Reportagens

Mineradoras se voltam para o Rio Grande do Sul com quatro grandes projetos

O projeto mais avançado fica em área de alta vulnerabilidade ambiental junto ao oceano. Perto de Porto Alegre, a  maior mina do carvão do Brasil tenta se instalar

Fernanda Wenzel ·
17 de abril de 2019 · 6 anos atrás
Área onde Lagoa dos Patos deságua no mar, em São José do Norte. Foto: Prefeitura de São José do Norte.

Estado sem tradição mineradora, o Rio Grande do Sul tem atraído nos últimos anos o interesse de empresas nacionais e internacionais. Uma pesquisa no sistema do Departamento Nacional de Produção Mineral mostra a existência de 5192 Requerimentos de Autorização de Pesquisa, que é o pedido para que a empresa realize trabalhos de definição da jazida e avaliação de viabilidade econômica. No momento, quatro grandes empreendimentos tramitam junto aos órgãos ambientais.

O projeto em estágio mais avançado é o Retiro, que pretende extrair minerais pesados da faixa de areia localizada entre o Oceano Atlântico e a Lagoa dos Patos, no município de São José do Norte, no litoral sul gaúcho. Os minérios são usados na produção de pigmentos de tintas. A RGM (Rio Grande Mineração SA) conseguiu a licença prévia do Ibama, mas ainda aguarda as licenças de instalação e de operação.

Os demais projetos ainda buscam a licença prévia junto à Fepam, órgão de licenciamento estadual. Em Charqueadas o objetivo é a instalação da Mina Guaíba, um projeto da Copelmi com investimento chinês e norte-americano que pretende extrair carvão mineral, areia e cascalho de uma área junto ao Rio Jacuí. Às margens do Rio Camaquã, em Caçapava do Sul, a empresa Nexa Resources (multinacional do Grupo Votorantim) tenta autorização para extrair zinco, chumbo e cobre de uma mina a céu aberto com vida útil de 20 anos e investimento inicial de R$ 371 milhões. Já em Lavras do Sul o alvo é o fosfato, matéria prima para fertilizantes. O projeto – que prevê investimentos de mais de US$ 100 milhões ao longo de 50 anos de exploração – inclui uma barragem de rejeitos.

Jair Carlos Koppe, professor convidado do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e Materiais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que o Estado não é expressivo na área de extração mineral, atividade que se concentra em Minas Gerais e no Pará. As exceções são as minas de carvão, cujas reservas se concentram nos Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Para ele, a explicação para o atual interesse nos minérios gaúchos é a demanda do mercado: “São depósitos que estão aqui, durante um certo tempo eles não eram viáveis economicamente e agora passaram a ser. […] Há uma demanda para aqueles bens então você consegue colocá-los em produção”.

Em amarelo, a área onde seria instalado o Projeto Retiro, entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico. Crédito: Site da Rio Grande Mineração S.A.

O carvão é utilizado para gerar energia nas termoelétricas nos períodos de estiagem, quando a produção cai nas hidrelétricas. Segundo o professor, a perspectiva de retomada do crescimento é um dos fatores que estimula novos investimentos na área: “Hoje se o Brasil crescer economicamente 2%, 3%, vai começar a faltar energia”. Já o interesse pelo fosfato é explicado pela demanda por fertilizantes pelo agronegócio. Segundo Koppe, a jazida de Lavras do Sul não apenas reduziria a necessidade de o Rio Grande do Sul importar fertilizantes como abriria a possibilidade de o Estado se tornar um exportador destes produtos. “Também há uma demanda por chumbo e zinco. As jazidas estão diminuindo o seu número pelo mundo”, afirma o professor.

Para Francisco Milanez, presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), o momento político também incentiva o interesse das mineradoras: “A frequência [dos projetos] é proporcional aos movimentos dos governos”. Em novembro do ano passado o então governador José Ivo Sartori (MDB-RS) lançou o documento “Mineração no Rio Grande do Sul: Diagnóstico Setorial e Visão de Futuro”, elencando projetos de mineração como prioridades. O atual governador, Eduardo Leite (PSDB-RS), assumiu com a promessa de acelerar os licenciamentos ambientais e promoveu a fusão das secretarias do Meio Ambiente e de Infraestrutura. O titular da nova pasta é Artur Lemos, que foi secretário adjunto de Minas e Energia de Sartori.

MPF entrou com ação contra projeto no litoral sul

O projeto Retiro, o mais avançado em termos de licenciamento ambiental, é alvo de duas ações civis públicas do Ministério Público Federal (MPF). Uma delas afirma que o Ibama violou a ordem jurídica, os direitos à informação e à participação do público no licenciamento ambiental do projeto. Na outra, o MPF defende as comunidades tradicionais de pescadores artesanais da área afetada pelo empreendimento.

O MPF afirma que o projeto “tem em vista o aproveitamento econômico de titânio numa extensão aproximada de 30 Km x 1,6 Km, com o revolvimento de cerca de 13,75 milhões de m³, em um ambiente muito frágil, de baixa resiliência e alta vulnerabilidade a lesões de grande magnitude, onde vivem espécies ameaçadas de extinção”. A procuradora da República Anelise Becker pediu liminarmente a suspensão da licença prévia, o que foi negado pela Justiça Federal do Rio Grande do Sul. O MPF recorre da decisão.

Área onde Lagoa dos Patos deságua no mar, em São José do Norte. Foto: Prefeitura de São José do Norte.

Os minérios localizados na faixa de areia entre o Oceano e Lagoa dos Patos são cobiçados há décadas por mineradoras, em projetos que sempre acabaram esbarrando na legislação ambiental e na resistência da população local. Desta vez, a empresa RGM conseguiu dar o primeiro passo com a obtenção da licença prévia.

Caio Floriano dos Santos é oceanógrafo, professor substituto da Universidade Federal de Rio Grande (Furg) e pesquisador do Observatório dos Conflitos do Extremo Sul do Brasil. Ele explica que a área do projeto Retiro é formada por dunas e restingas habitadas por  pescadores e pequenas propriedades com produção de cebola e criação de gado. A região é considerada de prioridade Muito Alta no mapa de “Áreas Prioritárias do Brasil” do Ministério do Meio Ambiente.

Santos, que analisou o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA) do empreendimento, afirma que tanto os impactos ambientais como sociais foram mal dimensionados: “Por exemplo, eles afirmam que não haverá impactos sobre a pesca. Mas como não haverá impacto sobre a pesca? O impacto sobre a pesca não é simplesmente o impacto na lagoa, mas sobre o próprio modo de vida do pescador. Como tu vai fazer um projeto de mineração que vai passar por comunidades pesqueiras e não vai dimensionar o impacto sobre estas comunidades?”.

Outra preocupação é com impacto sobre as aves migratórias que usam o Parque Nacional da Lagoa do Peixe como parada estratégica na longa viagem entre os hemisférios Norte e Sul. O Parque faz divisa com o município de São José do Norte. “Existem muitas perguntas e lacunas que não foram respondidas pelo empreendimento”, diz o pesquisador.

((o))eco questionou o Ibama sobre o projeto, mas não obteve resposta até o fechamento da reportagem.

Maior mina de carvão do Brasil pode se instalar junto ao rio que deságua em Porto Alegre

Dentre os projetos em análise no Rio Grande do Sul, o da Mina Guaíba é dos que tem gerado maior mobilização da sociedade civil. O projeto prevê que a área de 4.373,37 ha entre os municípios de Charqueadas e de Eldorado do Sul, a 15 km de Porto Alegre, seja transformada na maior mina de carvão do Brasil. Em um segundo momento a Copelmi prevê a criação de um complexo carboquímico capaz de gerar até US$ 4,4 bilhões em investimentos.

Localização da Mina Guaíba, na região metropolitana de Porto Alegre. Fonte: Relatório de Impacto ao Meio Ambiente apresentado pela Copelmi.

O empreendimento iria se instalar à beira do Rio Jacuí, responsável por 80% da água que chega ao Lago Guaíba. Além de cartão postal de Porto Alegre, o Lago é responsável pelo abastecimento da capital gaúcha. A mina seria aberta a cerca de 500 metros do Parque Estadual Delta do Jacuí, a 240 metros de uma área de preservação ambiental e a 1,5 km do rio. O projeto prevê o rebaixamento do lençol freático e o desvio de dois arroios. A Copelmi garante que as novas tecnologias de extração eliminam as chances de contaminação do solo ou da água.

A audiência pública para debater o projeto, um dos pré-requisitos para a concessão da licença prévia, foi realizada no dia 14 de março deste ano após uma batalha judicial. A convocação da audiência foi publicada no Diário Oficial no dia 18 de dezembro pela então Secretária Estadual do Meio Ambiente, Ana Pellini (atual secretária-executiva do Ministério do Meio Ambiente). Um dia antes, a própria Secretaria (através da Fepam) havia solicitado à Copelmi uma série complementações ao EIA/RIMA que constava no processo de licenciamento. Entre os 15 itens considerados incompletos estavam: apresentação de alternativas locacionais, esclarecimento sobre a interferência do rebaixamento sobre os poços das comunidades, avaliação sobre a erodibilidade dos solos e a revisão do estudo de vulnerabilidade do aquífero.

As complementações foram enviadas em 14 de janeiro pela Copelmi, e ainda estão sob análise dos técnicos da Fepam. As entidades ambientais Ingá, Agapan e União Pela Vida alegaram junto à Justiça Federal que a audiência pública não poderia ter sido convocada antes da   conclusão da análise técnica dos estudos, e chegaram a conseguir o cancelamento da audiência. Mas a Fepam recorreu e conseguiu reverter a decisão.

O advogado Marcelo Pretto Mosmann, representante das entidades ambientais, critica a postura da Fepam, que no seu entender agiu no interesse da mineradora: “Porque para ir para audiência pública tem que estar o estudo completo. Cada informação que não tiver ali é uma informação que está sendo sonegada para a sociedade. Uma pessoa só vai poder reclamar que o poço dela vai ser atingido se tiver a informação de que vai atingir os poços de água. Isso é um exemplo bem pragmático de uma informação que faltou no EIA-RIMA”. Além do risco de contaminação da água e do solo, as entidades se preocupam com a poluição do ar gerada pelo polo carboquímico.

Arroz orgânico produzido no Assentamento Apolônio de Carvalho. Foto: Ramiro Furquim/Sul 21.

A diretora-presidente da Fepam, Marjorie Kauffmann, discorda. Ela afirma que o projeto está sob análise desde 2014, e que nada impede que o EIA/RIMA seja complementado após a audiência pública: “A gente pode complementar a EIA-RIMA até a hora em que a gente vai emitir a licença prévia. A audiência pública pode ser uma motivadora para solicitação de outros estudos”.

Sobre os eventuais impactos ambientais, Kauffmann elogiou a tecnologia do projeto da Copelmi: “Traz uma tecnologia bastante avançada de extração de carvão para gaseificação”. O professor da UFRGS, Jair Koppe, também destaca os avanços do setor e dos órgãos de fiscalização: “Houve uma evolução muito grande na mineração que era praticada há 30, 40 anos atrás […]. Principalmente nesta questão do carvão, a melhoria foi absurdamente grande […] E as áreas são muito monitoradas”. Koppe também destaca a experiência da Fepam neste tipo de projeto: “A Fepam já tem o know-how, o conhecimento de fiscalização de minas de carvão no Estado. Então eles são bastante rigorosos nisso aí, tenho plena confiança que eles executam o trabalham adequadamente”.

O local onde a Copelmi pretende instalar a mina também é ocupado pela área de maior produção de arroz orgânico da América Latina. A lavoura fica dentro do Assentamento do MST Apolônio Carvalho, onde vivem 72 famílias que teriam de ser removidas do local. Adeles Bordin, moradora do assentamento e estudante de permacultura, explica que a mineração iria começar a 3 km do local, e depois de sete anos iria invadir a área da lavoura. Mas ela acredita que os prejuízos seriam imediatos, com a redução da disponibilidade de água para irrigação (em função dos desvio dos arroios e do rebaixamento do lençol freático) e da contaminação do ar.

No dia 4 de abril os Ministérios Públicos Federal e Estadual enviaram uma recomendação conjunta à Fepam para que sejam realizadas uma ou mais novas audiências públicas. Uma delas deve ser feita em Porto Alegre.

Tragédias da Vale aumentam desconfiança sobre as mineradoras

Rompimento de barragem em Brumadinho, MG, destrói tudo pela frente. Foto: Vinícius Mendonça/Ibama.

Por mais que prometam tecnologias que reduzam os riscos ambientais ou sociais, as mineradoras têm dificuldade de convencer ambientalistas e comunidades. “Não adianta hoje uma empresa dizer que as tecnologias que elas detêm são suficientes para evitar desastres. Está comprovado: Mariana, Brumadinho, Barcarena, no Pará. E isso eu não estou falando de 10, 15, 20 anos atrás, estamos falando de ontem praticamente. […] Então para a região fica a incerteza”, afirma Newton Soares, militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração. Soares está há pouco mais de um ano no Rio Grande do Sul acompanhando os processos de resistência aos projetos de mineração no Estado.

Já a diretora-presidente da Fepam, Marjorie Kauffmann, acredita que tragédias como Mariana e Brumadinho serviram para que aumentassem as exigências sobre os projetos de mineração: “E nós, órgãos ambientais, temos trabalhado numa situação de alerta extremo para que não ocorra novamente. Mas a vida não pode parar”. Dos projetos que buscam licenciamento no Rio Grande do Sul, apenas a mina de fosfato de Lavras do Sul prevê a construção de barragem.

Para Jair Koppe, o caso da Vale se diferencia das demais mineradoras do país. Ele explica que à medida que foi crescendo, a Vale foi adquirindo outras empresas e absorvendo barragens antigas: “À medida que a Vale foi adquirindo elas [as barragens] foram crescendo de tamanho, aumentando de porte. […] Então hoje, se você pegar as barragens da Vale todas elas têm problema [..] São heranças, são barragens de 50 anos, 60 anos de idade, construídas de uma forma que já foi mais ou menos abolida e abandonada pelo mundo afora”.

 

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    Fernanda Wenzel é jornalista freelancer especializada em Amazônia e meio ambiente.

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Comentários 7

  1. israel diz:

    A legenda contida nas fotos onde mostram a Barra do Estreito, em São José do Norte, são equivocadas, pois o sangradouro que faz a água desembocar no mar não pertence a Laguna dos Patos e sim ao Banhado do Estreito, o qual inicia na localidade do Olaria.


  2. Csar diz:

    A buscar pelo desenvolvimento deve ser constants, esses Projetos de mineração no RS só teriam a agregar com melhora da economia, empregos, conhecimento, novas oportunidade. É claro que a questão ambiental deve estar em pauta, mas para isso as entidades não devem só buscar bloquear os investimentos, mas sim exigir o cumprimento de exigências legais para o seguimento das obras.


  3. Roberto diz:

    Não há duvidas que por mais garantias que apresentem para conseguirem o que querem,o resultado mesmo vai ser para nossos filhos e netos provando o quanto fomos incompetentes e gananciosos, pois àqueles que vão explorar certamente vão estar bem longe.


  4. Eduardo diz:

    Boa tarde, alguém saberia informar onde encontro o estudo mencionado na reportagem, que foi publicado em novembro do ano passado pelo então governador Sartori, “Mineração no Rio Grande do Sul: Diagnóstico Setorial e Visão de Futuro”?


  5. Romario Freitas diz:

    Que se busque meios de explorar sem danificar o ambiente, as pessoas e etc… Mas que isso não sirva de argumento e instrumento para os falsos ambientalistas que bem sabemos, vem de forma hipócrita e como mercenários a serviço de interessados em barrar o nosso desenvolvimento.
    Precisamos de investimentos em mineração, um setor que além de gerar empregos ainda gera energia para que se instale mais empreendimentos no nosso estado.


  6. Paulo Nührich diz:

    Porto Alegre, 18 de abril de 2019 – quinta-feira.

    Parabéns pelo trabalho que vocês fazem na defesa do meio ambiente!
    Cordialmente,

    Paulo Nührich, ecologista, 67.


  7. Goretty diz:

    Pode parar com esta estória de mineradora do nosso Rio Grande.Esta terra tem dono.