Reportagens

“PT na Bahia foi escola para a má gestão ambiental de Bolsonaro e Ricardo Salles”, diz liderança baiana

Comunidades tradicionais e entidades ambientalistas cobram do governador Jerônimo que cesse o padrão de gestão insustentável de seus antecessores e se alinhe com o governo Lula

Fernanda Couzemenco ·
23 de fevereiro de 2023 · 1 anos atrás

A eleição de Jerônimo Rodrigues, o primeiro governador autodeclarado indígena do país e que imprime o quinto mandato petista seguido na Bahia, ainda não deu sinais de que irá modificar o padrão insustentável da gestão ambiental que arrasa os biomas baianos, especialmente Cerrado e Mata Atlântica. A recondução de Márcia Telles para a presidência do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), no início do mês, era o sinal que faltava para entender que a luta pela defesa das florestas, das águas e dos povos tradicionais que cuidam desses bens naturais há gerações precisa se intensificar, pois a cada ano, a situação fica mais perigosa nesses tempos de crise climática.

Não que a situação tenha sido menos desastrosa durante a era PFL (hoje União Brasil, após fusão com o PSL) no estado, mas a expectativa, renovada a cada nova gestão do PT, era de que um governo popular e mais afeito a pautas sociais do que seu antecessor de extrema direita traria alento diferenciado para as comunidades tradicionais que estão na linha de frente na defesa de seus territórios, bem como para a sociedade civil organizada que reivindica participação efetiva na elaboração, implementação e fiscalização da gestão pública ambiental, como reza a Constituição Federal. Mas, qual? Na gestão ambiental, a bandeira vermelha não fez nenhuma diferença para a proteção do verde em qualquer um dos cantos do grande e diverso estado da Bahia.

A esperança foi renovada em 2022, com a vitória de Lula (PT) para presidente. As rápidas medidas de proteção socioambiental, lideradas especialmente pelas ministras Marina Silva e Sonia Guajajara, respectivamente do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas e dos Povos Originários, no entanto, não repercutiram em âmbito estadual e 2023 começou navegando nas mesmas velhas águas do desenvolvimentismo.

“Aqui foi escola para o governo Bolsonaro”, metaforiza Marcos Rogério, integrante do Movimento Ambientalista Grande Sertão Veredas, na região de Correntina, extremo oeste da Bahia. “É até hipocrisia, quando [Jacques] Wagner [primeiro governador petista da Bahia, eleito em 2006 e reeleito em 2010] assumiu a presidência da Comissão de Meio Ambiente do Senado e criticou Bolsonaro e Ricardo Salles. Porque quando você olha o que aconteceu no governo dele, é como se ele estivesse fazendo autocrítica. Fez a mesma coisa”, compara Marcos Rogério.

Márcia Telles volta ao cargo de diretora do Inema. Acima, quando ela assumiu o cargo em maio de 2021, ao mesmo tempo em que era secretária de Meio Ambiente da Bahia. Foto: SEMA/Divulgação

Com Rui Costa, que o sucedeu, tudo igual, conta o líder socioambientalista. “Em 2017, no auge do conflito em Correntina, o governador não nos recebeu. Enquanto o agronegócio parece ter a chave do gabinete dele. Quando o governador chega, o agronegócio já está lá esperando”, ironiza.

Em 2022, Jerônimo manteve as portas fechadas para as comunidades. “Não conseguimos falar com o Jerônimo desde o período de transição. Enquanto o governo Lula está aberto ao diálogo, aqui na Bahia, o governo estadual se trancou. E olha que é o primeiro governador indígena do Brasil”, lamenta.

Marcos ressalta uma carta elaborada por dezenas de movimentos socioambientais, solicitando diálogo com o então candidato e renovaram o pedido após a vitória contra ACM Neto (União Brasil). A reunião só aconteceu no dia 25 de janeiro, mas apenas com o titular da Secretaria do Meio Ambiente (Sema), Eduardo Sodré Martins, sem a presença do governador.

Na ocasião, as ONGs e movimentos socioambientais expuseram os vergonhosos números de desmatamentos e outorgas insustentáveis emitidas nos últimos anos, apresentaram propostas de aperfeiçoamento da gestão ambiental estadual e, também, pediram pela nomeação de uma pessoa técnica e comprometida com a causa na cadeira principal do Inema.

Alinhamento com Lula-Alckmin

O “Manifesto da Frente Socioambientalista da Bahia por uma política socioambiental inclusiva, participativa e democrática para o Estado” é assinado por 142 organizações, cientistas e cidadãos, que afirmam sua “esperança por mudanças efetivas na gestão socioambiental do Estado neste novo governo” e pedem que “os nomes indicados para a SEMA e o INEMA sejam reconhecidos e respeitados na área socioambiental” e que “evidenciem um alinhamento do governo estadual com as diretrizes e compromissos assumidos pelo Projeto de Governo Lula-Alckmin na busca de uma transição para uma economia ecologicamente sustentável com inclusão social e os contidos nas manifestações públicas e programa de governo Jerônimo Rodrigues”.

O manifesto cita dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), indicando que “foi a partir de 2011/2012, quando a política ambiental do estado foi reestruturada, que a ocorrência de conflitos por água triplicou”. Principalmente “a partir de 2014, quando a legislação estadual dispensou de licenciamento os empreendimentos agrossilvopastoris, esses conflitos entraram em uma escalada alarmante, passando de 24 ocorrências em 2016 para mais de 100 em 2019”.

O governador, assinala a carta, o primeiro indígena eleito, tem “histórico de militância nos movimentos sociais, professor e engenheiro agrônomo extensionista de profissão, discípulo de Paulo Freire e, portanto, um defensor ferrenho da participação social, que conhece a potência do povo do nosso Estado”.

As entidades anunciam ainda a criação da “Rede de Observação das Políticas Estaduais de Meio Ambiente da Bahia”, com objetivo de desenvolver “uma avaliação crítica e suprapartidária dos caminhos adotados pelo governo estadual na promoção da transição para uma economia ecologicamente sustentável e com inclusão social no Estado da Bahia” e listam 24 diretrizes para orientar a gestão ambiental estadual.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, em cerimônia de entrega de novas casas em Santo Amaro, estado da Bahia, na semana passada. Foto: Arisson Marinho/AFP.

Zero desmatamento?

Durante a reunião de entrega da carta ao secretário, Marcos Rogério ressalta que havia a expectativa de que Márcia Telles não voltaria para o Inema. “No final do governo de Rui Costa ela foi para Sema, depois assumiu o enteado do Jaques Wagner e ela voltou para o Inema”, conta, resumindo uma década de permanência da farmacêutica Márcia Telles à frente da principal autarquia ambiental baiana, incluindo um período em que ela assumiu os dois cargos, sendo ao mesmo tempo secretária estadual e presidente do Inema, mesmo sob protestos dos servidores.

Acompanhando diariamente as publicações de licenças para desmatamento e outorgas de captação de água no Diário oficial do estado desde 2015, o líder do Grande Sertão Veredas observa que houve um crescimento contínuo das autorizações, chegando ao cúmulo de, em 2022, terem sido emitidas licenças para 34 mil hectares somente no seu município de Correntina. Nos vizinhos Cocos e São Desidério, ainda mais: 41 mil e 45 mil, respectivamente.

“Em 2022 foram mais de 200 mil hectares!”, protesta. “Vão desmatar tudo agora para quando chegar em 2030 não ter mais”, infere, referindo-se à data com que o Brasil se comprometeu a zerar o desmatamento, junto a mais de 100 outros países durante a COP-26, realizada em 2021 em Glasgow, na Escócia.

“Desmonte da gestão ambiental”

A reunião foi registrada nas redes sociais da Sema e Inema, como sendo “uma iniciativa do secretário Eduardo Sodré Martins”, com objetivo de “apresentar formalmente a nova gestão da pasta ambiental do Governo do Estado e ouvir quais as principais demandas de cada segmento relacionado ao meio ambiente e recursos hídricos”.

O gestor afirma ainda na publicação que “ao final do encontro ficou alinhado que acontecerão reuniões de escutas periódicas com o grupo, visando estreitar o alinhamento das ações de governo voltadas ao meio ambiente”. Mas, uma semana depois, eis que é anunciado o retorno de Márcia Telles para a presidência do Inema.

O repúdio à decisão foi grande e um deles foi publicado pela Rede Cerrado, na forma de uma “Carta aberta contra a recondução de Márcia Telles ao Inema na Bahia”, no dia dez de fevereiro.

O documento é assinado pela coordenadora-geral da Rede Cerrado, Maria de Lourdes de Souza Nascimento, e denuncia o “desmonte da gestão ambiental e dos recursos hídricos” executado nos últimos dez anos.

Formada por 60 organizações e representando mais de 300 outras, a Rede pede textualmente que Jerônimo Rodrigues reveja a nomeação, pois a continuidade da atual presidente do Inema “representa também um grande enfraquecimento dos conselhos de participação cidadã”. Desde 2012, afirma, “a Sra. Márcia Telles conduz audiências públicas de fachada que levaram a um quase desaparecimento do Conselho Estadual de Meio Ambiente (CEPRAM)”.

O texto também cita reportagem publicada em 2021 em ((o))eco que mostra a fragilidade da gestão do Inema em relação a UCs. “Na época, 12 das 45 Unidades geridas pelo Estado não possuíam sequer um gestor e mais da metade não tinha plano de manejo ou conselho instalado. Diante dos fatos, é urgente que o Governo da Bahia se comprometa com a preservação dos biomas e siga alinhado à política do Governo Federal, com quem tem alinhamento ideológico e político”.

“Grilagem verde” legalizada

Educador social da CPT Centro-oeste da Bahia, Samuel Britto ecoa o repúdio da Rede Cerrado. “O Inema é o principal responsável pela oficialização da ilegalidade dos grandes empreendimentos do agronegócio na Bahia. As outorgas não têm critério. Você tem um CPF só recebendo outorgas de milhões de litros de água. O desmatamento aumentou e a principal forma desses grileiros se apossarem dos territórios tem sido por meio da grilagem verde”.

A dinâmica ilegal, conta, ocorre desde a década de 1960, há 60 anos, devido ao “descaso do estado da Bahia em reconhecer o direito dos povos e comunidades tradicionais que aqui residem”. Mas ganharam mais voracidade nas últimas duas décadas, puxada pelo aprimoramento da tecnologia de georreferenciamento aliada aos cartórios de registros de imóveis.

Fronteira agrícola em Correntina, Bahia. Foto: Marcio Sanches/WWF-Brasil.

“O conflito fundiário tem, de um lado, a posse secular das comunidades tradicionais e, do outro, a fraude cartorial gerando uma matrícula fraudulenta, alicerçada pelo que há de mais moderno de tecnologia de georreferenciamento de imóveis”, descreve.

Os grandes fazendeiros, explica, se apossam de territórios tradicionais, ricos em florestas e águas, expulsam os moradores por meio da violência dos “jagunços” fortemente armados, e fraudam documentos de propriedade, que são apresentados ao órgão ambiental na solicitação de Autorizações de Supressão de Vegetação (ASVs) e outorgas de água. Nesses pedidos, via de regra, as terras das comunidades tradicionais são averbadas como Reserva Legal do empreendimento, configurando a conhecida “grilagem verde”.

Já a titulação dos territórios tradicionais patina no governo do Estado. Segundo Samuel, são quase 40 perímetros de territórios tradicionais, mas apenas seis possuem discriminatórias elaboradas pela Coordenadoria de Desenvolvimento Agrário (CDA), todas “com conclusão de que são devolutas e públicas”. A titulação definitiva às comunidades, no entanto, não aconteceu ainda.

Enquanto isso, a violência avança. “Tem mais de uma dezena de boletins de ocorrência”, afirma, feitos principalmente na região da Vereda da Felicidade, em Correntina, onde o desmatamento galga passos incrivelmente largos e “quatro comunidades estão sob ataque de pistoleiro desde setembro”. A região, conta, “é uma das principais áreas que ainda tinham Cerrado em pé em Correntina e, por conta disso, mantinha perene seis importantes veredas: Felicidade, Pedras, Morrinho, Onça, Cabresto e Cupim. Com esse desmatamento, poderemos testemunhar em breve o fim destas águas, que por sua vez caem no rio Correntina, que cai no Corrente, que vai no São Francisco. Ou seja, será um efeito dominó!”.

Um outro grupo, conta Samuel, “perdeu seu território para a grilagem desde setembro de 2020 e está há dois anos sem utilizar o território”. No último dia 13 de fevereiro, complementa, Correntina foi palco de um protesto realizado por comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto, ribeirinhos, agricultores e moradores da cidade, que pararam a BR-349 denunciando a grilagem e o desmatamento do Cerrado. “A tendência é que atos como o de segunda-feira continuem”, lamenta.

Comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto, ribeirinhos, agricultores e moradores denunciam grilagem e desmatamento do cerrado em protesto na BR-349. Foto: ISPN/Redes sociais.

Em suas redes sociais, o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) publicou imagens do protesto. “Fecheiros afirmam que um grupo de grileiros de SP, MG e GO comprou um documento antigo e fez a escritura de uma área que abarca um território tradicional das comunidades do vale do rio Arrojado”, informa a entidade.  

“Relatos afirmam que povos têm sofrido ataques de pistoleiros desde outubro passado, além de desmatamento, destruição de ranchos, cercas, pontes, desaparecimento de animais e avanço da grilagem sob áreas comunais”, prossegue a publicação, ressaltando ainda que “Correntina e seu entorno é uma das paisagens prioritárias do projeto PPP-ECOS junto ao Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), implementado pelo ISPN, em apoio às comunidades e pela conservação da sociobiodiversidade”.

“Defendem o Cerrado com seus próprios corpos”

O incremento da violência na região também é observado por Isabel Figueiredo, coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga do ISPN. “Começam a percorrer caminhonetes com pessoas portando armamentos pesados. As placas de áreas comunais são retiradas, quebradas”, exemplifica.

A ofensiva em Correntina e arredores, pontua, é consequência do desmatamento já avançado na divisa com Goiás. “Essas divisas já foram todas desmatadas e agora o desmate vem descendo pelo rio São Francisco”.

Isabel explica que toda a área de Cerrado nessa região é de uso comunal para soltura do gado pelas comunidades de fundo e fecho de pasto, que têm se organizado para obter o reconhecimento formal de seus territórios e manterem seu meio de vida tradicional, preservando assim a água que vai abastecer todas as cidades abaixo e o rio São Francisco.

O governo da Bahia, no entanto, mantém uma política de “aniquilação dos territórios tradicionais e do meio de vida tradicional do Cerrado baiano em prol de um agronegócio visando exportação”. Uma política que, “ao invés de fortalecer a agricultura familiar, que abastece a mesa das pessoas, beneficia esse sistema industrial que só enriquece pessoas de fora”, diz Isabel.

O Ministério Público e o Judiciário, por sua vez, compartilham da mesma inércia, avalia. “O MPBA vem atuando, mas os processos são muito complexos, e mesmo quando ganha, tem dificuldade em colocar em prática. O caso do Estrondo, mesmo [megaempreendimento que recebeu autorização do Inema para desmatar 27 mil hectares de Cerrado, área maior que a cidade do Recife], eles perderam em diversas instâncias, mas não se consegue fazer o Termo de Ajustamento de Conduta [TAC] que determina a criação de unidade de conservação”, conta Isabel, acrescentando que o caso Estrondo já acumula três juízes que se declaram impedidos ou suspeitos de julgarem as ações.

“Para nós o mais importante é o papel dessas comunidades para a manutenção da biodiversidade e água do cerrado. Uma fala muito forte que a gente escuta aqui é que elas estão defendendo o Cerrado com seus próprios corpos”.

Um estudo que mostra o quanto a destruição ambiental afeta drasticamente os povos que vivem nas áreas naturais cobiçadas pelo agronegócio foi publicado no ano passado pelo Instituto Mão da Terra (Imaterra), em parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), como parte do Projeto “Gestão Integrada de Paisagem Sustentável no Bioma Cerrado – Desvendando a Supressão de Vegetação Nativa nas Bacias dos Rios Grande e Corrente”, e com apoio do ISPN e do  WWF-Brasil, por meio da iniciativo Tamo de Olho, realizada no âmbito do projeto CERES, com financiamento da União Europeia. 

Intitulado “Desmatamentos irregulares no cerrado baiano: uma política de Estado”, o estudo traz números de desmatamentos e também o aumento da pobreza na região, evidenciando a desastrosa gestão socioambiental do PT nas últimas quatro gestões estaduais.

“Nosso estudo foi muito taxativo ao identificar que apesar do PIB dessa área ter crescido, o Índice de Gini, que mede efetivamente o grau de concentração de riqueza e desigualdade social, só fez aumentar. A Bahia é um dos campeões de desigualdade social”, aponta Tatiana Bichara Dantas, fundadora do Imaterra, ao lado de Margareth Peixoto Maia.  

Autorizações sem validação

Tatiana compartilha a visão de que “o Inema vem se tornando um grande gerador de conflitos no oeste da Bahia”, devido à emissão continuada de ASVs “dentro de áreas de comunidades tradicionais, algumas delas inclusive com ações discriminatórias em curso”. Ela ressalta, no entanto, que a aprovação das supressões pelo Inema carece de alguns requisitos legais.

“Quando eu falo aprovadas, na verdade, são informações que constam nos pareceres técnicos do Inema. Mas quando a gente verifica no sistema o status de aprovação, quase nenhum dos processos tiveram suas reservas legais oficialmente aprovadas no sistema. Ou seja, foram aprovadas as supressões, sem esse pré-requisito legal, que é a aprovação da reserva legal. Porque a emissão do certificado do Cefir [Cadastro Estadual Florestal de Imóveis Rurais] é autodeclaratória, caberia ao órgão ambiental validar, para verificar a sua viabilidade de localização, mas isso quase sempre não é feito”.

Outorgas

Outro estudo do Imaterra, recém-lançado, trata das outorgas de uso de recursos hídricos e trazem uma realidade ainda mais escandalosa. Tatiana conta que foram identificadas 835 outorgas para águas superficiais e subterrâneas, emitidas pelo Inema de 2007 a 2022, que somam mais de 17 bilhões de litros de água por dia nas bacias dos rios Grande e Corrente, 13 bilhões deles de água superficial.

O volume, compara, é equivalente a sete vezes o consumido pela população de todo o estado da Bahia e nove vezes a população da cidade de São Paulo. “Isso demonstra o quanto está sendo emitido de outorga sem a devida análise e monitoramento. Essa região do Cerrado abriga oito das dez bacias mais importantes do Brasil, que estão nos aquíferos do Urucuia, Bambuí e Guarani”.

Outro dado estarrecedor é que 98% da vazão outorgada nos rios Grande, Corrente e Cariranha nesse período foi destinada à irrigação. “Não foi para abastecimento humano ou dessedentação animal, conforme previsto na Política Nacional de Recursos Hídricos, como prioridade no uso das águas”, protesta.

Tatiana destaca ainda o fato de que 99,5% das captações de água subterrânea outorgadas pelo Inema estão localizadas sobre um único aquífero, o do Urucuia, “exatamente nas áreas onde existem os conflitos com as comunidades tradicionais e onde identificamos as questões de fragilidade e irregularidade em relação aos processos de desmatamento”.

O estudo sobre as outorgas ainda não incluiu uma análise quanto à conformidade legal e técnica, mas a fundadora do Imaterra afirma que já reforça o entendimento de que o Inema tem sido, também, no tocante às outorgas, um órgão que acirra os conflitos socioambientais.

“Além disso, devido a essa falta de monitoramento, de planejamento, de transparência, de comunicação e socialização com a comunidade e a sociedade, pelo enfraquecimento dos comitês, das instâncias participativas, essa gestão antiga e atual vem para consolidar todas essas fragilidades, porque isso parece que interessa aos gestores”, acusa. Mas essa visão e postura, afirma, precisam mudar.

Silêncio

A reportagem escreveu à presidente Márcia Telles e à sua assessoria de comunicação, pedindo um posicionamento em relação às denúncias de ilegalidades na emissão de ASVs, se ela reconhece as ilegalidades e se existe algum horizonte de alteração na forma como as Autorizações passarão a ser emitidas no governo de Jerônimo, mas não obteve qualquer retorno. O espaço segue aberto. 

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Comentários 4

  1. José Francisco diz:

    Esse povo petista é mesmo uma imundisse incompetente, são mais de 12 anos de mandatos petista na Bahia e a má gestão ambiental é culpa do governo Bolsonaro.


  2. Marijane Vieira Liaboa diz:

    Impressionante o relato e agora dá para entender como Casa Civil negocia as competências do MMA e do MPI sem maiores preocupações.


  3. Luiz diz:

    Lendo o texto é notório como vocês são iludidos e/ou ingênuos em relação à política. Só me resta rir…


  4. Airton Benes Silva diz:

    Bela reportagem! Mas corre sério risco de “cancelamento”…