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Plano Nacional de Arborização Urbana é consolidado mirando a COP30

MMA intenciona apresentar em Belém conjunto de diretrizes para instrumentalizar localidades com foco na resiliência climática e no combate às desigualdades

Débora Pinto ·
6 de agosto de 2025

Após finalizar a primeira etapa de escuta pública, o governo federal começa a consolidar o Plano Nacional de Arborização Urbana (PLaNau), que deverá ser apresentado em novembro na Cúpula do Clima da ONU (COP30), em Belém. Ainda que esteja sendo alardeada como a “COP da Amazônia” – o que remete à grande floresta tropical, solo de imensurável biodiversidade – a capital paraense está, ela mesma, dentre as menos arborizadas do país, juntamente com outras municipalidades do território amazônico.

Os extremos climáticos transformam-se em catástrofes exatamente quando atingem as cidades, mais vulneráveis a deslizamentos e alagamentos onde o solo sem vegetação é menos favorável à drenagem e absorção. Com ondas de calor cada vez mais frequentes, o sombreamento e a regulação de temperatura também são serviços ecossistêmicos dentre os diversos oferecidos pelas árvores urbanas com reflexos diretos na saúde do ambiente e das pessoas. Não raro o acesso às áreas verdes é mais escasso nas periferias, principalmente das grandes cidades, o que insere a arborização como uma temática ligada às políticas locais ambientais – e também sociais.

Para buscar dar conta desses enredamentos, o Plano está sendo construído em parceria com a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU) e de outras instituições de ensino e pesquisa. com coordenação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). A Implementação está por conta da organização internacional Governos Locais pela Sustentabilidade (ICLEI).

A iniciativa é parte da implementação do Programa Cidades Verdes Resilientes (PCVR) e, segundo o secretário executivo do ICLEI América do Sul, Rodrigo Perpétuo, tem como foco tornar as cidades brasileiras mais resilientes aos extremos climáticos. “Arborizar cidades é uma medida concreta de justiça social, saúde pública e adaptação às mudanças climáticas. Não basta plantar árvores, é preciso planejar e cuidar, garantindo qualidade de vida para quem vive nos centros urbanos”, afirma Perpétuo.

“É um momento bastante oportuno porque a gente enfrenta uma urgência climática sem precedentes. Precisamos construir ações imediatas e também efetivas para mitigar esses impactos e para regenerar os nossos ecossistemas. E aí, quando falamos de plantar árvore, estamos falando da ação que é a forma mais eficaz de reduzir as emissões de efeito estufa – e, ao mesmo tempo, de promover qualidade de vida, de trazer saúde, de trazer ganhos sociais e econômicos para as cidades”, explica Léa Gejer, Coordenadora Técnica do ICLEI Brasil, ao ((o))eco. Ainda de acordo com a especialista, o plano pretende articular o planejamento urbano com o planejamento climático das cidades.

Para a primeira fase de construção do texto foram utilizados métodos participativos que incluíram a realização de cinco oficinas em todas as regiões do Brasil. Campinas, Manaus, Curitiba, Recife e Campo Grande receberam gestores públicos, técnicos e membros da sociedade civil para discutir desafios e apresentar demandas. Os encontros formaram parte ainda do  processo de pesquisa de compreensão das distintas características dos territórios, levando em conta fatores como biomas, clima e cultura.

Vila Cruzeiro, Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro. Áreas periféricas são as menos arborizadas no país. Foto: Herivelton Aguiar/Flickr

Urbanidades pouco arbóreas

O contexto urbano brasileiro está longe de ser verdejante. Segundo dados do Mapbiomas, apenas 6,9% das áreas urbanas das cidades brasileiras são cobertas por vegetação, com notável variação entre as diferentes regiões do país. O mapeamento inédito identificou manchas de vegetação acima de 1.000 m² em áreas urbanas brasileiras em 2022, abrangendo desde gramados até grandes árvores, distribuídas em parques, APPs, cemitérios, telhados verdes e até terrenos abandonados.

O bioma Mata Atlântica concentra 61,5% dessa cobertura, seguido pelo Cerrado (22%) e Amazônia (6,6%). O Rio de Janeiro lidera com 13,1% de sua área urbana arborizada, enquanto estados do Norte como Amapá (2,6%) apresentam os menores índices. Já de acordo com o IBGE, também com informações de 2022, aproximadamente um terço da população brasileira (cerca de 58,7 milhões de pessoas) vive em ruas sem uma árvore sequer.

Áreas menos arborizadas chegam a ser 5°C mais quentes, conforme medições do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). De acordo com estudo recente publicado pela revista GEOUSP, os resultados da influência da arborização demonstram aumento de 1,6 % a 22,0 % da umidade relativa do ar, diminuição de 2,1 °C a 15,5 °C na temperatura de superfície e de 1,0 °C a 16,4 °C na temperatura do ar.

Desafios e soluções ramificados

Plantio de árvores em São José dos Campos (SP). Crédito: Lucas Lacaz Ruiz/Folhapress

Entre os principais desafios identificados no processo de elaboração do Planau estão a falta de recursos financeiros e capacitação técnica em muitos municípios, especialmente os menores, além de questões culturais relacionadas à percepção negativa sobre árvores urbanas – tantas vezes apontadas como vilãs após quedas em meio a eventos extremos. “A gente ouve ‘poxa, mas tem a questão das árvores que caem e aí ficamos sem luz’. E muitas vezes, a fiação também não está correta, a árvore plantada não é a espécie adequada para aquela localização”, explica Léa Gejer. Políticas de educação ambiental, capacitação de gestores locais e integração com outros instrumentos de planejamento urbano, como planos diretores municipais e políticas de habitação, também estarão descritos no plano. 

Outro direcionamento central é o combate a desigualdade ambiental nas cidades, já que áreas mais pobres tendem a ter menor cobertura vegetal, sofrendo mais com efeitos como ilhas de calor e enchentes. É o caso de São Paulo, mas não um privilégio resultante da concentração de renda da maior cidade do país: em Belo Horizonte, Porto Alegre, no Distrito Federal, em Manaus ou em Belém, apenas para citar alguns exemplos, áreas urbanas são menos arborizadas nas densas ocupações periféricas. Por isso, a iniciativa mira a democratização do acesso a áreas verdes, vinculando a arborização urbana a políticas de justiça social e equidade territorial. 

Do ponto de vista climático, a arborização é entendida como uma solução baseada na natureza com múltiplos benefícios: além de capturar carbono, as árvores ajudam a regular a temperatura urbana, aumentar a permeabilidade do solo e promover a biodiversidade. O plano pretende alinhar essas ações com estratégias mais amplas de infraestrutura verde e adaptação climática. 

Atualmente, a equipe responsável pelo Plano está consolidando as contribuições coletadas nas oficinas regionais para elaborar uma minuta que será submetida à consulta pública. A expectativa é que o texto final seja lançado durante a COP30, servindo tanto como diretriz nacional quanto como modelo para outros países. Sua implementação, no entanto, dependerá fundamentalmente da capacidade de articulação com estados e municípios – e da garantia de fontes de financiamento adequadas, segundo o ICLEI.

  • Débora Pinto

    Jornalista pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, atua há vinte anos na produção e pesquisa de conteúdo colaborando e coordenando projetos digitais, em mídias impressas e na pesquisa audiovisual

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