A proposta da reforma tributária já tramita no Congresso Nacional há um bom tempo e, pensando nisso, ambientalistas de todo o país se reuniram e criaram sua própria proposta, chamada de reforma sustentável. Para eles, é preciso ter um sistema “tributário com regras simples e socialmente justas para que haja uma economia de baixas emissões de carbono e que isso gere novos empregos e bem-estar à população”.
Na proposta, lançada juntamente com a Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional, foram apresentados nove pontos essenciais para construir uma reforma sustentável. A primeira visa assegurar que a atual reforma do Sistema Tributário Nacional esteja em concordância com princípios socioambientais e sustentáveis e com os dispositivos constitucionais já consagrados nesse sentido. Os princípios são: prevenção do poluidor-pagador e do protetor-recebedor. De acordo com o texto, essa conjuntura se daria pelo tratamento tributário diferenciado conforme o impacto ambiental e climático.
O segundo ponto proposto tem o objetivo de melhorar a governança climática e socioambiental. Os municípios que estimularem bons resultados em melhorias de saneamento, gestão de resíduos sólidos e adaptação às mudanças climáticas, aponta o texto, terão mecanismos de compensação e transferência financeira dos recursos captados pelo imposto sobre bens e serviços.
O terceiro item do texto destaca que é preciso incentivar, com a criação de um fundo, o desenvolvimento regional sustentável, o combate às desigualdades sociais, a integração nacional e investimentos em infraestruturas econômicas sustentáveis que beneficiem povos indígenas, populações tradicionais locais e pequenos microempreendedores e agricultores familiares.
A quarta proposta dos ambientalistas é adaptar o atual Imposto Territorial Rural (ITR) conferindo a ele a função arrecadatória para os municípios e além disso, instituir a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) do uso do solo, com função extrafiscal para desestimular o uso improdutivo e insustentável do solo rural.
O quinto item proposto tem o objetivo de transformar a CIDE-combustíveis em CIDE-carbono para melhorar a efetividade, amplitude e incidência para combater a emissão de poluentes e assegurar estabilidade climática e defesa do meio ambiente, em atenção ao inciso VI do artigo 170 (sobre a livre concorrência) e o artigo 225 da Constituição.
O sexto ponto indica a necessidade de aprimorar a proposta do Imposto Seletivo Federal, explicitando a incidência sobre externalidades ambientais. A proposta é que, com isso, a lei que regulamentar o imposto possa garantir sua incidência seletiva sobre produtos e serviços que prejudiquem o clima, a saúde e o bem-estar da população.
Em sétimo lugar, o texto pontua a existência de um tratamento diferenciado para produtores e prestadores de serviços que contribuem para o clima e a sustentabilidade. Isso se daria mediante a devolução parcial do imposto sobre bens e serviços, como uma forma de incentivo para preservação do meio ambiente.
Para complementar essa ação, a oitava recomendação planeja cortar a concessão de benefícios fiscais e subsídios às atividades altamente emissoras de carbono no Brasil, ou seja, aqueles que exercem ações intensamente poluentes. O último ponto propõe que sejam estabelecidos prazos diferentes e incentivos a setores que respeitam políticas florestais, climáticas e socioambientais nacionais e internacionais.
Para entender melhor esses pontos, ((o))eco procurou André Lima, advogado ambientalista e coordenador do programa Radar Clima e Sustentabilidade do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), que foi um dos responsáveis pela articulação da reforma tributária sustentável. A entrevista você pode conferir a seguir.
((o))eco: O parlamento diante de uma proposta de reforma tributária e, até a apresentação da proposta da sociedade civil, estava ignorando o aspecto ambiental da equação. O que falta para o parlamento entender a importância de pensar um futuro de forma sustentável?
André Lima: Hoje o parlamento tem feito um bom bloqueio a propostas muito adversas à sustentabilidade. Eu sinto que, apesar de tudo, a gente tem conseguido resistir. Por mais que haja consenso da questão climática, isso ainda não é prioridade da grande maioria dos políticos, têm uns que atuam na área educacional, saúde, segurança pública, direitos humanos e acho que isso faz parte do processo de evolução da própria democracia brasileira. Acho que agora é uma boa oportunidade da gente começar a discutir essa economia verde e essa sustentabilidade.
Como a proposta de reforma tributária sustentável foi recebida?
Estamos promovendo esse debate e alguns parlamentares já estão se interessando pela proposta. Também estamos realizando reuniões com assessores dos deputados para que eles possam conhecer mais a proposta e estamos ampliando o debate para outros grupos, saindo desse aquário ambiental, mas está sendo bem recebida, com algumas dúvidas, mas estamos buscando esclarecê-las.
De que maneira a tributação pode ser utilizada para promover um futuro sustentável?
A primeira é tributando mais quem polui mais e, por outro lado, é tributar menos quem é mais sustentável. Com o que arrecada é investir mais em sustentabilidade, como por exemplo, um fundo de desenvolvimento regional sustentável e oferecimento de subsídios de créditos ligados a atividades da economia verde.
Como funcionaria a taxação de carbono?
Ela tem que ser desenvolvida gradualmente, não dá para sair tributando tudo porque tem uma série de atividades que precisam de estudos de impacto dessa taxação. Mas a princípio dos combustíveis, essa já é viável, basta uma adaptação da CIDE-combustíveis para uma CIDE-carbono, que precisa calibrar a taxa e aí precisa de análise, mas isso pode ser cobrado no preço do litro da gasolina ou do diesel.
Quais são os principais entraves que a proposta tem enfrentado?
São mais dos órgãos políticos, pois precisam ver se a reforma vai ser ampla mesmo ou se vai ficar restrita ou limitada a poucos tributos e sem grandes ousadias. Se for uma reforma mesmo, a gente avalia que é possível emplacar não necessariamente todas as proposta, mas algumas. Mas o maior obstáculo mesmo é saber se vai ser uma reforma ampla ou restrita e se teremos tempo para dar visibilidade a proposta.
Quais pontos estão mais propensos de avançar?
Eu creio que aquelas questões mais gerais, como a taxação da poluição, terão mais facilidade para aprovar. Agora a questão da taxação de agrotóxicos e da propriedade rural, sabemos que são mais difíceis de passar.
Qual impacto financeiro que essa proposta deve gerar aos cofres públicos?
Um tributo sobre carbono, por exemplo, pode chegar a arrecadar até de R$ 50 bilhões por ano e isso poderia reduzir a tributação de outros, como o próprio IBS. Alguns dados que estamos analisando, demonstram que com a proposta do IBS ecológico, pode-se distribuir, em 10 anos, algo em torno de R$ 50 bilhões aos municípios.
*André Phelipe e Erick Mota, da Agência Regra dos Terços, especial para ((o))eco
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