A reposição florestal é a ferramenta que prevê a recomposição, com floresta, de uma área que foi desmatada legalmente. Esta, dessa forma, pode também ser entendida como um mecanismo de compensação ambiental, defende o Climate Policy Initiative (CPI)/PUC-Rio. “É o reflorestamento obrigatório decorrente de uma autorização porque houve a supressão de uma área de vegetação nativa”, explica a ((o))eco Cristina Leme Lopes, gerente sênior de pesquisa da organização.
Entretanto, a implementação do dispositivo – imposto pelo Código Florestal como uma das condicionantes para aqueles que desmatam vegetação nativa de forma legal – ainda segue ineficaz na Amazônia e no Cerrado, sob a ótica da compensação ambiental. Isso porque sua regulamentação e implementação na maioria dos estados nesses dois biomas seguem sendo pautadas pela lógica mercado-consumo e não pela conservação.
Isto é, a ferramenta tem sido, majoritariamente, utilizada para atender o objetivo de suprir a demanda por produtos florestais no mercado consumidor, quando podia estar sendo usada, de forma estratégica, para compensar ambientalmente – com a restauração de áreas prioritárias para a conservação dos biomas – a perda de vegetação nativa, de biodiversidade e de serviços ecossistêmicos provocados com os desmates autorizados.
Esta é conclusão de estudo recém-publicado pelo CPI/PUC-Rio, que analisou as legislações florestais dos estados da Amazônia e do Cerrado. O trabalho teve o objetivo de avaliar as oportunidades e os desafios no aprimoramento das normas sobre reposição florestal, para que esta também sirva como compensação ambiental.
“Todo desmatamento deveria gerar uma compensação por esse dano que é retirar vegetação. Mas essa reposição obrigatória continua dentro da lógica de olhar essa floresta nativa como fonte de matéria-prima. ‘Se eu tirei madeira, eu posso repor madeira’ e não é isso”, diz Lopes, que assina o estudo.
Diagnóstico na Amazônia e Cerrado
Segundo a análise, as três modalidades de reposição florestal mais comuns previstas na legislação brasileira são o plantio de árvores com espécies preferencialmente nativas, pagamento em dinheiro, ou a comprovação de plantio por terceiro.
Entre os estados analisados, o pagamento da taxa de reposição tem sido a principal opção adotada pelos estados do Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais e Pará. Entretanto, o trabalho mostra que esses recursos não estão sendo direcionados para projetos de restauração florestal.
“Se os recursos arrecadados forem bem gerenciados e direcionados, permitirão o ganho de escala em projetos de restauração e a recuperação de áreas prioritárias para a conservação”, recomenda a publicação.
Com uma nova regulamentação sobre a reposição florestal, Goiás ainda isenta da obrigação de compensação florestal o desmatamento oriundo da agricultura, da pecuária e da silvicultura, atividades de maior impacto na conversação do uso do solo, mostra o estudo. Na prática, a ferramenta se torna exceção e não regra.
Outro alerta feito pela pesquisa é o de que o reflorestamento tem sido feito em área muito inferior à área que foi suprimida. “As métricas para o cálculo de reposição são muito deficientes. Por exemplo, na Amazônia muitos estados baseiam se em norma que prevê que a taxa de reposição é de um terço para cada área suprimida e no Cerrado um quinto”, diz Lopes.
Dentre os estados analisados, São Paulo é o único que, atualmente, adota critérios ambientais no cálculo de reposição florestal. “São Paulo divide o estado em áreas prioritárias, então a supressão de uma área de alta prioridade precisa ser compensada numa área de igual prioridade”, explica a pesquisadora do CPI/PUC-Rio, ao defender que o cálculo de reposição florestal nos estados também leve em conta os critérios ecológicos da área desmatada, como localização, extensão da área e o tipo de vegetação suprimida.
Os benefícios de critérios ecológicos
O benefício da reorientação proposta pela análise na forma que a reposição florestal tem sido implementada, diz Lopes, seria o de compensar os diferentes danos ambientais provocados pelo desmatamento. “Você não perde só matéria prima florestal [quando você desmata], você perde a biodiversidade que existe no lugar, você tem impacto na fauna, no solo e no ciclo hídrico que aquela floresta provê”, enfatiza.
Orientar melhor o desenho da paisagem com o restauro estratégico de áreas prioritárias para a conservação dos biomas também seria outro ponto positivo. “Você pode restaurar cabeceiras de rios, nascentes, fazer corredores ecológicos entre áreas protegidas. Isso é um benefício de você pegar um desmatamento que está sendo autorizado e compensar isso colocando uma inteligência na locação desse restauro”, diz Lopes.
Por fim, isso também fomentaria a discussão da real necessidade do desmate. “Já que você tem um custo para uma compensação, talvez se olhe para a atividade de desmate com outros olhos. ‘Será que eu preciso desmatar para fazer isso?”, pontua a pesquisadora.
Como mostrou ((o))eco, o Cerrado apresentou um número recorde de 4,4 mil km² desmatados no primeiro semestre de 2023. A Amazônia, apesar da redução de 33,6% na área desmatada no mesmo período, em comparação com o ano passado, é ainda o bioma que mais tem sido desmatado no país.
Segundo a pesquisadora do CPI/PUC-Rio, a reorientação da reposição florestal se torna ainda mais necessária neste contexto. “Isso coloca o Brasil na rota das metas nacionais de desmatamento zero previstas no PPCDAm, nas metas de redução de emissão ou balanço do carbono que o Brasil assumiu”, diz Lopes.
Ação conjunta
Alcançar o objetivo de reorientar a lógica da reposição florestal requer uma ação articulada entre os diferentes entes. Isso porque, segundo o CPI/PUC-Rio, a reposição florestal é regulamentada em nível federal e em nível estadual pelo Código Florestal e pelas legislações florestais dos estados.
Lívia Karina Passos Martins, diretora de Uso Sustentável da Biodiversidade e Floresta (DBFlo) do Ibama, esclarece que a previsão legal da reposição florestal para o desmate legal, de fato, tem mais relação com a reposição de material lenhoso. O que difere da reparação de danos, ferramenta que considera aspectos ecológicos, mas prevista apenas para aqueles que praticam ilícitos ambientais.
Entretanto, na prática, diz ela, essa reparação ainda não consegue alcançar o ritmo da devastação e, muito menos ainda, o da conservação. “O instrumento ainda é muito frágil, apesar de ter previsão na Constituição Federal. Ainda é muito pouco o percentual de danos efetivamente reparados”, diz Martins.
Apesar de se tratarem de duas previsões distintas – uma para quem pratica ilícitos e a outra quem desmata legalmente – , diz a diretora do DBFlo, o ideal seria que a reposição florestal também recompusesse com a intenção de reparar o dano ambiental causado. “Se abrangesse os critérios ambientais ecológicos seria excelente”, comenta.
Segundo ela, um regulamento amplo da reposição florestal e da reparação de danos tem sido tema de discussões no DBFlo. “Uma orientação macro, que crie modelos próprios, protocolos próprios para esse tipo de cobrança”, comenta Martins.
Tanto estão sendo discutidas normativas da cobrança de reparação de danos ambientais quanto a forma que será regrada a reposição florestal. “Mas são duas coisas diferentes”, esclarece a diretora do DBFlo.
Para Cristina Leme Lopes, o aprimoramento da regulamentação da reposição florestal, com base em critérios ecológicos, pode espelhar a atuação dos estados.
“O Brasil possui mecanismos legais para a reposição florestal, mas precisa aprimorá-los. Mudanças nas regulamentações estaduais poderiam assegurar uma efetiva compensação do desmatamento legal e a restauração de áreas prioritárias para conservação”, conclui a pesquisadora do CPI/PUC-Rio.
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