Reportagens

Reserva no Paraná é alvo de atentado após denúncia de roubo de madeira

Sede da Reserva Natural Nascentes do Rio Açungui, que abriga um dos últimos remanescentes de floresta de araucárias do estado, foi alvo de incêndio criminoso

Cristiane Prizibisczki ·
25 de agosto de 2022 · 2 anos atrás

A sede da Reserva Natural Nascentes do Rio Açungui, localizada no município de Campo Largo, região sudeste do Paraná, foi alvo de incêndio criminoso na madrugada da última terça-feira (23). A Polícia do Estado investiga ligação do atentado com extração ilegal de madeira no local. Há cerca de um mês, os proprietários da reserva protocolaram junto à Polícia Ambiental denúncia sobre grilagem de terras, roubo de madeira e invasão de caçadores.

O fogo atingiu grande parte do prédio. Além de documentos da Fundação Tavares Ferreira, organização mantenedora da Reserva, todo o acervo de livros da propriedade foi perdido.

“O fogo foi criminoso, tudo indica a isso. [O local] tem o odor característico de querosene, a porta tem a marca do arrombamento, mas a cozinha estava íntegra, os quartos não foram revirados. Tudo está indicando que não foi crime patrimonial de furto, foi um crime de incêndio, foi um atentado”, explicou a ((o))eco o superintendente da Polícia Científica, Clóvis Pinheiro.

Segundo ele, a Polícia ainda está investigando o caso, mas já tem possíveis suspeitos do crime. “Naquela região já aconteceram fatos anteriores ligados a esse tipo de crime. O que já coletamos de informações é o suficiente para termos um bom começo”, disse.

A pena para o crime de incêndio doloso – quando há a intenção de fazê-lo – é a reclusão de três a seis anos, além de multa.

Roubo de madeira e invasões

A Reserva Natural Nascentes do Rio Açungui está localizada dentro dos limites da Área de Proteção Ambiental da Escarpa Devoniana. A área é considerada como sendo o último remanescente de florestas de araucária em confluência com o cerrado dos Campos Gerais.

Segundo o empresário e ambientalista Carlos Alberto Tavares Ferreira, diretor presidente da Fundação que mantém a Reserva e membro da família proprietária da área, as invasões e roubo de madeira acontecem com frequência.

Em fevereiro de 2022, Ferreira denunciou a tentativa de grilagem de parte de suas terras, inclusive com anúncios de venda feitos nas redes sociais. 

“As pessoas simplesmente loteiam a Reserva pelo Facebook e terceiros de boa fé compram lotes de 30 mil, 40 mil metros. A gente está direto solicitando que o pessoal saia de dentro da área. O Ministério Público, os órgãos estaduais já sabem disso. Estamos pedindo providência e pedindo socorro”, disse Ferreira. 

Há cerca de um mês, o roubo de madeira também foi denunciado ao Instituto Água e Terra, órgão ambiental do governo do Estado, à Polícia Ambiental e ao Ministério Público do Estado. A área que estava sendo desmatada sofreu embargo.

No início de agosto, outra denúncia oficial foi feita, de novo para o Ministério Público Estadual, sobre o uso indevido da área para a prática de rally com motos de jipes.

“Não é um jipe que estamos falando, há três meses foram 2 mil jipes passando dentro da nossa reserva, sem autorização”, explicou o ambientalista.

Campos naturais da Escarpa Devoniana destruídos pela passagem de jipeiros. Foto: Fundação Tavares Ferreira

Segundo a denúncia feita ao MPE, a qual ((o))eco teve acesso, todos os finais de semana e feriados, diversos clubes de jipeiros e motoqueiros invadem não só a Reserva, mas grandes trechos da Escarpa Devoniana, o que causa a destruição do solo, derrubada de árvores, fumaça, lixo e barulho, além de afugentar e atropelar a fauna local.

“Já foram inúmeras denúncias, ao IAT, à Polícia Ambiental, mas continuam a praticar os crimes ambientais, e o pior, andam armados para não serem abordados”, diz trecho do documento.

Área de Proteção

A Reserva Natural Nascentes do Rio Açungui foi criada há cerca de 20 anos e ocupa uma área de cerca de 18,8 milhões de m², sendo mais de 95% preservados. Além de possuir grandes porções de florestas de araucárias, dentro da unidade funciona um Centro de Apoio e Pesquisa, que recebe pesquisadores e professores interessados em estudar a Mata Atlântica.

Reserva Natural Nascentes do Rio Açungui tem um dos últimos remanescentes de florestas de araucária. Foto: Fundação Tavares Ferreira

Na área, estão cadastradas 3.860 matrizes de árvores do bioma para coleta de sementes e, desde 2004, a reserva já atendeu vários viveiros paranaenses. Em 2021, a Embrapa Florestas entrou como parceira do projeto, para a criação do primeiro banco genético de sementes da Mata Atlântica.

Além disso, a reserva tem grande importância para fornecimento de água não só para a população do Paraná, mas também de São Paulo, já que dentro da unidade estão preservadas 396 nascentes, que fornecem água para o Vale do Ribeira.

Já a APA da Escarpa Devoniana é a maior Unidade de Conservação do Estado do Paraná, com mais de 390 mil hectares (3.900 km²). Ela abrange 13 municípios e se sobrepõe a outras dez unidades de conservação de uso mais restritivos. A APA é a principal área de proteção dos campos gerais do Paraná, vegetação de espécies de campos naturais e Cerrado.

Segundo Carlos Alberto Ferreira, da Reserva Nascentes do Rio Açungui, a intenção do criminoso ao atear fogo na sede da unidade não foi bem sucedida. 

“Foi uma retaliação e uma tentativa de intimidação. Acho que a pessoa que fez isso pensou: ‘vou colocar fogo na casa, eles se sentirão intimidados e vão embora’. Mas, ao contrário, nós vamos fazer uma casa melhor, mais robusta. Não me senti de nenhuma maneira intimidado, mas o fato mostra como as ameaças a ambientalistas são generalizadas e acontecem em todo país, não só na Amazônia”, finaliza o ambientalista.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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Comentários 1

  1. Arnaldo dos Santos Rodrigues diz:

    Essa reserva de Mata Atlântica com várias araucárias centenárias na Escarpa Devoniana é um local magnífico, é onde a Fundação Tavares Ferreira desenvolve vários projetos importantes para a conservação e preservação da biodiversidade. Conheci o local e a sede a uns meses, fui a uma visita técnica e fiquei alojado exatamente nesse local que virou cinzas. Tivemos várias reuniões com a equipe técnica da Fundação e de um dos projetos o Centro de Apoio e Pesquisas CAPES. Esse crime revela como a maldade está tentando prevalecer sobre as boas práticas. Espero que as autoridades possam localizar e prender quem cometeu esse crime.