No âmbito geral, infelizmente, a COP15 de Copenhagen foi um fracasso. O tão necessário compromisso de metas obrigatórias de redução para os países desenvolvidos não saiu. Ao invés dele, um acordo político (Acordo de Copenhagen) que estabelece boas intenções, envolve apenas uma parte dos países do mundo e mantém o caminho normal das negociações dentro da Convenção do Clima foi o resultado final. No entanto, isso não é triste novidade para ninguém, uma vez que o tema já foi extensamente abordado pela mídia e todo tipo de imprensa especializada.
O foco deste artigo é o setor florestal e discute a implementação (ou não implementação) de mecanismos para “Redução de emissões do desmatamento e degradação florestal (REDD)” em países em desenvolvimento.
Neste tema as negociações de Copenhagen avançaram ainda um pouco mais, já que vinham apresentando uma evolução gradativa no ano de 2009. Apesar do grupo de trabalho que discute REDD (AWG-LCA*) não ter finalizado suas negociações, o que adia por mais um ano principalmente a definição de como e de onde virão os recursos necessários para o REDD, o grupo que trata das questões técnicas e metodológicas (SBSTA**) teve avanços e conseguiu aprovar uma “decisão draft”.
Dentre estes avanços, podemos citar diretrizes para estabelecimento de níveis de referência de emissões (linhas de base), o reconhecimento à importância de participação dos povos indígenas nas atividades de REDD, sistemas de monitoramento, entre outros.
A definição correta e rigorosa de princípios e critérios metodológicos é extremamente importante, uma vez que tem implicações diretas no sucesso ou fracasso do mecanismo de REDD que virá a ser adotado na Convenção do Clima. A grande quantidade de visões e interesses divergentes é responsável pela morosidade nas negociações, que se arrastam lentamente desde 2005, quando o REDD foi colocado em pauta na 11a Conferência das Partes em Montreal (Canadá).
É possível dizer que estamos no caminho certo por duas razões principais: a primeira é que definitivamente o REDD está assegurado na agenda futura da Convenção do Clima, seja pelo “Acordo de Copenhagen” ou pelas negociações do AWG/LCA que acontecerão durante o ano de 2010; a segunda é que os resultados e acordos do SBSTA, somados a projetos a iniciativas demonstrativas já em andamento, nos dão clareza e segurança suficiente para avançar com atividades de REDD, seja por acordos e programas globais/multilaterais ou projetos e iniciativas bilaterais e nacionais.
Dentre os programas multilaterais podemos citar os já estabelecidos e operantes fundos para REDD da Noruega (até US$600 mi anuais), do Banco Mundial/FCPF (U$ 200 mi) e das Nações Unidas/UN-REDD1 (U$ 100Mi); e a promessa de um “Fundo Verde para o Clima” da ordem de U$ 3,5 bi, feita no pós-COP15 pelo grupo de seis países composto por Austrália, França, Reino Unido, Noruega, Estados Unidos e Japão. A maioria deste recurso (U$ 6 Bi) será destinada diretamente aos governos dos países tropicais para a estruturação e “preparação” (do inglês “readiness”) de suas estratégias de controle e monitoramento ao desmatamento, não envolvendo qualquer transação ou compensação por reduções de emissões.
Dentre as iniciativas bilaterais e projetos de REDD voltados a compensações de emissões no chamado mercado voluntário, cabe destacar um rápido desenvolvimento de iniciativas em diversas partes do mundo. Com a confirmação da inclusão do mecanismo REDD em um acordo futuro na Convenção do Clima, mesmo que contendo ainda diversas indefinições quanto a sua estrutura de funcionamento, diversas instituições começaram a desenvolver “ações demonstrativas” através de atividades e projetos piloto.
Estas atividades, que podem ser desenvolvidas em escala nacional ou subnacional, geralmente são voltadas ao mercado voluntário de carbono e podem servir como primeiro passo para a integração em um possível futuro esquema nacional. Atividades nacionais são aquelas desenvolvidas abrangendo todo o território de um determinado país, e com controle sob as mãos do governo nacional. Já aquelas desenvolvidas em escala subnacional, podem ser estaduais ou provinciais, municipais ou ainda na forma de projetos.
Estas atividades subnacionais tem uma contribuição extremamente importante, pois podem ser implementadas com maior agilidade e gerar diversas lições, no melhor sentido de “aprender fazendo”. Estas lições são relevantes não apenas por aprimorar o processo de estruturação do REDD, mas também podem agir como replicadoras em outras regiões. Ainda, tem um papel fundamental no processo de preparação (“readiness”) tanto em termos técnicos e metodológicos, como na construção de capacidades institucionais em países que ainda não têm um nível de governança suficiente para implementar esquemas de REDD em escala nacional.
Um estudo realizado pelo Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam), em parceria com a TNC Brasil em 2009, mapeou e analisou 17 projetos de REDD em andamento em 6 países (e respectivo número de projetos) da América Latina: Bolivia (1), Brasil (7), Equador (1), Guatemala (3), Paraguai (1) e Peru (4). Juntos, todos esses projetos somam uma área de 14,8 milhões de hectares (3,5 vezes o território da Dinamarca), com potencial de reduzir a emissão de até 521,2 milhões de toneladas de CO2 até 2050.
A publicação na íntegra pode ser baixada em: http://www.idesam.org.br/noticias/cop15/guia_inedito.html
Uma característica marcante dos projetos e uma potencial vantagem em relação a esquemas nacionais é sua capacidade de acessar recursos, especialmente quando consideramos a participação do setor privado. Hoje em dia é bastante raro (e difícil) desenvolver e implementar um projeto de REDD que não passe por nenhum processo de validação/verificação por padrões independentes. Estes padrões ajudam a garantir a transparência na implementação das atividades e uso dos recursos, além de garantir que o projeto traz não apenas benefícios climáticos, reduzindo efetivamente as emissões do desmatamento, mas também podem gerar outros benefícios socioambientais. Sendo assim, a implementação de projetos e ações e demonstrativas constitui uma importante etapa no caminho da construção de sistemas nacionais.
Para a implementação de REDD em escala nacional, muitos países (principalmente africanos) encontram a dificuldade de não possuírem governança total sobre seu território e nem sistemas confiáveis e transparentes para a administração de recursos internacionais para a redução do desmatamento. Muitos destes países tem um histórico de democracia bastante recente ou uma reputação não muito “confiável” em termos de corrupção, o que acaba por afastar possíveis investidores interessados em REDD.
Apesar do grande potencial de gerar reduções de emissões para as regiões onde são implementados, é necessário cautela e não criar expectativas de que projetos de REDD irão resolver todos os problemas decorrentes do desmatamento. É necessário garantir que os projetos desenvolvidos sejam robustos, transparentes e garantam o pleno envolvimento e reconhecimento dos direitos dos atores locais, gerando melhoria de qualidade de vida para as comunidades dentro e ao redor da área do projeto e garantindo que as atividades implementadas não causarão outros impactos ambientais. É essencial que se reconheça o fato de que, em muitos casos, as comunidades tradicionais e indígenas são as responsáveis diretas por diversas áreas que ainda estão preservadas e é essencial não apenas reconhecer como também recompensar estas comunidades por seus esforços de conservação.
Para a realização de projetos e atividades em escala sub-nacional é fundamental garantir que o recebimento e aplicação de recursos seja transparente e esteja sempre de acordo com as diretrizes traçadas no início do projeto. Além da transparência financeira, é necessário também um sistema de registro claro e preciso das transações dos créditos gerados. Isto evita não apenas a dupla contabilidade de um mesmo crédito, como também pode servir como passo inicial para o estabelecimento de um sistema nacional que harmonize tanto ações federais quanto ações em escala local, garantindo a contribuição, em termos de redução de emissões, de cada uma das atividades desenvolvidas no país.
Além de gerarem lições que podem ser replicadas a outros casos, estas atividades não são conflitantes com a possível migração para um sistema nacional. Pelo contrário, podem ser um primeiro passo nesta direção, pois vai aos poucos amadurecendo e construindo a base necessária para a efetiva implementação do mecanismo REDD em uma escala maior.
Ao executar estes projetos, pode-se ter uma clara idéia das dificuldades que vêm à frente e podem tomar ganhar proporção quando aplicadas em escalas maiores, e é possível ir aprimorando o processo e construindo capacidades técnicas e institucionais que serão fundamentais em uma possível implementação nacional. É preciso passar da discussão à ação, pois o caminho é longo e precisamos dar o primeiro passo.
*Ad Hoc Working Group on Long-term Cooperative Action under the Convention (AWG-LCA) – grupo que trata das ações de cooperação a longo prazo, e é o grupo de negociação política onde discute-se o tema de REDD.
**SBSTA – Subsidiary Body for Scientific and Technological Advice – Corpo Auxiliar para Conselho Científico e Tecnológico. Este grupo serve como um link entre informações e avaliações providas por experts (como IPCC) e a COP, que está focada na formulação de políticas.
***As três iniciativas mencionadas tem o objetivo principal de assessorar países em desenvolvimento na construção de capacidades (readiness) e assessorá-los em seus esforços de redução de emissões do desmatamento e degradação florestal.
Mariano Colini Cenamo é Secretário Executivo e Coordenador do Programa Mudanças Climáticas (PMC) do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam). E-mail [email protected]
Mariana Nogueira Pavan é Pesquisadora do Programa Mudanças Climáticas (PMC) do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam). E-mail [email protected]
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