Cheguei a região do rompimento da barragem do Fundão, junto com uma equipe do Greenpeace, para fazer a cobertura fotográfica. Chegamos a Bento Rodrigues, epicentro do desastre no dia 13 de novembro, 8 dias depois que ele ocorreu. Em 05 de novembro, o rompimento da barragem provocou a enxurrada de lama que matou um número ainda desconhecido de moradores. Os milhões de metros cúbicos de lama com rejeitos minerais devastaram o Rio Doce e seguiam pelo seu leito em direção ao oceano. Nosso plano era documentar o estrago ao longo deste percurso.
Bento Rodrigues estava com acesso bloqueado devido ao risco do rompimento de mais uma represa, a de Germano, ameaçada por uma rachadura de 3 metros. No início, pensou-se que outra barragem próxima, Santarém, também se rompera. O que ocorreu foi a sua inundação quando Fundão cedeu.
Reinava a falta de informação. Os repórteres dos diferentes veículos de imprensa obtinham números díspares sobre o número de mortos e os locais atingidos, assim como ninguém conhecia o potencial de contaminação dos rejeitos liberados no ambiente.
Com o acesso bloqueado, tentamos nos aproximar da área mais afetada usando uma estrada secundária. Mesmo de longe era possível ver a magnitude da tragédia que transformou a pacata comunidade rural em um cenário apocalíptico. Carros empilhados em cima das casas, árvores cortadas pela metade e ruínas da antiga igreja. Um pequeno grupo de cachorros uivava por socorro. O cheiro da lama era forte e urubus rodeavam pontos específicos. A lama já seca pelo sol forte dava uma falsa sensação de segurança para caminhar pela margem de um pequeno rio que faz fronteira com Bento Rodrigues. Mas a aproximação era inviável, pois logo abaixo da camada seca, afundava-se até o joelho em uma camada movediça.
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Deixamos Bento Rodrigues seguindo o caminho da lama. O acesso a maioria das comunidades rurais próximas à Bento Rodrigues e Mariana era impraticável porque pontes e estradas haviam sido engolidas. As marcas da lama nas árvores eram o termômetro visual da tragédia.
“Apesar do rompimento da represa da Samarco ter causado o desastre, seus funcionários eram arrogantes. Vimos gente da Samarco ditando aos moradores locais como falar com a imprensa.”
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Passamos por Paracatu e Paracatuzinho, onde a enxurrada de rejeitos invadiu casas e pessoas desapareceram. Lá, funcionários da Samarco entregavam aos moradores cestas básicas e rodos para facilitar a limpeza.
Apesar do rompimento da represa da Samarco ter causado o desastre, seus funcionários eram arrogantes. Vimos gente da Samarco ditando aos moradores locais como falar com a imprensa. Um deles interrompeu minha conversa com Francisco Santos, um morador rural de seus 60 anos, que foi chamado para conversar em um canto. À distância, ouvi a instrução do rapaz com uniforme da Samarco: “muitas pessoas virão falar com vocês com câmeras querendo ouvir as coisas ruins, mas vocês devem falar das coisas boas que estão acontecendo aqui”. Constrangido, Francisco, partiu carregando a cesta básica que acabara de ganhar. Ao lado, um caminhão-pipa da Samarco abastecia uma caixa d’água.
Adiante, a cidade de Governador Valadares havia perdido sua fonte de abastecimento de água: o Rio Doce. Tomado pela lama tóxica, não era mais possível tratar sua água. As residências e o comércio sofriam as consequências e as pessoas estavam com os nervos à flor da pele. O exército foi chamado para ordenar e auxiliar na distribuição de água mineral em bairros mais críticos, como Vila Mariana e Penha. Moradores formavam filas de um quilômetro ao longo dos muros das escolas municipais e aguardavam até duas horas para retirar a quota individual de 4 garrafas de água mineral.
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A pesca à beira do rio era o lazer costumeiro de Governador Valadares. Ao longo da margem e em pontos de leito seco, moradores, desconsolados, observavam os incontáveis peixes mortos. A pequena embarcação que liga as duas margens do rio funcionava tristemente naquela manhã de segunda feira. O assunto era o futuro, e os barqueiros miravam o horizonte marrom enquanto murmuravam perguntas sem respostas. “Aqui dava de tudo: traíra, lambari e até aquele peixe lá da Amazônia”, me contou um velho pescador.
Continuamos. Na cidade de Resplendor, os Índios Krenak protestavam. Não só o Rio Doce passa por suas terras como também a ferrovia que transporta minérios produzidos pela companhia Vale, dona de 50% da Samarco. Os Krenak interditaram a ferrovia ocupando os trilhos. O transporte só voltou a ser liberado após longa negociação com a Vale, que se comprometeu a atender uma lista de exigências dos indígenas. Shirley Krenak, uma de suas lideranças, me contou que se preocupava com a falta de análises imparciais dos impactos da lama de rejeitos minerais no solo e na água do Rio Doce.
A previsão inicial era que a lama chegasse na cidade de Linhares e atingisse o mar no dia 16 ou 17 de novembro. Mas naquele início de semana, o caldo escuro e grosso que tomou o Rio Doce descia lentamente e não havia passado da cidade de Aimorés, próxima da divisa entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Não tínhamos previsão para ficar tanto tempo e tivemos que voltar. A nossa expedição terminou, mas não a memória da devastação humana e ambiental que testemunhamos.
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Colocar na categoria de desastre natural para não ser responsabilizado por NADA é uma afronta ao povo desse local. O governo lava as mãos e os pés também…