O lançamento, nesta segunda-feira (27), de um relatório sobre a responsabilidade climática das maiores multinacionais do globo provocou agitação no mundo corporativo. Coordenado pelas entidades New Climate Institute e Carbon Market Watch, o documento revelou que os compromissos de atingir o chamado “net zero” em emissões de carbono das 25 maiores empresas globais, incluindo as brasileiras Vale e JBS, falham na transparência e integridade. Empresas rebatem resultados.
As empresas avaliadas no relatório são grandes multinacionais, cuja receita combinada chegou a US$ 3,18 trilhões em 2020, aproximadamente 10% da receita das 500 maiores empresas mundiais. Suas emissões de CO2 representam cerca de 5% das emissões globais de gases estufa (2,7 Gigatoneladas de Carbono equivalente), segundo o documento.
De acordo com o relatório, em média, as metas dessas 25 empresas equivalem a reduções de 40%, e não ao carbono neutro (zero emissões), como prometem. Coletivamente, elas devem reduzir menos de 20% de sua pegada de carbono total nos anos estipulados em suas metas.
Intitulado “Corporate Climate Responsability Monitor” (Monitor de Responsabilidade Climática Corporativa), o levantamento classificou as empresas de acordo com a transparência e a integridade de suas promessas, em uma escala de cinco pontos, que ia de “Muito baixa integridade” até “Alta integridade”.
Nenhuma das 25 empresas listadas – entre elas Amazon, Sony, Google e Nestlé, além das brasileiras já citadas – entrou na categoria “alta integridade”. A companhia com melhor colocação no ranking, a dinamarquesa Maersk, recebeu a classificação “razoavelmente integra”.
O documento ressalta que a adoção de medidas de redução de emissões que já estão “prontamente disponíveis”, por parte das empresas analisadas, mostra “pouco senso de urgência” por parte delas. Falta inovação e ambição às empresas, diz o relatório, principalmente para lidar com o chamado “escopo 3”, que inclui emissões de fornecedores e clientes. Essas emissões compõem, em média, 87% da pegada de carbono das 25 empresas avaliadas no relatório.
Análise de integridade das promessas
A adoção de metas de redução de carbono e carbono zero pelo mundo corporativo tem sido crescente nos últimos anos, muito por pressão de consumidores e financiadores.
Segundo Natalie Unterstell, especialista em negociação climática e fundadora do Instituto Talanoa, a escalada de compromissos climáticos corporativos firmados até a 26ª Conferência do Clima da ONU, realizada no final de 2021, foi importante – até janeiro de 2022, a campanha da ONU Race to Zero (Corrida para o Netzero) já havia conseguido a adesão de mais de 3 mil companhias ao redor do mundo, o dobro do ano anterior.
No entanto, a especialista salienta que agora está mais difícil do que nunca discernir quais são os compromissos sérios e quais são apenas greenwashing. “As companhias estão com a faca no pescoço. Elas não só precisam dizer que têm metas, como têm que demonstrar como vão cumprir essas metas de transição. E esse estudo é muito importante porque mostra que as metas apresentadas até o momento não têm nível suficiente de transparência, muito menos de integridade”, disse, a ((o))eco.
Brasileiras
No documento, a mineradora Vale foi avaliada como tendo metas com “Baixa Integridade”. A empresa prometeu neutralidade de carbono em 2050, mas a meta não inclui, segundo o relatório, 98% das emissões da empresa, provenientes de fornecedores e clientes.
O relatório também critica o uso de créditos de carbono e soluções baseadas na natureza como parte da estratégia da Vale para abater suas emissões. Segundo os especialistas envolvidos no relatório, técnicas que usam árvores ou solo – como a compra de créditos de carbono – deveriam ser consideradas como “contribuições climáticas”, uma espécie de política filantrópica e voluntária das companhias.
Isso porque, ao comprar créditos, segundo o documento, a empresa estaria se esquivando da responsabilidade de reduzir suas emissões por meio da adoção de melhores práticas. Além disso, florestas podem ser derrubadas no futuro.
Em resposta ao estudo, a Vale afirmou que “o desempenho anual de mudanças climáticas da Vale é avaliado por instituições especializadas, como Sustainalytics, Climate Action 100+, RFC Abriam, entre outras […] Em 2019, a Vale atualizou seus compromissos de redução de emissão, com base nos requisitos da Science Based Targets Initiative (SBTi)”.
Segundo a Vale, as metas assumidas estão alinhadas com as diretrizes do SBTi. Ela também afirma que “a companhia foi uma das primeiras a estabelecer uma meta quantitativa de redução das emissões de escopo 3, também baseada nos requisitos SBTi”. Leia nota completa aqui.
Já a gigante do setor frigorífico JBS foi classificada como tendo metas com “Muito baixa integridade”. Segundo o documento, a promessa de neutralidade em 2040 deixa de fora 97% das emissões na cadeia da empresa, incluindo aquelas associadas ao desmatamento por parte de suas fazendas fornecedoras, afirma o estudo.
A JBS também só contabiliza a fermentação entérica (processo digestivo) de suas operações próprias. O metano gerado em propriedades dos fornecedores não é contabilizado.
Em resposta enviada a ((o))eco, a JBS disse que: “A Companhia acredita que o relatório Corporate Climate Responsability Monitor 2022 e sua metodologia induzem a erro. O compromisso Net Zero da JBS foi formalmente aceito em 2021 pelo Science-Based Targets Initiative (SBTi), que define e promove as melhores práticas no estabelecimento de metas climáticas. A JBS se comprometeu a fornecer seu plano de metas coerente com os critérios estabelecidos pelo SBTi, contemplando as emissões de escopos 1, 2 e 3, em toda a sua cadeia produtiva global”.
A Science-Based Targets Initiative (SBTi) também publicou uma nota comentando o estudo. Nela, a iniciativa diz que está “realizando uma revisão abrangente de nossos métodos e critérios de definição de metas de escopo 3 [emissões de fornecedores e clientes]” para garantir que estejam alinhadas com os novos padrões net-zero da validação.
“Até agora, o SBTi era o padrão mais rigoroso, era onde a régua estava. Mas o problema não é a ‘régua’, são as empresas mesmo. Esse estudo mostra que é preciso ir além nas questões da integridade e da ação. É muito chocante esse dado que fala que as empresas vão reduzir apenas 20% de sua pegada global. Isso é pouquíssimo! Estão prometendo 100 e entregando 20!”, finaliza Natalie Unterstell.
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