A sede da Reserva Natural Nascentes do Rio Açungui, localizada no município de Campo Largo, região sudeste do Paraná, foi alvo de incêndio criminoso na madrugada da última terça-feira (23). A Polícia do Estado investiga ligação do atentado com extração ilegal de madeira no local. Há cerca de um mês, os proprietários da reserva protocolaram junto à Polícia Ambiental denúncia sobre grilagem de terras, roubo de madeira e invasão de caçadores.
O fogo atingiu grande parte do prédio. Além de documentos da Fundação Tavares Ferreira, organização mantenedora da Reserva, todo o acervo de livros da propriedade foi perdido.
“O fogo foi criminoso, tudo indica a isso. [O local] tem o odor característico de querosene, a porta tem a marca do arrombamento, mas a cozinha estava íntegra, os quartos não foram revirados. Tudo está indicando que não foi crime patrimonial de furto, foi um crime de incêndio, foi um atentado”, explicou a ((o))eco o superintendente da Polícia Científica, Clóvis Pinheiro.
Segundo ele, a Polícia ainda está investigando o caso, mas já tem possíveis suspeitos do crime. “Naquela região já aconteceram fatos anteriores ligados a esse tipo de crime. O que já coletamos de informações é o suficiente para termos um bom começo”, disse.
A pena para o crime de incêndio doloso – quando há a intenção de fazê-lo – é a reclusão de três a seis anos, além de multa.
Roubo de madeira e invasões
A Reserva Natural Nascentes do Rio Açungui está localizada dentro dos limites da Área de Proteção Ambiental da Escarpa Devoniana. A área é considerada como sendo o último remanescente de florestas de araucária em confluência com o cerrado dos Campos Gerais.
Segundo o empresário e ambientalista Carlos Alberto Tavares Ferreira, diretor presidente da Fundação que mantém a Reserva e membro da família proprietária da área, as invasões e roubo de madeira acontecem com frequência.
Em fevereiro de 2022, Ferreira denunciou a tentativa de grilagem de parte de suas terras, inclusive com anúncios de venda feitos nas redes sociais.
“As pessoas simplesmente loteiam a Reserva pelo Facebook e terceiros de boa fé compram lotes de 30 mil, 40 mil metros. A gente está direto solicitando que o pessoal saia de dentro da área. O Ministério Público, os órgãos estaduais já sabem disso. Estamos pedindo providência e pedindo socorro”, disse Ferreira.
Há cerca de um mês, o roubo de madeira também foi denunciado ao Instituto Água e Terra, órgão ambiental do governo do Estado, à Polícia Ambiental e ao Ministério Público do Estado. A área que estava sendo desmatada sofreu embargo.
No início de agosto, outra denúncia oficial foi feita, de novo para o Ministério Público Estadual, sobre o uso indevido da área para a prática de rally com motos de jipes.
“Não é um jipe que estamos falando, há três meses foram 2 mil jipes passando dentro da nossa reserva, sem autorização”, explicou o ambientalista.
Segundo a denúncia feita ao MPE, a qual ((o))eco teve acesso, todos os finais de semana e feriados, diversos clubes de jipeiros e motoqueiros invadem não só a Reserva, mas grandes trechos da Escarpa Devoniana, o que causa a destruição do solo, derrubada de árvores, fumaça, lixo e barulho, além de afugentar e atropelar a fauna local.
“Já foram inúmeras denúncias, ao IAT, à Polícia Ambiental, mas continuam a praticar os crimes ambientais, e o pior, andam armados para não serem abordados”, diz trecho do documento.
Área de Proteção
A Reserva Natural Nascentes do Rio Açungui foi criada há cerca de 20 anos e ocupa uma área de cerca de 18,8 milhões de m², sendo mais de 95% preservados. Além de possuir grandes porções de florestas de araucárias, dentro da unidade funciona um Centro de Apoio e Pesquisa, que recebe pesquisadores e professores interessados em estudar a Mata Atlântica.
Na área, estão cadastradas 3.860 matrizes de árvores do bioma para coleta de sementes e, desde 2004, a reserva já atendeu vários viveiros paranaenses. Em 2021, a Embrapa Florestas entrou como parceira do projeto, para a criação do primeiro banco genético de sementes da Mata Atlântica.
Além disso, a reserva tem grande importância para fornecimento de água não só para a população do Paraná, mas também de São Paulo, já que dentro da unidade estão preservadas 396 nascentes, que fornecem água para o Vale do Ribeira.
Já a APA da Escarpa Devoniana é a maior Unidade de Conservação do Estado do Paraná, com mais de 390 mil hectares (3.900 km²). Ela abrange 13 municípios e se sobrepõe a outras dez unidades de conservação de uso mais restritivos. A APA é a principal área de proteção dos campos gerais do Paraná, vegetação de espécies de campos naturais e Cerrado.
Segundo Carlos Alberto Ferreira, da Reserva Nascentes do Rio Açungui, a intenção do criminoso ao atear fogo na sede da unidade não foi bem sucedida.
“Foi uma retaliação e uma tentativa de intimidação. Acho que a pessoa que fez isso pensou: ‘vou colocar fogo na casa, eles se sentirão intimidados e vão embora’. Mas, ao contrário, nós vamos fazer uma casa melhor, mais robusta. Não me senti de nenhuma maneira intimidado, mas o fato mostra como as ameaças a ambientalistas são generalizadas e acontecem em todo país, não só na Amazônia”, finaliza o ambientalista.
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Essa reserva de Mata Atlântica com várias araucárias centenárias na Escarpa Devoniana é um local magnífico, é onde a Fundação Tavares Ferreira desenvolve vários projetos importantes para a conservação e preservação da biodiversidade. Conheci o local e a sede a uns meses, fui a uma visita técnica e fiquei alojado exatamente nesse local que virou cinzas. Tivemos várias reuniões com a equipe técnica da Fundação e de um dos projetos o Centro de Apoio e Pesquisas CAPES. Esse crime revela como a maldade está tentando prevalecer sobre as boas práticas. Espero que as autoridades possam localizar e prender quem cometeu esse crime.