Reportagens

Mesmo com derrota, bolsonarismo ainda mantém resistência na Amazônia

Além de protestos em estradas, apoiadores de Bolsonaro ocuparam - e ocupam - a frente de quartéis do Exército pedindo intervenção Militar; em alguns desses estados, Bolsonaro obteve mais de 70% da votação

Fabio Pontes ·
10 de novembro de 2022 · 1 anos atrás

Passada mais de uma semana desde o fim da votação do segundo turno das eleições gerais de 2022, apoiadores do presidente e candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL), continuam a fazer protestos contra o resultado das urnas em alguns estados da Amazônia Legal. A região é onde o bolsonarismo ainda mostra bastante resistência. Em estados como Acre, Roraima e Rondônia, por exemplo, Bolsonaro obteve mais de 70% dos votos válidos. 

Em Rio Branco, bolsonaristas estão acampados desde a semana passada em frente ao 4o Batalhão de Infantaria de Selva (BIS), sede do Exército no Acre, reivindicando pautas golpistas. Aos gritos, eles pedem intervenção militar das Forças Armadas para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito no último dia 30 de outubro, ao cargo de presidente da República. 

A partir de uma ação movida pelo Ministério Público Estadual, o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), determinou que a Polícia Militar do Acre adotasse medidas para desobstruir as vias que dão acesso ao quartel do Exército. A manifestação impedia a livre circulação dos moradores do entorno. 

Os bolsonaristas deixaram as ruas, mas estão acampados nas calçadas. Grades foram colocadas para impedir que eles voltassem a atrapalhar o trânsito. Na semana passada, caminhoneiros bloquearam as rodovias federais que cruzam o estado. Num dos casos emblemáticos, um sargento da PM foi carregado nos braços pelos manifestantes ao dizer que apoiava o movimento. O MP solicitou a abertura de inquérito policial militar para apurar a conduta do agente. 

A Procuradoria Geral de Justiça também pediu à Polícia Federal abertura de investigação para identificar os líderes dos protestos anti-democráticos no Acre, incluindo os realizados em frente ao comando do Exército. 

Se no Acre não há bloqueios nas rodovias, o mesmo não acontece na vizinha Rondônia. Até terça-feira, 8, a Polícia Rodoviária Federal tinha identificado seis pontos de interrupção na BR-364. Policiais da Força Nacional foram enviados para ajudar nas ações de liberação dos trechos bloqueados. 

De acordo com o G1/RO, todos os pontos interditados foram desobstruídos, com manifestantes voltando a fechar a rodovia no município de Vilhena. Ao todo, Rondônia ficou com três estradas federais fechadas (364, 429 e 425) por nove dias. Em Porto Velho, bolsonaristas fizeram manifestações nos quartéis do Exército. 

O Pará também ainda apresentava, essa semana, trechos de estradas interditadas por apoiadores de Bolsonaro inconformados com o resultado das urnas. A BR-163, na altura de Novo Progresso, era uma das áreas críticas. A situação mais grave foi na segunda-feira, 7, quando agentes da PRF, enviados para liberar a estrada, foram atacados a tiros, pedras e paus. 

Castanheira tombada por bolsonaristas na BR-163. Foto: Reprodução/Twitter

Até uma castanheira, espécie de árvore protegida por lei, foi derrubada para impedir o tráfego de veículos. Já na capital Belém, agentes da prefeitura e estado liberaram a avenida em frente ao 2o BIS. Eles estavam há oito dias acampados em frente ao quartel do Exército pedindo intervenção militar. 

Bolsonaristas fazem protestos também em frente aos quartéis de Manaus, cidade amazônica com a maior concentração de unidades militares. É lá onde está o Comando Militar da Amazônia (CMA), que gerencia a atuação do Exército em grande parte da região. E foi exatamente em frente ao CMA que os golpistas realizavam protestos, com alguns deles acampando nas calçadas do entorno.

Todas essas manifestações mostram a resistência do bolsonarismo na Amazônia Legal. Além da expressiva votação de Bolsonaro, a maioria dos governadores e senadores eleitos na região é – até o presente momento –  aliada ao presidente ainda no cargo. 

O silêncio da maioria deles, ao não condenar as manifestações golpistas, acaba por servir como um estímulo. A não condenação é uma estratégia de sobrevivência política e eleitoral em território predominantemente bolsonarista. A maior parte foi eleita em 2018 e reeleita em 2022 puxada pela força do bolsonarismo. 

“Enquanto Bolsonaro foi presidente, ele alimentava esse movimento bolsonarista , e era alimentado por ele. Ele foi um ponto de convergência. Os mais diversos movimentos bolsonaristas, nos mais diversos estados, tinham nele uma referência, porém, agora, eles perderam essa referência”, comenta o cientista político Israel Souza, professor do Instituto Federal do Acre, Ifac. 

Crimes ambientais e o silêncio conveniente

Essa muralha bolsonarista que ainda se sustenta na região pode representar um dos principais desafios para a retomada da política de fiscalização e combate aos crimes ambientais na Amazônia. Com muitos grupos de criminosos ambientais tendo acesso facilitado às armas durante o governo Bolsonaro, não está descartada a possibilidade de confrontos durante as operações. 

O afrouxamento e, em muitos casos, até o fim das fiscalizações de órgãos como Ibama e ICMBio, é um dos principais fatores de popularidade de Jair Bolsonaro na região, sobretudo nas áreas rurais. Atividades criminosas como garimpo, grilagem e extração ilegal de madeira foram as principais beneficiadas pela política anti-ambiental do atual governo. 

Já nas cidades, o ainda fortíssimo sentimento anti-PT garante forças ao bolsonarismo. O crescimento e grande influência das igrejas evangélicas, com sua agenda conservadora nos princípios morais, é o que torna Jair Bolsonaro  um dos políticos com maior força eleitoral dentro da Amazônia Legal.

  • Fabio Pontes

    Fabio Pontes é jornalista com atuação na Amazônia, especializado nas coberturas das questões que envolvem o bioma desde 2010.

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