Reportagens

Plantas nativas são alternativa para alimentar o gado na Caatinga (sem desmatá-la)

Pesquisadores da Embrapa Caprino e Ovinos identificam e estudam dezenas de espécies que podem ser usadas como forragem no período de seca

Evanildo da Silveira ·
24 de fevereiro de 2019 · 5 anos atrás
Ovelhas em pasto natural. Foto: Divulgação.

Único bioma exclusivamente brasileiro, com uma área de 844.453 km² totalmente dentro do território nacional, a Caatinga é conhecida pelo seu clima semiárido, com poucas chuvas e secas prolongadas. Não é o que se poderia chamar de área ideal para pecuária, principalmente a extensiva. Por isso, a solução que parecia mais óbvia para a criação de gado na região – principalmente cabras e ovelhas – era desmatar as plantas nativas e substituí-las por pastagens artificiais. Um estudo da Embrapa Caprinos e Ovinos, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, mostrou, no entanto, que a melhor alternativa é deixar os animais se alimentarem da rica vegetação local.

Os pesquisadores recomendam a adoção do manejo sustentável da rica biodiversidade florística local, por meio de três técnicas: raleamento, rebaixamento e enriquecimento. O raleamento consiste no corte seletivo de vegetações de menor importância para que outras, de maior valor forrageiro e madeireiro, possam se expandir. O rebaixamento, por sua vez, é o corte da copa de árvores e arbustos mais altos para que fiquem acessíveis ao pastejo de rebanhos de pequeno porte (cabras e ovelhas). Já o enriquecimento baseia-se na introdução de espécies perenes na região, sempre precedida de estudos cautelosos.

Comida não vai faltar. “São mais de três mil espécies vegetais, nativas ou exóticas, que se combinam e formam a flora da Caatinga e podem servir de alimento para os animais”, diz a coordenadora da pesquisa, Ana Clara Rodrigues Cavalcante, pesquisadora da Área de Manejo Sustentável de Pastagens, da Embrapa Caprinos e Ovinos, localizada em Sobral (CE). “Continentes como a Europa, por exemplo, não possuem uma diversidade tão grande como a deste bioma.”

A pesquisadora Ana Clara Cavalcante, em contato com produtores e técnicos no campo. Crédito: Adilson Nóbrega.

Essas plantas vêm sendo identificadas e estudadas pelo Projeto Forrageiras para o Semiárido, uma parceria entre a Embrapa e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), por meio do seu Instituto CNA (ICNA). O ponto de partida para a pesquisa foi a constatação de que, durante os longos períodos de seca, a perda de rebanho era muito maior em regiões mexidas pelo homem do que em locais pouco alterados.

O trabalho serviu para confirmar cientificamente o saber popular: existem, no semiárido, muitas plantas indicadas para o consumo animal, dentre as quais se destacam as de gosto agradável aos rebanhos, fácil digestão e alto valor nutricional. As mais comuns incluem gramíneas (capins buffel, mimoso, massai e outros) e leguminosas (leucena, gliricídia, catingueira, moringa), além de outras vegetações como milho, sorgo e capim-elefante.

No projeto, são estudados vários tipos de forrageiras: anuais, perenes, lenhosas e cactáceas, em condição solteira (sem outras espécies por perto) e consorciada. De acordo com Ana Clara, essa estratégia é uma forma de garantir um suporte alimentar adicional e fundamental para a sustentabilidade da caatinga. Além disso, a presença de pequenas áreas de produção intensiva de plantas desse tipo, que servem de reserva estratégica para o período seco, garante o uso mais racional da comida nativa evitando a degradação do bioma.

O aproveitamento dessas espécies para alimentação do gado deve ser feito de maneira sustentável, no entanto, evitando a destruição de espécies da Caatinga e a sua degradação. “O projeto tem como princípio a manutenção da biodiversidade da região, para que não faltem os alimentos necessários para os animais”, diz Ana Clara. “A partir disso, como consequência espera-se que diminuam o desmatamento e as queimadas. Um primeiro passo é reconhecer o valor da biodiversidade para os sistemas pecuários e desse modo se possa produzir e gerar riquezas a partir do bioma.”

Faveleira. Foto: Divulgação.

De acordo com ela, a contribuição ecológica do Projeto Forrageiras para o Semiárido não está apenas na preservação de hectares de vegetação nativa, mas no uso racional daquela que está dentro das propriedades, que normalmente são pequenas (30 ha), para as necessidades alimentares dos agricultores. “O planejamento alimentar animal dos rebanhos mantidos na Caatinga garante um nível de utilização dentro do que o bioma pode suportar, favorecendo sua recuperação, por meio das estratégias de resiliência, ou seja, a capacidade de se recuperar rapidamente, presentes nas plantas nativas, evitando assim a degradação”, explica Ana Clara.

Segundo a pesquisadora, o acréscimo de outras fontes alimentares – como sorgo e milho, por exemplo – para suplementar o que falta na Caatinga também contribui para o uso sustentável dos recursos naturais da região. “A presença de rebanhos de ruminantes faz parte do viver no semiárido”, diz. “As pessoas dependem do seu gado e da Caatinga. Harmonizar as necessidades humanas ao ambiente é fundamental.  O que buscamos com as pesquisas que temos conduzido são maneiras de favorecer as estratégias de resiliência da Caatinga, considerando as necessidades dos animais e das pessoas como parte do ecossistema.” Isso, segundo ela, sem esquecer a conservação do ambiente, evitando sua destruição.

Para desenvolver o projeto, existem 13 Unidades de Referência Tecnológicas (URTs), distribuídas em vários pontos do semiárido brasileiro, desde o norte de Minas Gerais, passando por todo o nordeste até o estado do Maranhão. “Neste momento, o projeto encontra-se na fase de desenvolvimento, em que as coletas de dados estão intensificadas”, conta a engenheira agrônoma Ana Carolina Mera, assessora técnica do ICNA.Paralelamente a isso, a Embrapa já vem analisando alguns dados preliminares obtidos durante o primeiro ano.”

Leguminosas nativas no pasto da Caatinga. Foto: Divulgação.

De acordo com ela, o Projeto Forrageiras para o Semiárido busca contribuir para que os proprietários que criam gado nessa região tenham alternativas não apenas para conviver com a seca, mas para que sua atividade seja produtiva e sustentável.  “O nosso trabalho mostra que é possível o uso de espécies da caatinga como alimento para os animais, desde que seja feito o uso racional e sustentável deste recurso alimentar”, diz. “O manejo correto da Caatinga possibilita usá-la como comida para as criações e, paralelamente a isso, garantir a sua preservação.”

 

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