O Brasil é o terceiro país com o maior consumo de carne bovina per capita do mundo, perdendo apenas para a Argentina e o Paraguai. Ao longo de 2017, cada brasileiro consumiu em média 25,9 quilos de carne, 11,4 quilos a mais do que a média dos habitantes dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, formada por 35 nações).
Não é à toa que a cadeia produtiva da carne bovina seja tão poderosa no Brasil. O país é o segundo maior produtor e o maior exportador de carne bovina do mundo. Ainda assim, 79,06% da carne produzida no Brasil abastece o mercado interno, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne. Daí a importância do consumidor brasileiro como um elemento de pressão sobre a cadeia produtiva da carne.
Mas será que o consumidor está preocupado com o impacto ambiental da carne que consome? Para a diretora de Sustentabilidade do Grupo Pão de Açúcar, Susy Yoshimura, a resposta é não: “Hoje a grande maioria da população ainda olha mais a parte estética da carne, da cor, do que ela entende que será o sabor, e para o preço deste produto. De maneira geral, os atributos ambientais e sociais não fazem parte das premissas como fator de decisão de compra, ainda”.
O Instituto Akatu, em ação em prol do consumo consciente, realizou uma pesquisa para avaliar o nível de consciência do consumidor brasileiro. Constatou que o percentual de consumidores engajados e conscientes vem caindo nos últimos anos. São aqueles consumidores dispostos a tomar atitudes de longo prazo e que tenham um benefício coletivo para a sociedade, como reciclar o lixo e optar por produtos sustentáveis. Em 2006, 33% dos consumidores se encaixavam nestas categorias. Em 2018, este número caiu para 24%. Já o percentual de consumidores indiferentes em relação ao consumo sustentável passou de 25% para 38%.
Em outro estudo, os entrevistados foram apresentados a dez temas, como transporte, alimentação e estilo de vida, e para cada tema tinham que escolher entre duas opções. Uma opção relacionada ao consumismo e outra à sustentabilidade. Em sete dos 10 temas apresentados, os entrevistados optaram pelo caminho da sustentabilidade.
Para Helio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu, a explicação para a aparente contradição entre as pesquisas está nos dois principais entraves apontados pelos consumidores à escolha de produtos sustentáveis: o preço e a necessidade de mais informações sobre os impactos sociais e ambientais daquele produto. “O desafio de tornar o consumidor brasileiro mais consciente é conseguir que ele não tenha a percepção de que o produto sustentável é caro e que ele tenha a informação sobre os impactos sociais e ambientais mais positivos daquele produto”, afirma Mattar.
Em tempos de crise econômica, o fator “preço” ganha ainda mais importância. O Estudo Nielsen 360° verificou como o consumidor está reagindo ao cenário de incertezas políticas e econômicas, e concluiu as principais preocupações dos brasileiros mudaram: a preocupação com a saúde perdeu espaço para os problemas da economia e da estabilidade política.
A pesquisa também traz uma má notícia para as marcas que investem em sustentabilidade mas precisam repassar custos ao consumidor. Na hora de fazer as compras, a primeira medida que o consumidor toma em tempos de crise é migrar para marcas mais baratas. Em 2018, 34% dos brasileiros adotaram esta prática.
O contraditório é que, ao mesmo tempo, 64% dos consumidores brasileiros não se sentem atendidos pelos produtos que lhes são ofertados, especialmente no que diz respeito à saúde, e 51,7% dos entrevistados se dizem dispostos a pagar mais por marcas que protegem o meio ambiente. Na classe AB, este percentual sobe para 65%.
Talvez uma das explicações para as contradições que aparecem nas pesquisas esteja na avaliação de Pedro Burnier, gerente do Programa de Cadeias de Pecuária da Amigos da Terra. Ele conduziu um estudo com 572 pessoas para avaliar a disponibilidade dos consumidores de pagar a mais por atributos sustentáveis na carne bovina.
Por meio de um modelo estatístico, Burnier concluiu que os consumidores estão dispostos a pagar, em média, R$ 14,97 a mais por um quilo de filé que tenha Rastreabilidade até o Frigorífico. Para uma carne com Marca Sustentável, essa disponibilidade é de R$ 10,83 a mais por quilo de carne. Pelo produto com certificação de Bem-estar animal, o consumidor afirma estar disposto a pagar R$ 23,87 a mais. O pesquisador lembra, no entanto, que o fato de o consumidor dizer que está disposto a pagar a mais não significa que ele realmente vai fazer esta opção na hora H, na prateleira do supermercado: “Uma coisa é ele dizer que está disposto a pagar, outra coisa é ele efetivamente pagar”.
Um passeio nos supermercados
Mas para quem quer ser consciente, quais as alternativas? ((o))eco está em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Capital brasileira do churrasco. Mas será que os gaúchos, no extremo sul do país, consomem carne vinda da Amazônia? E mais. Será que os gaúchos sabem de onde vêm a carne que consomem? Após percorrer quatro estabelecimentos de tradicionais redes de supermercados localizados em dois bairros centrais (Cidade Baixa e Farroupilha), a primeira conclusão é que descobrir a resposta a estas perguntas exige esforço. Numa mesma prateleira ou freezer, misturam-se cortes de diferentes regiões do Brasil. A única maneira de descobrir é olhar individualmente o rótulo de cada produto.
No supermercado Asun, a maioria dos cortes vinha de abatedouros do Rio Grande do Sul, com a exceção de uma carne da Friboi vinda de Mozarlândia, uma pequena cidade com pouco mais de 15 mil habitantes, em Goiás. No Nacional, além das carnes de origem gaúcha encontramos cortes de marcas da JBS vindos de Santana do Araguaia, no Pará, e de Vilhena, em Rondônia. Um corte da marca Montana, da Marfrig, era originária do Mato Grosso do Sul. No supermercado Dia, foi possível encontrar carne da Masterboi vinda de Nova Olinda, no Tocantins.
O Zaffari é o único supermercado que facilita um pouco a vida do consumidor interessado em saber a origem da carne. Em algumas partes das prateleiras, havia placas com a frase: “cortes selecionados com a origem garantida”. As placas referem-se aos cortes da marca do próprio supermercado, todos vindos de um frigorífico de Santa Maria, no próprio estado. Mas essa informação, mais uma vez, só está presente no rótulo.
Para Ana Paula Bortoletto, líder do programa de alimentação saudável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), esta falta de informação é um contrassenso diante do esforço que as próprias redes de varejo estão fazendo para rastrear a origem da carne desde a última fazenda por onde passou o gado (como ((o))eco já mostrou ainda não existe controle sobre os indiretos) até as gôndolas dos supermercados: “Poderiam muito bem colocar avisos nas prateleiras. […] Já que eles conseguem rastrear toda a cadeia poderiam chegar até o consumidor final informando o que está sendo feito. Se todo o trabalho de rastreabilidade está feito por que não informar o consumidor sobre isso?”
Ao contrário do que declarou a diretora de Sustentabilidade do GPA, Bortoletto acredita que o varejo tem sim o poder de dizer o que o consumidor vai comprar: “O varejo determina quais produtos vão ser adquiridos […]. Se existe um compromisso e uma responsabilização destes atores em garantir não só a rastreabilidade, mas também a informação ao consumidor […], esse é um comprometimento que acaba interferindo de uma certa forma em todo sistema”.
Além da falta de informações nas prateleiras, os selos e certificações disponíveis no Brasil tampouco facilitam a vida do consumidor consciente. No Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos constam apenas duas marcas de carne orgânica: Korin e Taurino’s, ambas do Mato Grosso do Sul. A carne orgânica, segundo a WWF, é aquela produzida a partir de um sistema produtivo ambientalmente correto, socialmente justo e economicamente viável. Este sistema produtivo passa por auditoria e certificação, garantindo que carne é produzida da maneira mais natural possível, isenta de resíduos químicos e com preocupação socioambiental.
As demais certificações de carne presentes no Brasil dizem respeito à raça do animal, e não à sua sustentabilidade. As certificações das raças Hereford, Braford e Angus, por exemplo, são feitas a partir da análise das carcaças dos bois, já nos frigoríficos, e avaliam questões como peso, idade do animal e cobertura de gordura. Estas raças são a minoria no rebanho brasileiro, formado majoritariamente por nelores (80% do rebanho).
Circulando nos mercados de Porto Alegre, foi possível encontrar produtos com outros tipos de selos, como o Marfrig Club. Consultando o site da Marfrig, verifica-se que para receber este selo os produtores rurais precisam seguir normas ambientais e de bem-estar animal. Mas para quem está no supermercado, não há nenhuma referência a estas exigências.
Para Ana Paula Bortoletto, do Idec, a disseminação de selos e certificações sem a devida clareza de informação abre espaço para que fabricantes mal-intencionados pratiquem o greenwashing (quando a empresa passa a falsa impressão de que seu produto é ambientalmente sustentável): “A gente tem o Código de Defesa do Consumidor no Brasil, que protege o consumidor contra publicidade enganosa, mas infelizmente nem sempre dá conta de punir todas as empresa que fazem certificações que nem sempre são comprovadas, passam informações que nem sempre são 100% corretas, o que dificulta na hora de ter a segurança de escolher”.
Carne, tô fora? Mas não é pelo meio ambiente
Enquanto pecuaristas, frigoríficos, supermercados e Ministério Público têm avanços limitados na busca de uma pecuária sem desmatamento, aumenta o número de brasileiros que opta por excluir-se desta cadeia de consumo. Entre 2012 e 2018, a parcela da população brasileira que se declara vegetariana cresceu de 8% para 14%, segundo pesquisa do Ibope Inteligência. “A gente percebe isso no dia-a-dia, o tema está mais presente na rotina das pessoas, mais gente se questionando e tendo interesse pelo assunto”, afirma Ricardo Laurino, presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira, que conta com 2.100 associados ativos.
Outro estudo, do Good Food Institute, ouviu 9 mil pessoas em diferentes regiões do país. 6% dos entrevistados se disseram vegetarianos, enquanto 7% não souberam responder. Para Laurino, estes 7% podem se referir a pessoas que fizeram alguma mudança na alimentação no sentido de cortar o consumo de carne mas ainda não tem certeza se podem se considerar vegetarianos. Outros 29% dos entrevistados disseram que já reduziram ou querem reduzir o consumo de produtos de origem animal.
Mas o que mais chama atenção na pesquisa são os motivos apontados para a adesão a uma dieta vegetariana/vegana. A maioria citou a questão da saúde (43%). Incluindo nesta categoria o motivo “restrições médicas”, esse percentual sobe para 54%. Em segundo lugar vêm a preocupação com os animais (21%), seguida por questões familiares (10%) e religiosas (6%). A preocupação com o meio ambiente aparece entre as últimas motivações (3%), empatada com questões éticas e sociais.
Para Laurino, as pessoas têm facilidade de relacionar a decisão de parar de comer carne com questões de saúde e bem-estar-animal, mas têm poucas informações sobre o impacto ambiental da pecuária: “Em relação ao meio ambiente, quando você comenta com as pessoas que não tem ligação com o assunto, elas se assustam e às vezes até não acreditam naquilo que você está dizendo”.
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Parabéns pelo excelente artigo!!!
'Em tempos de crise econômica, o fator "preço" ganha ainda mais importância'. Não é só em tempo de crise econômica. 90% da população só tem como escolher pelo preço. Está na hora do pessoal da sustentabilidade ter mais conexão com a realidade.
Aquela regra antiga. Simpatizo ,mas não me mobilizo.
No Brasil, isto ocorre em milhares de segmentos e temas.