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Pré-COP30 enfatizou adaptação, celebrou renováveis e pressionou metas nacionais

O evento aconteceu na semana em que um relatório das Nações Unidas apontou novo recorde histórico das emissões de CO2

Aldem Bourscheit ·
15 de outubro de 2025

A pré-COP30 (13 e 14) terminou em Brasília (DF) com um recado de que a adaptação precisa caminhar lado a lado com o financiamento da agenda do clima. No evento, quase 70 países alinharam expectativas e construíram pontes políticas no último grande ensaio antes das negociações decisivas, em Belém.

“Adaptação já não é uma escolha”, ressaltou o embaixador brasileiro André Corrêa do Lago, presidente da Conferência, ao resumir o tom das conversas ministeriais na capital federal. “Este ano tem de ser um marco para que essa agenda ganhe força nos planos nacionais de clima”, avaliou.

Medidas de adaptação precisam adequar ambientes naturais e estruturas construídas pelas pessoas, como as cidades, às mudanças impostas pela crise climática. Hoje, mais de 3,5 bilhões de pessoas – quase metade da população mundial – já estão vulneráveis a secas, calor, inundações e falta de comida.

O quadro se agrava porque a concentração do poluente CO2 alcançou novo recorde, ano passado. O aumento, registrado pela pela Organização Meteorológica Mundial, foi o maior desde 1957 e o mais volumoso de um ano para outro. Ou seja, a crise se agrava e pede ações “para ontem”.

Diante de evidências como essa, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, reforçou o caráter de urgência. “A COP de Belém pode ajudar o mundo a evitar pontos de não retorno”, afirmou, pedindo confiança no multilateralismo e em resultados alinhados à ciência. 

Reforçando a mensagem, a diretora-executiva da COP30, Ana Toni, cobrou pragmatismo nas negociações multilaterais. “Como é que a gente vai proteger as nossas sociedades?”, defendendo que adaptação e finanças avancem juntas e mobilizem mais dinheiro do setor privado. 

“A iniciativa privada não tem modelos para financiar ações como para uma transição justa [para economias de menor emissão de carbono]”, afirma Tatiana Oliveira, especialista em Clima e Política Internacional do WWF-Brasil.

Essa agenda deve definir, por exemplo, meios para que energias alternativas não causem graves estragos socioambientais onde são geradas enquanto vertem eletricidade para cidades a milhares de quilômetros. O mesmo vale para a produção de soja, carne e outras commodities exportadas pelo sul global.

A ministra Marina Silva (centro) em uma mesa da pré-COP30. Foto: Official Pre-COP Opening Ceremony

O que falta combinar

As discussões expuseram divergências sobre como pagar pela adaptação. “Países em desenvolvimento não estão na mesma página sobre metas”, diz María Rubial, pesquisadora ligada ao argentino CONICET (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas). 

“Isso abre espaço para que [países] desenvolvidos travem avanços”, mas uma COP de implantação, como afirma a presidência brasileira, “exige meios concretos para financiamento”, ressalta. Diante disso, Rubial defende que o evento de Belém traga um valor de referência para financiar a adaptação e uma rota para sua revisão. 

“Nós [sociedade civil] propusemos US$ 120 bilhões iniciais (quase R$ 655 bilhões), mesmo sabendo que não cobre o gap apontado pelas Nações Unidas. As estimativas são de que países em desenvolvimento precisem de entre US$ 215 bilhões e US$ 387 bilhões por ano, até 2030.

Presidente do instituto de pesquisas Talanoa, Natalie Unterstell diz que ⅓ do financiamento atual para adaptação vem de cofres públicos e que um acordo para ampliar os fluxos de dinheiro firmado em 2021, na COP26, perderá a validade em breve. Assim, a COP30 precisa reativar os ânimos globais por financiamento.

“Com a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, teremos um abismo de recursos já em 2026 para adaptação”, alerta. “Belém tem que dar novo sinal sobre recursos para essa agenda, mesmo diante de entraves de blocos e países desenvolvidos”, resume Unterstell.

Secas e incêndios se alastram pelo planeta na carona das alterações dos humores climáticos. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Ao mesmo tempo, além do desafio de quem pagará a conta, o acompanhamento de impactos e de ações de adaptação deve ser outra pedra no sapato dos negociadores na capital paraense, aponta Unterstell. A lista de indicadores para monitoramento tem uma centena de itens.

“Os países não conseguem consensuar a quantidade e a abrangência dos indicadores”, descreve. “Isso mesmo que os parâmetros sejam voluntários e que quase todos os representantes tinham histórias de impactos climáticos severos que não sabiam como lidar”.

Sobre a falta de acordo sobre essas métricas, Rubial avalia que reduzir demais a lista de indicadores pode desmontar uma década de trabalho – desde o Acordo de Paris, em 2015 – para visibilizar adaptação, com financiamento, tecnologias, capacidades de ação e questões de gênero, povos indígenas e tradicionais.

Por isso, ela espera que a COP30 “amarre os pontos” entre decisões recentes e o roteiro de Baku a Belém – para mobilizar US$ 1,3 trilhão anuais em recursos climáticos, até 2035 – com reflexos diretos em planos nacionais de adaptação. “Não podemos sair com mais responsabilidades e de mãos vazias”, resumiu.

Contudo, são esperados mais e mais robustos compromissos nacionais para corte de emissões, as NDCs, sejam entregues até a COP30. Até agora, cerca de 60 países depositaram suas promessas nas Nações Unidas – pouco menos de ⅓ dos ligados à Convenção do Clima.

Países europeus, Índia, Estados Unidos e Rússia não apresentaram suas metas, enquanto outras são fracas diante das necessidades globais, como a da China, um dos maiores emissores mundiais de gases de efeito estufa. A do Brasil também não ajuda o mundo a manter o aquecimento médio abaixo de 1,5 ºC, mostrou ((o))eco.

A elevação do nível médio dos mares e mudanças nos regimes de marés são efeitos diretos da crise do clima. Foto: Asian Development Bank/Creative Commons

Renováveis e limpas em alta

As energias renováveis ganharam luz própria e forte na pré-COP de Brasília (DF) com relatórios internacionais destacando a forte disseminação dessas fontes. Isso dá passos mais firmes para cumprir a meta global de triplicar a capacidade instalada, até 2030, mas é preciso mais.

Segundo a Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena, sigla em Inglês), o mundo instalou 582 gigawatts de “energias limpas” ano passado. Foi um recorde histórico, mas ainda metade do necessário para cumprir o acordo firmado em Dubai (COP28) de triplicar as fontes renováveis até 2030. 

Por isso, a entidade alerta que o ritmo atual de implantação precisa subir para mais de 1.100 GW por ano. “Estamos em movimento, mas ainda longe da meta”, disse o diretor-geral da Irena, Francesco La Camera, pedindo mais investimento e cooperação entre países.

A agência também destacou que a transição energética exige US$ 1,4 trilhão por ano em novos financiamentos, além de US$ 670 bilhões anuais em redes elétricas e infraestrutura. O Brasil, anfitrião da COP30, é citado como exemplo de matriz  majoritariamente renovável, pela ainda forte presença de hidrelétricas.Ainda no campo das energias, o Brasil apresentou na pré-COP uma proposta para aumentar a produção global de combustíveis como hidrogênio, biogases e biocombustíveis, até 2035. O texto é negociado com países como Índia, Itália e Japão, e pode ser aprovado antes da conferência de Belém.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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