Reportagens

O país nº 1 em aves enfrenta o desafio de frear o tráfico ilegal

Com quase 2 mil espécies registradas, a Colômbia é o maior em diversidade da avifauna, mas carece de estratégias de prevenção ao contrabando

Fabíola Ortiz ·
3 de agosto de 2017 · 7 anos atrás
Quarentena para a recuperação de aves. Foto: Fabíola Ortiz.
Quarentena para a recuperação de aves. Acima, um Iratauá-grande (Gymnomystax mexicanus). Foto: Fabíola Ortiz.

Cartagena, Colômbia – O turpial, o cardeal vermelho, o Pintassilgo-da-Venezuela mais conhecido como “cardenalito”, louros, as araras ou “guacamayas” são algumas das espécies mais visadas para serem capturadas e comercializadas de forma ilegal. Com 1.921 aves registradas no Sistema de Informação sobre Biodiversidade da Colômbia (SiB), o país é o número um no mundo quando o assunto é diversidade de aves, das quais cerca de 300 são alvo de contrabando.

“Na Colômbia, todo e qualquer animal silvestre pode ser vítima de tráfico”, lamenta o biólogo Rafael Vieira, fundador do Aviário Nacional, o maior da América Latina e o sexto no mundo.

Quando uma ave é traficada e retirada de seu hábitat natural, ela não apenas corre risco de morte, contaminação por doenças, mas ainda põe em risco a sobrevivência de sua espécie e da conservação do próprio ecossistema. Para cada exemplar de um animal silvestre (não apenas de aves) que chega às mãos de um comprador, há outros nove animais que padecem pelo caminho, segundo estimativas feitas pela Corantioquia, uma entidade pública governamental com sede em Medellín dedicada à execução de políticas públicas e programas de meio ambiente. As cifras batem com o que estima a Interpol em que um em cada dez animais traficados no mundo chega ao seu destino final com vida.

O tráfico de espécies silvestres é um dos mais rentáveis na Colômbia. No mundo, ele está atrás do tráfico de drogas, armas e o de pessoas. Contudo, não se tem muita informação sobre este tipo de contrabando na Colômbia e, muito menos do que sai do país, especialmente porque parte dos animais é camuflada em exportações legais driblando, assim, o controle. Em 2016, a Polícia Nacional recuperou mais de 8.300 animais silvestres e prendeu cerca de 1.500 pessoas por delitos contra a natureza.

As aves, segundo o Ministério de Ambiente, estão entre o grupo de animais mais visados para contrabando. É comum que se comercialize penas e os ovos.

“Nas últimas duas décadas aumentou a tendência de as pessoas terem mascotes. Muito do comércio que antes era destinado a outros continentes já não é tão grande, virou uma coisa mais interna, um comércio doméstico e regional”, disse a ((0))eco Adrian Reuter, coordenador regional para a América Latina e o Caribe em tráfico de espécies da Sociedade de Conservação da Vida Selvagem (WCS).

Contrabando de animais pode gerar danos à conservação

Foto: Fabíola Ortiz.
Foto: Fabíola Ortiz.

A Colômbia é um paraíso para as aves pelo clima e diversidade de habitats. Como é também um paraíso para seus captores. “Culturalmente, temos arraigado o costume de ter aves em jaula ou de companhia porque cantam bonito ou repetem palavras. Vemos que há demanda. Uma vez que o consumidor final obtém o animal, já não tem muito o que fazer para impedir. As ações para desincentivar o tráfico de espécies se faz com quem vende as aves no mercado, na rua ou aeroportos”, analisou.

Reuter critica a posição reativa das autoridades que apenas atuam quando ocorre o roubo de espécies, ao invés de investir em prevenção. O biólogo conversou com ((o))eco durante o Congresso Internacional para a Conservação da Biologia (ICCB 2017) realizado em Cartagena, entre 23 e 27 de julho.

Num evento que reunira cerca de 2.000 pesquisadores e cientistas para discutir temas relacionados à biodiversidade e conservação da natureza, o tráfico de espécies teve destaque com um dia inteiro de painéis. Este, em geral, é um tema que não aparece muito nos congressos de meio ambiente, admitiu Reuter. Cada vez mais, pesquisadores têm se dado conta que o contrabando de animais pode causar graves efeitos sobre a conservação de ecossistemas e da biodiversidade.

“Você pode ter uma floresta bem conservada, mas se desaparecem os animais que vivem nessa floresta, ela estará predestinada a desaparecer. Muitas espécies têm um papel fundamental nos ecossistemas e geram resiliência, se desaparecerem, impactarão a conservação dos habitats, a cadeia alimentar e a distribuição de sementes”, explicou Reuter.

O fato de a Colômbia ter uma enorme diversidade de avifauna faz com que a responsabilidade para conservá-la seja ainda maior, afirmou o também biólogo Luis Miguel Renjifo, da Pontifícia Universidad Javeriana, em Bogotá, que avalia o risco de extinção das aves no país. Segundo sua pesquisa, em 2002, eram 112 aves ameaçadas de extinção. Em 2016, o número chega a 140. Entre os principais fatores de risco está o contrabando junto com a expansão da fronteira agrícola, mineração e pecuária.

Pouco conhecido

Ave em quarentena. Foto: Fabíola Ortiz.
Cacatua em quarentena. Foto: Fabíola Ortiz.

O contrabando de aves é pouco conhecido, disse a ((o))eco Renjifo, “mas, sem dúvida, é uma grande ameaça”. No caso das araras e louros, os filhotes também são capturados. E, para conseguir destruir o ninho, os contrabandistas muitas vezes derrubam árvores inteiras. “Uma proporção muito grande morre, muitos capturados nem chegam ao destino final e também não têm oportunidade de se reproduzir”, destacou.

Um outro ponto difícil de lidar é a recuperação destes animais quando são resgatados. É preciso diagnosticar se foram infectados com alguma doença antes de soltá-los ao ambiente, podendo causar mais impacto ainda se estiverem doentes.

“No caso de louros e araras é muito difícil recuperá-los. Esses animais crescem acostumados ao humano e dificilmente podem ser reincorporados ao meio silvestre. É caro e envolve muito esforço”, disse Reuter. Além disso, especialmente no caso dos louros, eles são transportados em carregamento de centenas. É comum que as autoridades não tenham espaço, nem recursos suficientes para mantê-los em condições adequadas e passarem por um processo de recuperação.

Outro ponto frágil é a punição. “Em geral, as sanções são baixas para esses delitos. As pessoas raramente vão à prisão. Não se dá a seriedade necessária a esse tipo de crime ambiental em comparação aos crimes de drogas ou tráfico de pessoas ou armas. Muitas autoridades estão de mãos atadas”. Na avaliação de Reuter, é preciso conscientizar o setor judicial sobre a gravidade dos crimes ambientais e os impactos que podem gerar no longo prazo.

A Colômbia aderiu à Convenção sobre o Extinção em 1981. Desde então, o governo se comprometeu a implementar medidas para evitar o contrabando. Em 2014, o Ministério de Ambiente deu início à Estratégia Nacional para a Prevenção e Controle do Tráfico Ilegal de Espécies Silvestres.

Educação ambiental para prevenir crimes

Incubadora de aves. Foto: Fabíola Ortiz.
Incubadora de aves do aviário em Cartagena. Foto: Fabíola Ortiz.

“É preciso ir à raiz dos crimes, ir às comunidades que convivem com as espécies. É um trabalho paralelo de educação e também de desenvolvimento de fontes de renda”, comentou Reuter. Pequenos agricultores, pescadores e comunidades indígenas capturam os animais em troca de pagamentos, os entregam a distribuidores, e assim se alimenta a cadeia do contrabando. Por 100 reais, um caçador captura um flamenco rosado e o transporta ao interior do país sedado. O intermediário chega a revendê-lo a 2 mil reais.

Muitas araras na Colômbia custam 50 dólares (cerca de 150 reais), mas chegam a custar 1.000 dólares no exterior (mais de 3 mil reais), comentou o diretor do Aviário Nacional, Rafael Vieira. Quase todas as araras abrigadas no aviário foram confiscadas pela polícia e entregues à instituição para que sejam cuidadas e tenham um lar.

Para Renjifo, além de políticas públicas, a educação ambiental é fundamental tanto para sensibilizar às comunidades que capturam estes animais, quanto para conscientizar às pessoas que não comprem animais oriundos do tráfico. “A minha impressão é que aqui na Colômbia, a educação ambiental tem sido pouca”, comentou.

O criador do aviário se orgulha ao definir a área de 7 hectares como um santuário de aves aberto à visitação. Inaugurado em fevereiro de 2016, a aviário recebeu 70 mil visitantes no seu primeiro ano. Vieira espera atrair mais a atenção de turistas e chegar a 200 mil nos próximos cinco anos.

Cerca de 2.500 aves de 175 espécies, das quais vinte exóticas, estão à vista para apreciadores da natureza e pesquisadores. Localizado há uma hora de Cartagena, na ilha de Barú, o aviário fruto de um sonho de Vieira, apaixonado por animais e aves, é hoje um projeto de conservação e reprodução de centenas de pássaros, alguns ameaçados.

Ele explica que a ideia é oferecer um lugar seguro para as espécies. Sua ambição é também tornar-se em um centro de pesquisa para a conservação das aves. “As aves são entregues de forma voluntária, tanto por indivíduos, como pela polícia fruto de apreensões. O meu sonho é criar o primeiro banco genético de aves da Colômbia”, anuncia Vieira.

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  • Fabíola Ortiz

    Jornalista e historiadora. Nascida no Rio, cobre temas de desenvolvimento sustentável. Radicada na Alemanha.

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