári, até, pelo menos, o dia 17.05.2022, quando a signatária esteve pela terceira e última oportunidade, no local, as condições às quais os animais questionados estavam sendo submetidos, no ambiente de cativeiro, eram, sobremaneira, desfavoráveis à saúde e ao bem-estar dos espécimes”, avalia a perita criminal federal Rosemery Corrêa Almeida, que assina o laudo de 272 páginas a qual teve acesso ((o))eco.

As diligências da PF foram realizadas nos dias 31 de janeiro, de 21 a 23 de fevereiro e, por último, em 17 de maio. O laudo informa que em nenhuma destas ocasiões os recintos externos estavam prontos, o que inviabilizava a soltura dos animais, que chegaram ao Portobello Safári em 11 de novembro de 2021. “Os espécimes viviam continuamente trancados na área de cambiamento, em condições de absoluta insalubridade”, avalia a perícia.

Uma foto aérea enviada pela assessoria de imprensa do BioParque (RioZoo) ao ((o))eco para rebater as acusações mostra as 15 girafas distribuídas em trio dentro de cinco recintos externos, de forma simultânea. De acordo com os metadados da imagem, a foto foi tirada no dia 22 de julho deste ano.

Registro aéreo de 22 de julho de 2022 mostra as 15 girafas nos recintos externos, no Portobello Safári. Foto: BioParque.

“Não há, nem nunca houve maus tratos. O BioParque do Rio informa que a manifestação da perícia criminal contraria os laudos técnicos periciais elaborados pelo perito judicial e as conclusões das inúmeras diligências realizadas pelas autoridades no local, todas atestando o bem-estar das girafas”, afirma o BioParque em resposta enviada à ((o))eco sobre a acusação.

Procurado por ((o))eco, por telefone, a equipe do Portobello Safári informou que todos os assuntos referentes às girafas devem ser tratados diretamente com o BioParque, que é responsável por todos os cuidados, e que “nós só cedemos o espaço, o resto tudo é com o BioParque”.

Um dos principais pontos destacados pelo laudo da perícia é justamente a falta de espaço adequado para as 15 girafas. Originalmente, o grupo era ainda maior, composto por 18 animais, mas três morreram em dezembro do ano passado após um incidente na área de manejo, como explicou o BioParque quando o caso veio à tona, em janeiro deste ano.

A determinação do Ibama, através da Instrução Normativa nº 7/2015, é de que o tamanho mínimo adequado do recinto principal para girafas é de 600 m², espaço que pode ser compartilhado por até dois indivíduos. Já o espaço de cambiamento – local de confinamento, para facilitar diversos tipos de manejo e a retirada do animal do recinto – deve ter, no mínimo, uma área de 20,0 m² para ser compartilhada entre dois animais adultos e altura mínima de 7,0 m. 

É nessa área de cambiamento, que em tese deveria ser apenas para o confinamento provisório, que as girafas foram mantidas por, no mínimo, cerca de seis meses, entre novembro de 2021 e maio deste ano, quando foi feita a última diligência da perita da PF.

“Por que esses recintos não estavam prontos quando esses animais chegaram?”, questiona o biólogo e gerente de pesquisa da AMPARA Silvestre, Maurício Forlani, que acompanha o caso desde o começo. “O laudo da Polícia Federal deixa claro que na data de chegada desses animais esses recintos não existiam. Existia o cambiamento, que é onde eles ficaram confinados, e um recinto grande, que nem estava dividido. Ou seja, durante o processo de importação eles não pensaram em dar recintos individuais para os grupos, para que os grupos pudessem caminhar e tomar sol simultaneamente”, ressalta Maurício.

Em seu laudo, a perita da PF também destaca a disposição das girafas em trios na área de cambiamento, onde estavam até então. Ocupando, dessa forma, apenas cinco das oito baias existentes. “Esta distribuição dos animais chamou a atenção da perita, pois as baias, tendo em conta suas dimensões, impunham uma severa restrição física aos espécimes. De modo a mitigar essa restrição, os manejadores poderiam dispor os animais aos pares, em sete baias, e manter um animal isolado em uma baia ou dispor seis pares de animais, cada qual em uma baia, e um trio na sétima baia, deixando uma baia vazia”, pondera.

Cada uma das baias de cambiamento possui uma área média de 32,85 m², superior aos 20 m² mínimos para cada duas girafas estabelecidos pela Instrução Normativa. Como eram divididas por três animais, entretanto, isso significava na prática 10,95 m² para cada animal. A partir disso, a perita conclui que a exigência legal estava sendo “explicitamente descumprida”, em especial pelo agravante de que, até a conclusão da perícia, aquele era o único espaço disponibilizado aos animais. 

Girafas se alimentando no recinto de cabiamento, compartilhado entre três animais. Imagem: Nota Técnica nº 4/2022/FISCFAU-CP/COFIS/CGFIS/DIPRO.

Além do pouco espaço, as baias seriam úmidas e pouco iluminadas, cenário favorável para proliferação de bactérias, fungos e outros microrganismos que podem prejudicar a saúde das girafas. O acúmulo de urina e fezes nas baias também foi identificado pela perita, assim como a perda de peso dos animais.

“Quando a signatária esteve no local em 17.05.2022, a equipe de manejadores que lá se encontrava informou que a limpeza das baias era feita de dois em dois dias. Desta forma, como as girafas ficam presas na área de cambiamento, em celas úmidas, sujas e onde a luz indireta do sol sequer reflete sobre o piso, resta configurada uma situação de insalubridade, com risco potencial para a proliferação de agentes etiológicos oportunistas”, diz trecho do laudo pericial, que afirma que a legislação vigente “vem sendo menosprezado por parte dos criadores”.

No Relatório de Encerramento da Quarentena, elaborado por um fiscal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), há ainda a informação de que entre os dias 11 e 26 de novembro de 2021, um período de 15 dias, não houve limpeza dos recintos de quarentena das girafas.  

O BioParque nega que houve maus-tratos às girafas e afirma que esse período em que elas permaneceram na área de cambiamento foi parte do processo de adaptação e condicionamento dos animais.

“Os animais sempre estiveram em ambiente seguro, sob cuidados de profissionais dedicados ao manejo e bem-estar. Mesmo durante a quarentena e fase de aclimatação, as girafas tiveram acompanhamento clínico diário, nutricional individual, sessões de enriquecimento ambiental e condicionamento operante e, ainda, acesso regular ao solário como etapa para seguir em segurança para os recintos. Atualmente os animais ocupam recintos com tamanhos muito superiores às medidas mínimas fixadas pela legislação (cada grupo de 3 girafas em áreas de aproximadamente 900 metros). O período em que as girafas permaneceram no cambiamento (áreas com metragens inferiores) foi para que o processo de adaptação fosse realizado da maneira mais segura possível, garantindo o pleno condicionamento e confiança dos animais com seus tratadores. Todas as informações e relatórios foram disponibilizados às autoridades, não obstante diversas fiscalizações”, afirma o BioParque Rio.

Ferimentos nas girafas

Através de fotografias, o laudo pericial da PF mostra também ferimentos nos corpos das girafas mantidas no Portobello Resort & Safári. Uma das feridas, documentada na visita realizada em maio, teria sido ocasionada “pela fricção desta parte do corpo do animal na parede da baia, dada a limitação espacial da cela”, segundo informaram à perita no local. A presença de protuberâncias no local do confinamento também foi identificada como um potencial risco de provocar lesões nas girafas.

Ferimento registrado pela perita da PF em visita no Portobello Resort Safári no dia 23/02/2022. Fonte: Laudo PF 1633/Reprodução

“No que toca à presença de animais com lesões e ferimentos no rebanho de girafas questionadas, em todas as três ocasiões em que a signatária esteve no Portobello Resort & Safari para periciar os espécimes, foram encontrados indivíduos com ferimentos. Além disso, dados os distintos aspectos das feridas observadas, em especial, quanto ao seu estado de cicatrização, é possível afirmar que os animais vinham se ferido desde que saíram da África do Sul até o presente momento”, relata a perita da PF em trecho do seu laudo.

A perita da PF acrescenta que “diante da prevalência de tantas girafas com ferimentos mantidas no Portobello Resort & Safári e da morte desnecessária de três indivíduos no local, bem como a constatação de outros parâmetros mencionados ao longo deste laudo, conclui-se que os espécimes eram vítimas continuadas de maus-tratos, crueldades e abusos”.

Maior caso de tráfico de animais do Brasil

Em outro documento que integra a investigação da PF, o agente de Polícia Federal, Fábio Eller de Oliveira, classifica esse como o “maior caso de Tráfico de Animais Silvestres da história do Brasil”. 

Um dos principais nomes que aparece é o do exportador responsável pela venda das girafas, Anthony Wilbraham, representante da empresa Impex Wildlife. “A empresa de Anthony Wilbraham gira em torno da captura dos animais na natureza, os deposita em baias até serem vendidos pelo mundo afora”, descreve o texto do agente da Polícia Federal.

De acordo com ele, a compra das girafas pelo BioParque teria fomentado “uma indústria cruel de morte, captura e extermínio de animais selvagens” e “só incentivou e fortaleceu a retirada de animais que viviam livres na natureza”.

Em nota, a empresa afirmou que repudia qualquer acusação de que as girafas foram retiradas da natureza e financiamento à caça. “Documentos oficiais emitidos pelo Governo da África do Sul atestam que as girafas viviam em uma Fazenda de Manejo Sustentável, e aprovada pelos órgãos oficiais do governo Sul Africano. As fazendas de Manejo Sustentável são reconhecidas na África do Sul como reservas particulares e ferramentas para a conservação da biodiversidade local, promovendo benefícios ambientais, econômicos e sociais de maneira integrada e isso é um trabalho reconhecido mundialmente”, afirma o BioParque Rio.

Registro da importação das girafas no Ibama. Imagem: Reprodução.

Em nota, a empresa reforça ainda “sua absoluta responsabilidade com o manejo de fauna e na legalidade do processo de importação que foi aprovado pelos governos brasileiro e sul-africano. A empresa reitera seu compromisso com a transparência e afirma que todo o processo de importação foi feito respeitando a legislação brasileira e internacional”.

Uma das irregularidades levantadas na investigação da PF sobre a importação das girafas é que quatro microchips – método usado mundialmente para identificação de animais silvestres e controle – têm numeração diferente dos registros na Licença de Importação e pelo menos um dos animais possui número de chip de marcação não listado em nenhum documento autorizativo. “Isto é, a mercadoria estava proibida de entrar no Brasil e o animal em questão foi introduzido no país ilegalmente”, diz o documento da PF.

Além dos responsáveis diretos por importar e exportar os animais, o processo cita nominalmente profissionais como veterinários e até servidores públicos, que teriam facilitado o processo de importação das girafas.

Programa de conservação em xeque 

O documento de Informação de Polícia Judiciária, elaborado pelo agente de Polícia Federal questiona ainda a ausência de recintos adequados para receber as girafas no próprio BioParque. De acordo com o texto, a informação que a PF dispõe é que o zoológico só teria recinto com espaços adequados para receber no máximo quatro girafas. Nem um quarto das 18 originalmente importadas.

Questionado pela reportagem sobre isso, o zoológico do Rio ignorou a pergunta e limitou-se a responder que: “O grupo de girafas veio para o Brasil com um propósito de um projeto de conservação de longo prazo e serão destinadas ao Bioparque conforme for o resultado da análise genética em andamento. Parte ficará no Safari Portobello, um grupo para o BioParque e pode ser que outros parceiros técnicos venham a aderir ao programa condicionadas às combinações genéticas. Esse processo é dinâmico, de médio e longo prazo e com cronograma aberto dependente do comportamento dos animais e das informações genéticas produzidas”. 

A justificativa do programa de conservação de girafas, através do manejo ex situ, ou seja, do cuidado de populações fora da natureza para garantir um plantel saudável da espécie, também foi utilizada para explicar o motivo da importação de um número tão grande de girafas. Para fazer esse manejo de forma eficaz, entretanto, é fundamental saber com exatidão qual a espécie com que se está trabalhando e qual a genética dos indivíduos que compõem aquele grupo em cativeiro para determinar o grau de parentesco entre eles. 

Esse cuidado genético é primordial para evitar problemas como a endogamia, reprodução entre indivíduos muito aparentados, como irmãos, o que pode trazer consequências negativas como maior susceptibilidade a doenças.

Apesar de serem condições basais para uma iniciativa de conservação ex situ, a perícia realizada pela Polícia Federal revela que até a última diligência pericial, ocorrida em 17 de maio, a espécie de cada animal ainda era desconhecida, assim como não havia informações sobre o eventual grau de endogamia entre os espécimes.

Em resposta a reportagem, o BioParque admite que o resultado da avaliação de grau de parentesco entre os animais “ficará pronto em breve”, mas garante que todos os animais seriam comprovadamente “da espécie sul-africana”. 

“Além disso, por meio de informações do importador, foi nos passado que todos os animais eram pertencentes a mesma subespécie, fato que já foi comprovado em exames realizados recentemente”, afirma.

A girafa sul-americana mencionada pelo BioParque seria a Giraffa giraffa giraffa (sim, o nome repete três vezes, caro leitor), nome científico da subespécie girafa sul-africana. No registro de importação do Ibama, entretanto, os animais estão identificados como Giraffa camelopardalis, que equivale à girafa do norte, dividida em três subespécies, que ocorrem por toda África Oriental, Central e Ocidental – bem longe da África do Sul.

Nativas do continente africano, em 2016 uma pesquisa feita a partir de análises de DNA e genoma, dividiu as girafas – até então reconhecidas como uma única espécie com nove subespécies – em quatro espécies principais e sete subespécies. A nova divisão foi confirmada pela comunidade científica em maio de 2021. Apesar disso, o programa de conservação do BioParque ainda leva em consideração a classificação antiga, “que, comprovadamente, é considerada ultrapassada, não servindo, portanto, para fins de conservação de girafas”, aponta informação da PF.

“Os documentos não possuem nenhuma referência científica sequer, não contempla nenhum embasamento técnico-acadêmico”, resume trecho do documento.

Girafas no recinto externo do Portobello Safári Hotel. Foto: BioParque

Parcerias inexistentes

O requerimento inicial de importação feito ao Ibama acompanha uma primeira versão do suposto programa de conservação integrada da girafa, apresentada pelo BioParque. O documento, assinado por Cláudio Hermes Maas, consultor do BioParque, fala em apoiar iniciativas de conservação de girafas em 15 países africanos através de uma cooperação com a ONG internacional Giraffe Conservation Foundation (GCF). A parceria envolveria, supostamente, “estudos de monitoramento de fauna na natureza, educação com comunidades em áreas de ocorrência de girafas, o fornecimento de suporte técnico aos parceiros e acompanhamento das ações práticas de conservação”. A organização, entretanto, negou qualquer relação firmada com o BioParque.

“Eu gostaria de deixar bem claro que estamos certos de que não temos nenhuma ligação ou qualquer tipo de parceria com o BioParque do Rio. Tampouco endossamos sua tentativa de levar girafas para o zoológico”, esclarece o diretor da GCF, Stephanie Fennessy, por e-mail em resposta à PF.

A “parceria” com a GCF não é mencionada na versão “repaginada” do programa de conservação, divulgada ao público em maio deste ano. Entretanto, o documento faz o uso indevido e sem autorização da logo de dezoito instituições – de cunho ambiental, de pesquisa e até órgãos governamentais –, como o ICMBio, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a ONG internacional WWF.

Leia mais: Programa de conservação inconsistente aumenta pressão contra BioParque no caso das girafas

Em resposta à Polícia Federal, assim como em postagens próprias em suas respectivas redes sociais, as organizações esclareceram que não havia nenhuma parceria com o suposto programa de conservação do BioParque ou com a importação das girafas.

“O WWF-Brasil atualmente não mantém nenhum tipo de parceria ou relação de reciprocidade institucional com o Grupo Cataratas ou com o BioParque do Rio, instituição que compõe o referido grupo e responsável pelo documento compartilhado (“Projeto Conservação de Girafas”). Informamos que não autorizamos e não fomos consultados a respeito do uso de nosso nome e marca no referido documento e já encaminhamos notificação extrajudicial nesse sentido ao Grupo”, responde Pedro Henrique Monteiro, advogado do WWF-Brasil.

Tratativas comerciais x programa de conservação

Somado com o valor do frete, cada girafa foi adquirida por um valor de 19.329 dólares, o equivalente a cerca de 98,5 mil reais de acordo com a cotação atual (câmbio do dia 15/08/22). Para trazer as 18 girafas, o Grupo Cataratas, responsável pelo BioParque e único importador, desembolsou a quantia total de 347.922 dólares ou cerca de 1,8 milhão de reais.

A importação dos animais, entretanto, só foi autorizada pelo Ibama com a condição de que não possuiria fins comerciais, ou seja, que os indivíduos trazidos não seriam vendidos para outras instituições.

Um ofício do BioParque, entretanto, já deixava clara a intenção de transferir parte dos animais para o próprio Portobello Safari e para o Zoo Pomerode, em Santa Catarina, através de um “Acordo de Cooperação Técnica” e “sem finalidade mercantil”, como uma ação para o manejo integrado das girafas.

Em resposta à notificação do Ibama sobre o contrato de compra das girafas, o diretor do zoológico catarinense, Maurício Bruns, compartilhou detalhes do acerto, valores e troca de e-mails que revelavam a negociação entre os zoos. “Nas tratativas colocadas por Maurício Bruns não identificamos nenhum assunto sobre conservação, o que estava em curso era um acerto de valores referente à vinda dos animais, inclusive com a combinação de pagamentos de parcelas e juros monetários”, descreve informação da PF.

Trecho do documento enviado pelo Zoo Pomerode em resposta à notificação do Ibama que revela valores iniciais da negociação com o Grupo Cataratas/BioParque Rio. Fonte: Polícia Federal/Reprodução

“A transação comercial é tratada como “Projeto de Conservação Integrada”, porém não vemos nenhuma troca de e-mails ou mensagens relativas  a elaboração de planos de conservação, cronogramas ou até mesmo discussão sobre as espécies/subespécies que seriam importadas, se as mesmas necessitariam realmente serem trazidas para o Brasil com objetivo preservacionista. Debates sobre o bem-estar animal e planejamento de recintos espaçosos e com enriquecimento ambiental são inexistentes”, continua o documento da PF.

O BioParque nega que haveria qualquer interesse comercial lucrativo na importação das girafas e afirma que a venda nunca foi considerada.“O BioParque do Rio repudia as caluniosas acusações de que teria interesse comercial lucrativo no processo de importação das girafas. A venda nunca foi considerada. O BioParque comprou 18 girafas com o objetivo de realizar ações para conservação integrada dentro do Plano de Manejo e Pesquisa da espécie. É natural que a conservação não se faz sozinho, razão pela qual outros parques poderiam e podem ingressar no projeto conforme a pertinência. Se tivesse aderido desde o início, o zoo de Pomerode ratearia os custos de forma proporcional e parcelada. O atraso nos processos de licenciamento sanitário e ambiental, do Brasil, África do Sul e Cites, impactou no custo de logística a ser rateado. O zoológico de Pomerode desistiu de seguir com as tratativas iniciais”, declara o zoo do Rio.

Decisão judicial suspende importação

Além do inquérito conduzido pela Polícia Federal, o caso das girafas também é tema de  processos judiciais. Um deles é a Ação Civil Pública movida pela ANDA (Agência de Notícias sobre Direitos Animais) e Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal contra o BioParque. Em decisão publicada na última quarta-feira (10), o juiz Raphael Nazareth Barbosa, da 12ª Vara Federal do Rio de Janeiro, acatou o pedido de tutela de urgência e determinou a suspensão imediata dos procedimentos de importação da empresa em tramitação no Ibama. Além das 18 girafas trazidas pelo BioParque, havia ainda requerimentos para vinda de 15 zebras e 24 impalas.

De acordo com o juiz, os elementos juntados aos autos, inclusive o laudo da Polícia Federal, “revelam, em análise preliminar, provável descumprimento da legislação ambiental quanto à adequada importação de animais em território nacional. Em nome do princípio da preservação do meio ambiente, a circunstância impõe, ao menos em parte, a concessão da tutela de urgência, até posterior deliberação deste Juízo, com a vinda de informações completas sobre a causa”.

Sobre a decisão judicial, o BioParque respondeu apenas que não há nenhum processo de importação ativo referente à impalas e zebras. E que “o processo de importação das girafas atendeu a todas as exigências regulamentares das autoridades sul-africanas e brasileira”.

Futuro das girafas

De acordo com a Polícia Federal, a Delegacia de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico (DELEMAPH/RJ) buscou de todas as formas, “mas não existe local para a adequada alocação dos animais aqui no Brasil, porém existem santuários com vastas áreas em pleno funcionamento em diversas regiões da África”.

O gerente de pesquisa da AMPARA Silvestre, Maurício Forlani, ainda acredita que seja possível devolvê-las para o continente africano. “Como a gente não tem acesso aos animais, apesar de termos tentado algumas vezes, não temos uma avaliação idônea sobre as condições físicas e psicológicas desses animais. Isso é importante para que a gente consiga pensar na possibilidade de levar esses animais de volta para África. Na minha visão pessoal, ainda é possível que esses animais regressem para as savanas africanas, de onde não deveriam ter saído”, avalia o biólogo.

Além disso, Maurício explica que dois pontos cruciais são entender qual a logística e a viabilidade do transporte das girafas, de acordo com sua estatura atual; e garantir um local seguro para elas na África. Antes disso, entretanto, ele ressalta: “a melhor solução agora para essas girafas é que as pessoas que compraram e importaram ela, percam o poder sobre ela. Não tenham a guarda sobre elas, para que esses animais não sofram mais maus-tratos ou não sejam introduzidos num sistema de reprodução em cativeiro para venda de filhotes ou num sistema de exploração desses animais”.

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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