Reportagens

Parque do Jaraguá: reduto verde de São Paulo necessita de cuidados

Unidade de Conservação de Proteção Integral pede novas lixeiras, mais vigilantes e reforço na educação e sensibilização de visitantes

Karina Miotto ·
2 de agosto de 2017 · 7 anos atrás
Vista do topo do Parque Estadual de Jaraguá. Foto: wikipédia.
Vista do topo do Parque Estadual de Jaraguá. Foto: wikipédia.

Quem sente falta de verde em São Paulo pode matar a sede de natureza na região noroeste da capital, onde se encontra o Parque Estadual Jaraguá. Próximo aos bairros Pirituba e Perus, com seus 492,98 hectares, a Unidade de Conservação de Proteção Integral é reduto de um dos poucos remanescentes de Mata Atlântica da cidade. O local, que oferece o “respiro” necessário a quem precisa de silêncio e biodiversidade anda carecendo, no entanto, de um pouco mais de atenção e cuidado.

O Parque Estadual do Jaraguá pode ser acessado pelo km 18 da Rodovia Anhanguera. Foi tombado em 1983 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico (Condephaat) e, em 1994, declarado Núcleo da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Certamente, um local fundamental para a qualidade de vida de quem vive em São Paulo.

De acordo com informações do plano de manejo, publicado em 2010, o Parque abriga 149 espécies de avifauna, sendo 11% endêmicas da Mata Atlântica, além de 11 espécies de mamíferos silvestres. Entre a fauna despontam tucano do bico verde, pica-pau-anão, gavião-carijó, caracará, veado-mateiro, bicho-preguiça, jaguatirica, sagui, macaco-prego. A flora, por sua vez, têm características de zona de transição, com savana arborizada e predominância de floresta ombrófila densa. Abriga, por exemplo, palmito juçara, jatobá, aroeira, quaresmeira, ipê, cedro, jequitibá,  embaúba, bromélias, orquídeas.

Toda esta vida abundante se espalha pela vegetação, que pode ser apreciada ao longo de quatro trilhas. A da “Bica”, de 1.500 metros, termina em uma fonte de água formada por uma das nascentes. A gestão do parque afirma que a água é própria para consumo. Não raro, tem gente que aparece por lá para abastecer galões vazios e levá-los para casa. Outra trilha é a do “Lago”, tem 800 metros. A do “Silêncio” tem 828 metros e é adaptada a portadores de necessidades especiais e a do “Pai Zé” tem 3.600 metros. Ao caminhar por elas, a sensação é de que o local é bem cuidado e mantido.

A trilha mais longa é a mais famosa, pois conduz até as proximidades do topo do Pico do Jaraguá, o mais alto da cidade, com 1.135 metros de altitude e um dos principais atrativos do Parque. Lá de cima, é possível ter duas visões: uma alcança até 55 quilômetros sobre a cidade de São Paulo. Outra, a poucos metros, já não é tão agradável de se ver. Ambas são impressionantes.

Parque Estadual de Jaraguá. Foto: Karina Miotto.
Parque Estadual de Jaraguá. Foto: Karina Miotto.

Faltam lixeiras, vigilância e educação

A subida até o topo mais alto exige encarar uma escadaria com 241 degraus. A visão que desagrada observadores mais atentos no cuidado com a natureza é, de cara, a de 4 lixeiras danificadas. As mesmas estão sem tampas ou com as laterais faltando – ou seja, jogar lixo no lixo, no ponto mais alto da montanha, é o equivalente a jogá-lo no meio da natureza, em um dos redutos mais bonitos de Mata Atlântica da cidade. Com o vento sacolas plásticas, entre outros detritos, se espalham pela vegetação. Não raro, quatis aproximam-se das tais lixeiras e se alimentam do lixo deixado por humanos.

A burocracia emperra a agilidade na substituição das lixeiras do topo do pico, onde existem antenas de transmissão. Aquele espaço estaria cedido ao uso de empresas que administram as antenas e, portanto, seria delas a “responsabilidade” de manter o local limpo e com infraestrutura decente.

Questionada, a Fundação Florestal, que administra o parque, não soube dizer quais são essas empresas, mas afirma que “existe uma outra que faz a intermediação entre a Fundação e as companhias que operam as antenas, a fim de garantir a zeladoria do espaço”, explica Diego Hernandes, gerente de unidades de conservação da região metropolitana de São Paulo. Apesar do imbróglio para garantir o cuidado com o topo do pico, até outubro serão entregues cerca de 92 novas lixeiras ao Parque Estadual Jaraguá. Ele afirma que as lixeiras danificadas que ficam nas proximidades das antenas também serão substituídas.

De fato, é necessário substituir as lixeiras de todo o local. Como muitas estão sem tampas, abrem caminho a macacos que buscam por restos de refeições humanas, assim como fazem os quatis. Por se tratar de animais silvestres, isso é um problema que necessita de rápida solução.

Outra questão que deve ser solucionada com bastante eficiência é a de falta de informação e educação de quem visita o parque. Quando a reportagem de ((o))eco esteve no topo do pico, não havia nenhum vigilante que orientasse as pessoas a não dar alimentos a animais. Crianças, incentivadas por seus pais, abriam pacotes de salgadinho e pipoca doce e distribuíam tais alimentos a quatis, cujo comportamento evidencia o hábito, já estabelecido, de encontros com humanos que os alimentam. O hábito de alimentar animais, realizado por adultos inclusive, também atinge macacos.

Quati no Parque Estadual de Jaraguá. Foto: Karina Miotto.
Quati no Parque Estadual de Jaraguá. Foto: Karina Miotto.

“Este é um dos problemas de maior impacto devido à visitação pública intensa. Os funcionários devem sempre informar que isso não é permitido. Temos necessidade de ter mais colaboradores para atuar principalmente na comunicação e educação ambiental”, afirma Diego Hernandes. “A alimentação de animais não é recomendada, mas ocorre regularmente”, confirma Leiz da Silva Rosa, assessor técnico da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica.

Gustavo Lopes do Espírito Santo é gestor do parque desde 2016. De acordo com ele, o maior desafio na manutenção do local fica por conta dos maus hábitos dos visitantes. “Se as pessoas entendessem o conceito de unidade de conservação, porque ela existe, o quanto impacta na melhoria de sua qualidade de vida, talvez ajudasse bastante”. O Parque abriga um centro de educação ambiental, mas precisa intensificar práticas que de fato resultem na educação de seus milhares de visitantes.

Para garantir o lixo no lixo, interrupção do ato de alimentar animais silvestres e a segurança do local, o Parque Estadual Jaraguá conta com apenas 8 vigilantes terceirizados e 6 monitores ambientais. O número reduzido se deve a “uma questão de orçamento”, de acordo com o gestor. “Em uma situação tão latente do ponto de vista de restrições orçamentárias, temos procurado ter ações mais criativas e menos onerosas. A vigilância do parque ocorre em parceria com a Polícia Militar Ambiental e também contamos com o apoio de voluntários”, afirma Diego.  Como solução mais imediata para a questão da alimentação de animais, Diego manifestou a intenção de espalhar mais cartazes e sinalizações pelo parque, desencorajando a prática.

Pressão por ocupação irregular

Uma fonte entrevistada pela reportagem que pediu para não ser identificada afirmou que o Parque Estadual do Jaraguá está começando a sofrer com invasões em seus limites. Diego Hernandes, no entanto, diz que isso não é real. “O Jaraguá é um dos únicos Parques do Estado de São Paulo que é 100% envolto por cerca e alambrado. Não há invasões na área. Temos pessoas que andam diariamente nas trilhas e no divisor da unidade para garantir sua segurança”. O perímetro do parque é de 11 km.

Vista de torres de transmissão no Parque Estadual de Jaraguá. Foto: Divulgação.
Vista de torres de transmissão no Parque Estadual de Jaraguá. Foto: Divulgação.

Se a questão da invasão deixa dúvidas no ar, uma certeza é a de que o Parque sofre pressões por ocupação irregular em seu entorno. “Esse é um dos maiores problemas de unidades de conservação em áreas urbanas no Brasil. Se você percorrer ao redor do Parque Estadual do Jaraguá, verá despejo de resíduos como pneus, pets, sacos de entulhos de construção civil e isso não deveria acontecer no entorno de unidades de conservação”, afirma Leiz da Silva Rosa.

Conforme os próprios dados do plano de manejo, no que se refere à conservação, outras questões exigem constante atenção como a presença de animais domésticos (muitos são abandonados lá dentro), as próprias antenas de comunicação, linhas de transmissão de energia elétrica, movimento intenso na Estrada Turística do Jaraguá, que dá acesso ao pico, além de proximidade de rodovias e excesso de automóveis no interior do parque.

Diante dos desafios, o número de visitantes só aumenta – a média de 500 mil ao ano deve chegar a 600 mil em 2017. Se por um lado isso é bom, porque mostra que mais pessoas estão interessadas em aproveitar a natureza da cidade, por outro é problema, já que nem todo mundo vai até lá para aproveitar e, ao mesmo tempo, cuidar.

A vigilância dos perímetros do Parque Estadual Jaraguá, bem como sua manutenção contínua é vital para sua existência. Essencial, também, é investir na educação e sensibilização de seus visitantes principalmente em tempos onde a tendência de visitação – e, portanto, pressão – aumentam.

 

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Comentários 6

  1. Priscila Abe diz:

    Faço faculdade de vetetinária, é muito difícil encontrar estágio, principalmente nessa região oeste, noroeste de sp temos o parque anhanguera mas são poucas vagas, se o PEJ abrisse estágios seria muito bom e ambos saíriam ganhando, teríam mais monitores e mais pessoal para programas de consciencia ambiental.


  2. João Melo diz:

    Na década de 1990, quando o Parque Estadual do Jaraguá era administrado pelo Instituto Florestal, foi instituída a cobrança dos usuários das antenas instaladas nos picos.
    Firmou-se um consórcio ou condomínio das empresas de comunicação e passaram a recolher significativos recursos.
    Não sei como está esse pagamento hoje, mas seria uma boa fonte de recursos para a manutenção do parque.


  3. Fabio diz:

    Faltou mencionar que a FUNAI está tentando grilar a maior parte do parque


  4. F.Raeder diz:

    Bela foto essa que ilustra a matéria! O contraste da mata com a mancha urbana, mais a neblina ao fundo…deu um efeito bacana! Bastante didática também.


  5. Leo Mohr diz:

    Karina, lixeiras em UC é algo bastante discutível, porque são fonte de rejeitos para os animais silvestres. Quando realmente indispensáveis (pontos de alta concentração de pessoas em um mesmo local), deveriam vir acompanhadas de campanhas para que o visitante se responsabilize pelo lixo gerado e aos poucos reduza a necessidade deste tipo de equipamento.


    1. Leo, isso é impossível, em se tratando da falta de consciência das pessoas. Elas jamais, jamais se responsabilizariam pelo próprio lixo. Por isso, as lixeiras devem estar tampadas.
      Um abraço,
      Karina