Os estados da Amazônia Legal estão entre as principais origens dos bolsonaristas financiadores e participantes dos ataques terroristas realizados no domingo, 8 de janeiro, nos três prédios-sedes dos Poderes da República, em Brasília. Conforme as primeiras informações divulgadas, parte dos presos declarou ter tido suas viagens até a capital federal bancadas por “gente do agro” do Pará, de Rondônia e de Mato Grosso. Os três estados, não por acaso, são os principais redutos do bolsonarismo na região.
Em Rondônia e Mato Grosso, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi o mais votado nas eleições de 2022. Já no Pará, o petista Luiz Inácio Lula da Silva foi o vitorioso, mas com o interior do estado dando mais votos a Bolsonaro. Também não por coincidência, os três estados são os líderes no ranking da prática de crimes ambientais, nas primeiras posições de desmatamento e queimadas na Amazônia.
Durante os quatro anos de governo Bolsonaro, o desmonte da política de proteção ambiental – simbolizada pela célebre frase de “deixar a boiada passar”, proferida pelo ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles – facilitou a prática de crimes como invasões de terras públicas para grilagem, o roubo de madeira e o garimpo na Amazônia.
Desde o início da cobertura das eleições de 2022, em agosto, ((o))eco produziu uma série de reportagens mostrando a resistência do bolsonarismo na região. Essa força está consolidada desde as eleições de 2018, quando Bolsonaro já tinha sido o campeão de votos. Em estados como Acre e Roraima, por exemplo, o então candidato do PSL teve mais de 70% dos votos válidos – o que se repetiu no ano passado.
São nestes estados onde também estão identificados os financiadores e interlocutores políticos para as manifestações golpistas em Brasília. Foi também nestes rincões bolsonaristas onde por mais tempo perduram os bloqueios de rodovias e acampamentos montados em frente aos quartéis do Exército.
Em 15 de dezembro, a Polícia Federal foi às ruas de oito estados do país cumprir 81 mandados de prisão contra suspeitos de fomentar e financiar os atos golpistas. Destes, 42 foram cumpridos em estados da Amazônia Legal. Dias antes, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, tinha determinado o afastamento do prefeito de Tapurah, Carlos Capeletti (PSD). Ele é acusado de incentivar empresários e fazendeiros a financiarem a ida de apoiadores de Bolsonaro para participar de atos golpistas em Brasília, sobretudo ocupar a frente do Quartel-General do Exército para pedir intervenção militar no país. O acampamento foi desmobilizado por decisão de Alexandre de Moraes, proferida após os atos terroristas na Praça dos Três Poderes, ocorridos no último domingo. Em capitais como Rio Branco (AC), Porto Velho (RO), Belém (PA) e Cuiabá (MT), os golpistas também foram retirados de frente dos batalhões do Exército.
Os ataques de 8 de janeiro aos prédios dos três Poderes agora parecem consolidar os estados da Amazônia Legal como o reduto e fonte de financiamento deste bolsonarismo mais radical – o que não causa nenhuma surpresa para quem acompanha a política regional mais de perto ao longo de, pelo menos, os últimos cinco anos.
Para o cientista político Nilson Euclides da Silva, da Universidade Federal do Acre (Ufac), ao menos três aspectos podem explicar a força do bolsonarismo na Amazônia Legal: o econômico, o cultural e o religioso, por meio do avanço das igrejas neopentecostais.
“Já há algumas décadas a Amazônia é o alvo de avanço do agronegócio, de um agronegócio do século 19 que quer expandir a fronteira agrícola por meio da destruição, da troca da cobertura florestal por pasto. Além do agronegócio há o avanço de outras atividades ilegais como roubo de madeira, o garimpo e a invasão de terras”, afirma Euclides.
Na análise do cientista, ao ocorrer estes avanços de atividades econômicas “estranhas” aos aspectos naturais do bioma amazônico, há uma mudança estética-cultural na região. Essa alteração, explica ele, está na incorporação da cultura sertaneja, country, nos costumes da população local, seja por meio da música, da vestimenta e da gastronomia.
“Essa ideologia cultural é imposta por uma categoria, por uma classe social com grande influência econômica e social. Isso se desdobra na estética, no estereótipo do homem do agronegócio bem-sucedido. Essa é uma realidade bem distante da vida do verdadeiro amazônida”, ressalta ele.
“O bolsonarismo é um combo que traz em si a tentativa de legalizar aquilo que é ilegal, e de atacar qualquer postura que vá contra essa postura antiambiental, anti-indígena, antipreservacionista. Não à toa esse discurso vai se consolidar entre o eleitorado acreano, mato-grossense, rondoniense, paraense. Estes setores do agronegócio financiam essa visão de mundo.”
E, assim, diante de uma realidade social ainda marcada por indicadores econômicos baixos, o bolsonarismo encontra na Amazônia Legal um território fértil para a sua expansão. Os atentados de 8 de janeiro, sendo fomentado por “gente do agro” dos estados da região, clarifica bem esse fenômeno político e social.
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