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Ambientalismo e direitos animais I*

É errado confundir ambientalistas com protetores de animais, cujas propostas não contribuem para melhorar as relações humanas com a natureza. São opções pessoais distintas.

9 de janeiro de 2007 · 17 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

Podem-se misturar os direitos dos animais com os temas ambientais? Pode-se considerar que os defensores dos direitos animais são ambientalistas? A crueldade para com os animais deve preocupar aos ambientalistas? Essas questões, assim como outras em torno delas, não são simples de responder. Mas é importante discuti-las, pois as diversas respostas possíveis têm muita influência no trato que a sociedade dá ao meio ambiente e ao próprio movimento ambiental.

Origem da defesa dos direitos animais

Desde os princípios da humanidade existem pessoas e grupos sociais preocupados com o trato dado aos animais e, também, ao longo da história se desenvolveram toda classe de atitudes para com eles, inclusive reverentes. Desde fins do século XIX, a defesa dos direitos animais foi considerada parte da corrente filosófica dominante no que concerne às relações humanas com a natureza, o que se conhece como “proteção da natureza” ou “protecionismo”. Esta evoluiu, a partir dos anos 1960, para a “conservação da natureza” ou “conservacionismo”, incluindo suas variações como o “desenvolvimento racional” e logo o “eco-desenvolvimento”. Finalmente, a partir dos anos 1990 a corrente ambiental majoritária se transformou no chamado “desenvolvimento sustentável”, que é a base conceitual do ambientalismo moderno. O ambientalismo reconhece os direitos animais, mas não os considera a pedra angular do seu pensamento nem da sua ação que, em última instância, persegue o bem-estar humano.

O protecionismo da natureza reunia quase igualmente os “protetores de animais” e os “protetores da natureza”. Mas, para alguns analistas, ambas as perspectivas nunca foram realmente relacionadas entre si, pois cada uma pertencia a linhas marcadamente diferentes da ética. Os primeiros dedicavam sua atenção especialmente aos animais domésticos (cachorros, gatos e outros) e os segundos aos animais selvagens e aos habitats destes. Progressivamente, os protetores dos animais foram se afastando mais da “proteção da natureza” para se dedicar, quase que exclusivamente, aos direitos animais, tendo incluído, ademais da sua oposição à caça de animais selvagens, a proteção aos animais domésticos (cachorros, gatos) e domesticados (mamíferos e aves criadas para consumo humano).

Nas últimas duas décadas, uma ala dos protetores da natureza adotou como critério de ação o “vegetarianismo” e, assim mesmo, muitos deles abraçaram conceitos e atitudes bem mais extremas como no caso da denominada “libertação animal”. De outra parte, os protetores da natureza são hoje muito raros, embora subsistam. São, dentro do movimento ambiental no qual ainda se encaixam, os mais tradicionais e os que praticam o que tem sido chamado de “ambientalismo contemplativo” que, na sua essência utópica, procura manter uma natureza intocada. Na atualidade, os defensores dos direitos animais não fundamentam seu pensamento na ecologia e na economia, que são os alicerces do ambientalismo, ao que pode se somar a sociologia para dar lugar ao socio-ambientalismo. Eles se fundamentam quase exclusivamente em uma perspectiva ética da relação do ser humano com os outros seres do reino animal. Argumentam, não sem razão, que a ética não pode deixar de lado direitos ou, pelo menos, um trato justo aos demais seres vivos do planeta, especialmente aos animais.

Resumindo, apesar da origem provavelmente comum do ambientalismo e dos seguidores da “libertação animal”, na atualidade não existe muito que eles compartilhem. Há ambientalistas que são também seguidores moderados das idéias da libertação animal e existem, por exemplo, muitos vegetarianos e amantes de gatos e cachorros que também são ambientalistas. Essas são opções pessoais em planos separados e que, na justa medida, até podem ser complementares.

Os partidários da proteção dos animais são cada vez mais numerosos e influentes. Mas, como dito, dentre eles existem infinitas variações conceituais e de atitude, que podem ser consideradas partes do mesmo pacote, formando uma curva estatística normal, cujos extremos podem ser tão diferentes do resto que até cabe duvidar se podem ser considerados parte da maioria. São os limítrofes. O que está acontecendo com a defesa dos direitos animais é um crescimento desmedido de uma minoria extremista que está no limite conceitual, mas, que alastra o grosso do movimento. Esse fato, como a aparição e crescimento de qualquer outro extremismo, é por si preocupante. Mas, neste caso, o que preocupa ao autor é que a defesa radical, inclusive violenta, dos diretos animais, seja considerada até na legislação como um tema ambiental e que seus lutadores sejam considerados como ambientalistas ou, pior, que eles mesmos acreditem ser ambientalistas.

O radicalismo na defesa dos direitos animais

Baseados numa leitura pouco lúcida dos escritos do filósofo Peter Singer e, em especial de seu livro “Libertação Animal” (versão portuguesa de 2004), essas pessoas consideram que os humanos não têm o direito de matar animais e, assim, não devem se alimentar deles, nem muito menos matá-los para outros usos (couro, pele, penas) ou como conseqüência de atividades como a pesquisa científica ou as touradas, brigas de galo e rodeios. Também estão contra a caça e a pesca e, claro, contra qualquer tratamento aos animais que possa parecer cruel numa ou outra forma. Até esse ponto não há problemas.

Se alguém opta por ser vegetariano, não usar produtos animais de nenhuma espécie e cuidar de gatos, cachorros ou outros animais, trata-se de um direito que essa pessoa pode exercer com toda liberdade. O problema surge quando os mais extremistas dos que acreditam nessa opção procuram impô-la a outros e à sociedade no seu conjunto. E, em especial, quando para fazê-lo apela-se para métodos que resvalam na ilegalidade ou que são abertamente ilegais como a difamação, a injúria e a ameaça ou, mesmo, a agressão física. O último fato tem sido visto com freqüência nos Estados Unidos, com a destruição de laboratórios de pesquisa científica ou na Europa com as agressões às pessoas que usam abrigos de pele. São as suas ações as que permitiram que se acunhassem os apelidos “eco-terroristas”, “eco-fascistas” e “eco-xiitas” com os quais, por falta de conhecimento ou má vontade, também se qualificam aos ecologistas ou ambientalistas que, na sua enorme maioria, nem sequer são vegetarianos.

Um livro recente do jornalista brasileiro Hélio Ricardo de Souza Pimentel (2006) intitulado “Zoonazismo: quando os “defensores” atacam” aborda bem o comportamento de uma das versões mais extremas dos defensores dos direitos animais e, se apenas a metade do que ele denuncia não é exagero, o problema é de imensa gravidade, nem só para o ambientalismo, mas para toda a humanidade. Apelar para expor seus pontos de vista com imagens que comparam os criadouros de porcos com os campos de concentração nazistas ou com as que mostram uma foca matando a pauladas um bebê humano é, claramente, terrorismo ideológico de péssimo gosto e, ademais, pretende estabelecer uma correlação falsa. Mas os defensores dos animais já têm ido muito mais longe que isso nas suas agressões verbais e físicas, a tal ponto que eles estão já incluídos nas listas negras das polícias e serviços secretos como uma variante do terrorismo internacional.

Os defensores dos direitos animais estão bem organizados e financiados. Considerando unicamente o financiamento por doações de pessoas físicas, os recursos à disposição das organizações não governamentais dedicadas a esse tema são muito mais importantes que o que as pessoas físicas dedicam a temas ambientais ou sociais. Suas campanhas conseguem cooptar artistas e personagens famosos, como no caso de Brigitte Bardot que preside uma das maiores organizações pela libertação animal.

No que ser vegetariano é benéfico para ao meio ambiente?

O argumento, freqüentemente usado pelos protetores de animais, de ser mais eficiente alimentar a humanidade à base de produtos vegetais do que com animais tem certa lógica. Com efeito, é razoável assumir que se não existisse a pecuária o impacto sobre os recursos naturais, em especial florestas, seria menor, pois usando apenas a agricultura seria necessário menos espaço para alimentar a população humana. Mas, para ser efetiva, essa alternativa deveria ter sido adotada há séculos, antes que a pecuária destruísse, por exemplo, a maior parte das florestas tropicais da América. Olhando adiante, essa alternativa pode ser realmente necessária apenas num futuro ainda não previsível que nem sequer é necessariamente provável. Contudo, é interessante analisar o que aconteceria com a natureza se agora se decidisse abandonar a pecuária e se deixasse de pescar e caçar.

Se fosse proibido o consumo de carne, os animais domesticados como bovinos, ovinos, caprinos, porcos, patos, galinhas ou gansos deixariam de ter utilidade e, conseqüentemente, perderiam seu valor econômico. Quando isso acontece, como com os jumentos em grande parte do mundo, eles simplesmente desaparecem ou ficam apenas para zoológicos e amadoristas. Os cavalos ainda sobrevivem graças ao uso principalmente esportivo e amadorista. A eliminação da pecuária teria um enorme impacto econômico negativo e, para manter o desempenho econômico das nações que adotassem essa medida, seria preciso inventar novas atividades econômicas para substituí-la e manter os muitos empregos que dependem direta e indiretamente dela. Isso só poderia ser feito com um planejamento de muito longo prazo. De outra parte, é evidente que a terra previamente usada na pecuária não voltaria à sua condição natural original. Com certeza que seria usada para expandir os cultivos, as áreas urbanas ou para plantar florestas artificiais. Em termos ambientais isso não seria um ganho, pois a agricultura e o reflorestamento requerem muito mais pesticidas e agroquímicos que a pecuária e a contaminação de origem urbana é gravíssima.

De outra parte, se os defensores dos animais são coerentes com seu modo de ver o tema, eles deveriam transformar em vegetarianos a seus gatos e cachorros. Isso poderia se revelar muito difícil porque esses animais não são onívoros como os humanos e sim carnívoros, embora possam sobreviver com uma dieta vegetal forçada. Tem mais: estudos diversos demonstraram em muitos países, em especial na Inglaterra, que os gatos domésticos que no lar ronronam amorosamente no colo das suas donas, no jardim se transformam em tigres sanguinários para com os pássaros e outros animais silvestres de pequeno porte. Esse fato permite a proliferação de pragas nos jardins, em especial insetos, que logo devem ser combatidos com pesticidas. De outra parte, nem os ratos e camundongos merecem morrer da forma cruel que o ancestral “sadismo” dos felinos pratica.

Nestas mesmas páginas o autor desta nota explicou os benefícios que a caça, especialmente a esportiva, traz para a conservação da biodiversidade, se é praticada sob um manejo adequado. A prática desta atividade, de alta densidade econômica, permite financiar a conservação de outras espécies da flora e da fauna, assim como dos ecossistemas naturais ou seminaturais onde as espécies de valor cinegético vivem. Os países que mais bem conservam sua natureza e onde o ritmo de extinção de espécies é menor são, precisamente, aqueles que conduzem uma caça esportiva bem regulada e sustentável. Os EUA e Canadá são bons exemplos destes fatos.

A pesca, em relação ao tema ora discutido, é intrigante. Ela não provoca as mesmas reações violentas dos protetores dos animais que gera a caça. E não se compreende bem a razão, pois os peixes e outros seres aquáticos são, obviamente, tão animais como os que caminham na terra. Acontece que a morte dos peixes é basicamente cruenta considerando o aço que rasga suas bocas ou corpos, mas pela morte sempre lenta e certamente horrível que espera aos animais aquáticos fora da água, em especial quando previamente capturados nas redes de pesca. Os animais abatidos a tiros durante as caçadas, ou com choques elétricos e certeiros golpes de martelo, se são domesticados, têm uma morte infinitamente mais piedosa. Dito isso, o autor não está contra o uso de formas mais piedosas, se existem, de capturar e matar peixes para transformá-los em pescado.

Que passaria nos mares, lagos e rios se a pesca fosse proibida? O que é previsível, nesse caso, é que com as restrições causadas pela contaminação das águas e outros fatores limitantes atuais, os estoques pesqueiros se recuperariam em níveis muito elevados. A eliminação da pecuária, como foi mencionado, não acarretaria benefícios ambientais, mas, eliminar a pesca permitiria uma inimaginável recuperação dos ecossistemas aquáticos. Por outra parte, como no caso da pecuária, fazer isso teria gravíssimo impacto sobre a economia mundial, o emprego e, claro, sobre a alimentação humana em especial de populações costeiras. De fato, o abuso atual no uso dos recursos biológicos aquáticos, se não controlado, levará pouco a pouco a essa mesma situação. A aqüicultura, nesse contexto, é um paliativo, mas ela também implica em matar animais. Se os recursos animais das águas não podem ser usados para a alimentação, é previsível que deva se expandir ainda mais a agricultura para suprir o déficit, implicando mais desmatamento e contaminação que, um dia ou outro, termina nos rios e mares.

Outro grupo de animais que não chama a atenção dos protetores de animais são os insetos e, em geral, os invertebrados. Se eles não são controlados, ou seja, mortos, é pouco provável que a espécie humana sobreviva, pois tanto a fome como as enfermidades transmitidas por eles dominariam. Diga-se de passagem que os ambientalistas não se opõem ao combate contra as pragas e, nem sequer, ao uso de pesticidas. Eles estão contra o uso abusivo destes últimos, que pode prejudicar outras espécies e o próprio ser humano. Em qualquer caso, propõem não se extinguir os insetos daninhos e sim apenas controlar seus excessos populacionais. Animais muito menores e simples, como bactérias ou vírus nem entram na lista de protegidos pelos defensores dos animais e, eles também, são mortos por milhões a cada vez que usamos antibióticos e antisépticos.

*Clique aqui para ler a segunda parte deste artigo.

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Comentários 2

  1. Sérgio Luiz Pavan diz:

    O link acima não abre não. Qual é p link / onde esta a segunda parte – a continuação deste artigo ?


  2. Sérgio Luiz Pavan diz:

    Parabéns por sua posição. Estou defendendo minha família de ataques e escrevendo artigos sobre o assunto. Por isto favor, pode me falar mais dos assuntos que seguem e congêneres – e me dizer quem tem mais material sobre isto e em aisi lugares encontro – agradecido : : O FUNDAMENTALISMO De defensores RADICAIS dos animais é perigoso / TERRORISMO NA PROTEÇÃO ANIMAL / FUNDAMENTALISMO NA PROTEÇÃO ANIMAL RADICALISMO NA PROTEÇÃO ANIMAL / ATIVISMO ANIMAL /
    INVASÃO NA PROTEÇÃO ANIMAL…
    ILEGALIDADE NA PROTEÇÃO ANIMAL…
    IMORALIDADE NA PROTEÇÃO ANIMAL… / O Ó ÓDIO NA PROTEÇÃO ANIMAL (HATERS) / O BUYLLING NA PROTEÇÃO ANIMAL
    / A PERSEGUIÇÃO DE REIGIÕES NA NA PROTEÇÃO ANIMAL / A PERSEGUIÇÃO E O ASSÉDIO DE PESSOAS NA PROTEÇÃO ANIMAL ? pode ser ?
    AGRADECIDO: meu facebook MSN é slpsergio / Sergio Luiz Pavan / Skype: slpsergio / e-mail: [email protected] / Whatsaps: 11-9-9837-7021 e 11-9-9893-2210