Terra prometida das monoculturas, o Cerrado vem sendo devorado pelo agronegócio nos últimos 36 anos. Entre 1985 e 2020, o bioma perdeu 26,5 milhões de hectares de cobertura vegetal nativa – uma área maior que o estado de São Paulo – e a quase totalidade dessa perda (98,9%) foi devido ao uso agropecuário do solo, tanto para pastagens quanto para agricultura. O restante, cerca de 1%, foi perdido pela expansão urbana. Comparado à cobertura que havia em 1985, o Cerrado perdeu quase um quinto de sua área remanescente (19,8%) em apenas 36 anos.
Os dados levantados pelo MapBiomas fazem parte da série Brasil Revelado 1985-2020 e foram apresentados durante evento online realizado nesta sexta-feira (10) de manhã, no canal do Youtube do MapBiomas.
Em 2020, da área original do bioma, restavam apenas 54,4% com cobertura de vegetação nativa, enquanto outros 44,9% já estavam ocupados por usos antrópicos, principalmente por pastagens (23,7%), seguidas pela agricultura (13,2%). Apesar do gado responder pela maior parte da ocupação do bioma, a análise do MapBiomas chama atenção para o ritmo acelerado com o qual a agricultura avançou nas últimas décadas sobre o Cerrado. De 1985 até 2020, as áreas usadas pela agricultura quase quintuplicaram (460,7%) no bioma, com uma expansão de 21,6 milhões de hectares. Enquanto isso, as pastagens avançaram sobre outros 8,7 milhões de hectares no mesmo período, um aumento de 22,7%. Ao todo, a área usada pela agropecuária cresceu 26,2 milhões de hectares nesses 36 anos.
A análise destrincha ainda as perdas nos diferentes tipos de vegetação e quanto restou de cada uma delas na cobertura remanescente do Cerrado em 2020, desde a formação savânica, majoritária no bioma, com 30,3% remanescentes; às formações florestais, com 14,3%; e campestres, com 7,3%.
O estudo contemplou ainda, pela primeira vez, a categoria de campos alagados e áreas pantanosas, que ocupavam no último ano apenas 2,5% da área total do bioma, mas que compreendem ecossistemas importantíssimos como veredas, campos úmidos, áreas de brejo ou de várzea, e áreas de savana-parque (também conhecido como parque cerrado, ambiente que ocorre especialmente na Bacia do Araguaia).
O olhar inédito sobre as áreas úmidas do Cerrado revelou aos pesquisadores uma tendência preocupante: a redução constante deste tipo de cobertura nos últimos 36 anos. Entre 1985 e 2020, este tipo de cobertura vegetal perdeu 582 mil hectares, o que representa uma diminuição de 10,3% do total de áreas úmidas. A maior parte, 61%, foi devorada pelo avanço da agropecuária, mas outros 32% foram transformados em outros tipos de vegetação nativa, como campos, savanas ou florestas.
“Essas mudanças são importantes indicadoras de alterações do ponto de vista ecológico nesses sistemas, porque elas apontam que em algumas áreas está havendo perda de água nessas áreas úmidas, bem como uma transição para áreas de campo seco e de formação savânica ou mesmo um adensamento para tipos florestais, como vegetação ciliar ou ripária, e isso precisa ser investigado com maior detalhe”, destacou Dhemerson Conciani, que faz parte da equipe do MapBiomas Cerrado e que também é pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), durante o webinar de apresentação dos dados.
A perda de Cerrado por estados e a voracidade do Matopiba na última década
Na análise por estado, o campeão na perda de área de vegetação nativa de Cerrado entre 1985 e 2020 foi o Mato Grosso, com uma redução de 6,86 milhões de hectares – o equivalente a 1,5 vezes o estado do Rio de Janeiro. O estado é seguido por Goiás, com menos 4,04 milhões de hectares de área de Cerrado; Mato Grosso do Sul, com menos 3,44 milhões de hectares; Tocantins, com menos 3,19 milhões; e Minas Gerais, com menos 2,56 milhões. No período analisado (1985-2020), dos 13 estados em que há ocorrência de Cerrado, houve diminuição de área de vegetação nativa em todos, com exceção do Paraná (onde o bioma ocorre de forma restrita ao norte do estado), que registrou um pequeno acréscimo de 20 mil hectares na cobertura do bioma e teve a situação considerada estável (veja o ranking completo na tabela abaixo).
Com um recorte temporal mais recente, entretanto, a relação dos estados muda um pouco e mostra a força do avanço agropecuário ao norte do bioma, em especial na região conhecida como Matopiba, fronteira de extensão agrícola que compreende quatro estados (cujas siglas dão nome à região): Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Na última década (2010-2020), os quatro juntos protagonizaram uma perda de 3,23 milhões de hectares de Cerrado no país, mais da metade do total perdido pelo bioma no período, que foi 6,04 milhões de hectares.
O Tocantins foi quem liderou a redução de vegetação nativa, com a destruição de 1,11 milhão de hectares de Cerrado, seguido pelo Maranhão, com 890 mil hectares. Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso completam o ranking dos cinco maiores desmatadores de Cerrado, seguidos por Bahia e Piauí, que completam a fronteira em expansão do Matopiba.
“Os dados mostram claramente que há um processo acelerado de conversão de áreas naturais no Matopiba, tal como foi observado anteriormente em outros estados do Cerrado”, explica a coordenadora científica do MapBiomas, Julia Shimbo.
Na última década, houve diminuição de vegetação nativa em 11 dos 13 estados em que há Cerrado. Os únicos que apresentaram estabilidade foram Paraná e Rondônia, onde o bioma ocorre na porção sul do estado.
A série histórica de 1985 a 2020 confirma a substituição do Cerrado pelo pasto e pela agricultura. De acordo com o levantamento do MapBiomas, nos últimos 36 anos, a agropecuária ampliou seus domínios sobre 8,2 milhões de hectares apenas na região do Matopiba, quase um terço do total registrado no bioma. Em termos relativos, o aumento é ainda mais expressivo, especialmente na Bahia, onde a área usada pela agropecuária mais que quintuplicou no período. A tendência se repete nos outros estados do Matopiba: no Piauí o aumento foi de 3,2 vezes; no Maranhão de 2,6 vezes; e no Tocantins a área de pastagens e agricultura dobrou entre 1985 e 2020.
Na quarta-feira (08), o MapBiomas já havia apresentado os dados da série histórica (1985-2020) para a Amazônia, que revelaram que o bioma perdeu 44,5 milhões de hectares nos últimos 36 anos, sendo 99% também pelo avanço da agropecuária.
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Erro de digitação na tabela, Matheus! Na verdade em SP foi 0,09 hectares. Vamos ajustar. Obrigada pela leitura atenta
segundo o ranking, tocantins lidera com 1,11 milhões de hectares perdidos e após vem São Paulo com 900 mil hectares*, depois vem Maranhão em 3º.