“Eu recomendei para que evitasse a realização deste evento aqui no Brasil. Até porque […] tá em jogo o triplo AAA neste acordo”. Foi com esta declaração, dada na última quarta-feira (28), que o presidente eleito Jair Bolsonaro confirmou que partiu dele a orientação para que o Brasil não sediasse a 25ª reunião da Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP 25.
No mesmo dia, o Ministério das Relações Exteriores havia divulgado nota na qual anunciava que governo brasileiro decidira retirar a oferta para receber a conferência no ano que vem.
“O que é o Triplo AAA?”, perguntou Bolsonaro diante dos jornalistas. “É uma grande faixa, que pega do Andes, Amazônia e Atlântico, de 136 milhões de hectares, ao longo da calha do Rio Solimões e do Amazonas, que poderá fazer com que percamos a nossa soberania nessa área”, ele mesmo respondeu. Bolsonaro também alegou que os custos para o Brasil receber a conferência eram muito altos, especialmente em um momento de crise fiscal.
Mas afinal, qual a relação do Triplo AAA, que propõe a criação de um corredor ecológico ligando as regiões andina e amazônica, com as discussões das conferências do clima da ONU? Nenhuma, segundo o próprio governo brasileiro. Questionado pelo ((o))eco, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) enviou a seguinte resposta por e-mail: “a ideia do Projeto Triplo A não está listada em nenhuma das agendas da COP ou há referência no compromisso brasileiro sobre o Acordo de Paris”.
“Pode servir para meme no Whatsapp, mas para a economia é um desastre”
Carlos Rittl acompanha as negociações das conferências do clima da ONU desde 2005. Ao longo destes 13 anos, ele só não esteve presente em 3 COPs. “Eu jamais ouvi falar, em qualquer evento, reunião, nos corredores ou no material divulgado, em qualquer COP da qual participei, algo sobre este projeto do Triplo AAA”, afirma o Secretário-executivo do Observatório do Clima, entidade que reúne 26 organizações da sociedade civil.
Como ((o))eco mostrou em 2017, o Triplo AAA foi um projeto capitaneado pela Fundação Gaia Amazonas, com sede na Colômbia, e de fato foi pensado como uma contribuição que a América Latina poderia levar para fóruns como as conferências de mudanças climáticas da ONU. O único governo que comprou a ideia, no entanto, foi o colombiano. E mais: o modo como a proposta chegou à então presidente Dilma Roussef (PT) ‒ através da imprensa e não das vias diplomáticas ‒ de cara azedou a receptividade do Brasil.
“Do ponto de vista ecológico a ideia é muito boa, do ponto de vista político ela sequer existe”, afirma Carlos Rittl. Para Rittl, a declaração de Jair Bolsonaro é ao mesmo tempo assustadora e constrangedora, ao revelar o grau de desinformação do presidente eleito sobre o Acordo de Paris.
No acordo, assinado em 2015 na França, o Brasil se comprometeu a reduzir a emissão de gases do efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, até 2025. Compete apenas ao Brasil definir quais medidas serão adotadas para cumprir esta meta. Entre as medidas listadas no documento entregue pela delegação brasileira (a chamada pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada), estão investimentos em energias renováveis e a restauração de florestas. Em nenhum momento o documento cita o Triplo AAA.
O projeto do corredor ecológico também não consta no documento final do Acordo de Paris, nem no relatório final da última conferência (COP 23), ocorrida em novembro de 2017 na Alemanha.
“Isso aí pode servir para meme no Whatsapp, mas para a economia do Brasil, pra imagem do país e para comercialização das commodities brasileiras é sem dúvida um desastre”, afirma o Secretário-executivo do Observatório do Clima.
Um dia depois das declarações de Bolsonaro, o Brasil já teve uma pequena prova do preço a pagar por uma possível retirada das negociações sobre mudanças climáticas. O presidente da França, Emmanuel Macron, disse que a assinatura de um acordo comercial entre União Europeia e Mercosul depende do apoio do governo brasileiro ao Acordo de Paris.
“O Brasil não é os EUA”, afirma Rittl, ao lembrar da decisão de Donald Trump de deixar o Acordo de Paris. “O Brasil só é um ator de peso no multilateralismo na agenda de clima e meio ambiente. São as únicas duas agendas em que o Brasil tem protagonismo. Vamos sofrer consequências muito severas se sairmos do Acordo de Paris, até porque grande parte de nossa produção é de commodities, e os países que compram do Brasil cobram compromissos ambientais”.
Pesquisador aposentado do Inpe, Luiz Gylvan Meira Filho acompanha as discussões sobre mudanças climáticas há ainda mais tempo. O primeiro presidente da Agência Espacial Brasileira foi co-presidente e vice-presidente do Grupo de Trabalho Científico do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), e antes mesmo da assinatura do protocolo de Kyoto já participava da delegação brasileira que negociava junto à ONU.
Gylvan compreende que presidente eleito não queira realizar a COP 25 no Brasil por uma questão de economia de recursos: “Se um país convidar para sediar uma COP, tem que pagar os custos adicionais, e eu entendo que os custos estimados estavam muito altos”.
Mas em relação ao Triplo AAA, afirma que o projeto do corredor ecológico nunca foi discutido dentro das negociações do acordo do clima: “Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”. Assim como Rittl, Meira Filho lembra que os compromissos que o Brasil assumiu diante da COP são totalmente voluntários.
Para ele, a defesa da soberania do Brasil está justamente associada à manutenção no Acordo de Paris: “O Brasil é responsável por 2% do aumento de temperatura do mundo atualmente. Por patriotismo, na defesa dos interesses da população brasileira, o Brasil toma medidas para controlar as emissões e insiste que os outros países também o façam. E o Acordo de Paris é o mecanismo para insistir que os outros façam a sua parte”.
Enquanto isso, na Polônia, teve início neste domingo (2) a COP 24. Entre os principais desafios da Conferência está a criação do livro de regras do Acordo de Paris, que vai dizer exatamente como será cumprida a meta de limitar o aquecimento da Terra a até 2ºC até o fim do século.
Os 195 países signatários também vão discutir de que forma os países desenvolvidos vão cumprir o compromisso de investir US$ 100 bilhões por ano até 2020 para ajudar a mitigar os efeitos do aquecimento global em nações menos desenvolvidas.
A reportagem entrou em contato com o Ministério das Relações Exteriores, que não quis se manifestar. ((o))eco não conseguiu contato com a Fundação Gaia Amazonas.
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Me choco com o nível dos comentários aqui. Um monte de gente que não lê o eco e vem só pra comentar? Ou é só burro e incapaz de entender o que lê mesmo?
"Nooosssa, chocado com os comentários! Só minha opinião vale! Viu mãe, como sou superior a todo mundo!". "Parabéns! Toma aqui seu nescau, meu filho!"
Esse negócio de triplex-AAA (não podia perder a piada! kkk) não ecziste, como diria o Padre Quevedo! Mas uma coisa é certa: tem que acabar com o tal do ChicoBio, aí sim é uma ONGada braba!
Que piada engraçada, deve ser o próprio tiozão do pavê nas festinhas de família!!!
Vamos criticar o governo que não tomou posse ainda usando falas do governo atual. Ficou muito bom o "contraditório". Matéria do primeiro ano do curso de jornalismo.
Você sequer sabe ler a matéria? Usou falas do presidente eleito. Graças a pedido dele que não vamos sediar o evento. Um pouco de interpretação de texto faria bem.
A matéria é exatamente sobre as medidas do próximo governo, com falas do presidente eleito. E o contraponto é feito por quem trabalha agora e entende do metiê. Ouvir todos os lados envolvidos é premissa básica do jornalismo. Se isso pra vc é coisa de calouro, melhor continuar se "informando" com os memes do Zap mesmo.
Poderia contrapor com a equipe de transição, cara desinformada. Eu justamente disse que é PRA OUVIR OS LADOS, se vc consegue interpretar um texto. O contraditório é justamente com quem está sendo "acusado". Se é o novo governo, a equipe de transição tem que ser ouvida. Vc que está precisando voltar pra escola, antes de acusar de me informar por memes.