A onça-pintada é o maior felino nativo do continente. Suas populações alcançam 18 países, mas seis em cada dez desses predadores vivem no Brasil. Desmatamento, caça e tráfico encolheram pela metade seu território nas Américas do Sul e Central.
Tais ameaças vetaram quaisquer negócios com o animal através da Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites), mas essa proteção formal não eliminou as pressões sobre o felino.
Buscando ações coordenadas para salvar a espécie, nações com pintadas e receptoras de tráfico, como Estados Unidos e Europa, dividiram mesas em setembro, em Cuiabá (MT). Grande mercado ilegal para animais e plantas, a China não teve participantes.
“O objetivo é proteger a espécie com uma cooperação regional que combata a caça e o comércio ilegal”, conta Mauro Ruffino, coordenador de um projeto sobre espécies ameaçadas pelo tráfico na Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).
Uma das principais conclusões do encontro foi a de que não será possível conter os crimes contra onças com ações nacionais isoladas. Um vultoso desafio frente às desigualdades políticas, legais, técnicas e financeiras de cada país.
“Não há uma articulação ou um protocolo adequado que permitam a troca de informações úteis para o acompanhamento desses delitos na região”, constata Ruffino.
Conhecer as diferenças e a qualidade de sistemas nacionais de informações sobre ilícitos ambientais reduzirá o problema, avalia Ronaldo Morato, coordenador de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
“Isso ajudará a organizar e a integrar as atuações nacionais e internacionais das agências que combatem esses crimes, das aduanas, do Ibama, da Polícia Federal e de órgãos estaduais”, avalia o especialista.
A OTCA está consultando países amazônicos quanto às suas bases de informações sobre o tráfico e buscando integrá-las ao Observatório Regional da Amazônia (ORA), uma plataforma com informações sobre biodiversidade, florestas e recursos hídricos.
Essa união de esforços é chave para reduzir as pressões simultâneas sobre a onça-pintada. Saber com mais precisão sobre as populações saudáveis nos ambientes naturais e quantos animais são eliminados por ações humanas também.
Para Natalia Méndez Ruiz-Tagle, consultora da OTCA, esse monitoramento será muito mais do que um apanhado de dados, mas algo imprescindível para que os países entendam e enfrentem a matança e o comércio ilícito desses animais.
“Trata-se de compreender a magnitude e a tendência desses fenômenos para priorizar ações de conservação, fornecer evidências para aplicar a lei, alocar recursos adequadamente e tomar melhores decisões políticas”, destaca.
Estudos de entidades civis e governamentais mostram que a Amazônia é uma fonte indiscriminada de espécies para o tráfico global. O crime movimenta estimados até US$ 23 bilhões anuais, ou cerca de R$ 117 bilhões.
Com quase 17 mil km de fronteiras entre 10 dos 12 países da América do Sul, exceto Chile e Equador, o Brasil tem o dever de casa de reforçar a vigilância sobre essas regiões para conter o entra-e-sai de vida selvagem.
“É preciso rastrear toda a cadeia ilegal e bloquear origens e destinos do tráfico de onças-pintadas, inclusive com restrições e punições ao comércio autorizado de outras espécies pela Cites”, recomenda Morato, do MMA.
Sem isso, persistirá o sofrimento de animais indispensáveis ao equilíbrio ecológico da Amazônia e de outros ecossistemas naturais. Enquanto isso, um mapeamento da OTCA indica que presas e peles das pintadas seguem como os itens mais traficados.
Residências, aduanas de aeroportos, postos de Correio, feiras e centros comerciais são os locais onde mais se encontram partes desses animais, mortos inclusive por pessoas pobres em busca de lucro, em inúmeros grotões do continente.
O salário mínimo médio nos países amazônicos é de R$ 1.980. Traficar uma pintada pode render o dobro disso. As multas por crimes com onças na região vão de R$ 4.600 a R$ 900 mil, mas raramente os criminosos são identificados, detidos e penalizados.
“O tráfico de onças-pintadas é mantido pela demanda global por suas partes, mas as penas são brandas e o crime é lucrativo no cenário socioeconômico da Amazônia”, ressalta Mauro Ruffino, da OTCA.
O movimento regional para proteger as pintadas foi reforçado na Cúpula de Presidentes Amazônicos, em agosto passado, em Belém (PA), quando esses líderes prometeram engrossar a cooperação contra o tráfico e outros crimes ambientais.
Tais ações estão conectadas à Convenção sobre Espécies Migratórias, promulgada pelo Brasil em 2017, ao Marco Global Kunming-Montreal da Diversidade Biológica, aprovado em dezembro passado, bem como a outras estratégias conservacionistas.
Participaram da reunião em Cuiabá, convocada pela Cites, representantes de 16 países e, ainda, de agências da Organização das Nações Unidas (ONU) e de ongs como WWF, WCS, Panthera e United for Wildllife.
O esforço conservacionista de início focado na onça-pintada pode ser ampliado futuramente a outras espécies da Amazônia sul-americana.
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