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Uma tartaruga paraense: pesquisadores descobrem espécie restrita ao Pará

Batizada de perema-do-pará por sua ocorrência limitada ao sudeste do estado, a nova espécie ocorre em uma das áreas mais devastadas da Amazônia, o Arco do Desmatamento

Duda Menegassi ·
20 de janeiro de 2023 · 1 anos atrás

Em mais uma prova de que ainda há muito para ser desvendado sobre a biodiversidade da Amazônia, pesquisadores descreveram uma nova espécie de tartaruga de água doce no bioma. Batizada de perema-do-pará por ter sua distribuição conhecida restrita a riachos no sudeste do estado paraense, a tartaruga vive em uma das regiões mais impactadas da Amazônia: o Arco do Desmatamento.

O artigo que descreve a perema-do-pará (Mesoclemmys sabiniparaensis) foi publicado em dezembro na revista científica internacional Chelonian Conservation and Biology, com autoria de sete pesquisadores. 

A descoberta é fruto de um trabalho que começou em 2018, a partir da coleção do Museu Paraense Emílio Goeldi. “Já estávamos em processo de descrição de uma nova espécie, também da Amazônia, mas da região do Baixo-Amazonas, quando ao estudar os animais depositados no Museu Emílio Goeldi, encontramos um grupo de tartarugas muito semelhantes entre si e completamente diferente de tudo que se conhecia, até aquele momento. Foi algo de saltar os olhos”, conta o biólogo Fábio Andrew Gomes Cunha, da Universidade Federal do Pará (UFPA), que liderou a pesquisa. 

Entre as diferenças está o tamanho. A perema-do-pará é o menor membro conhecido do seu gênero (Mesoclemmys), com comprimento médio do casco de menos de 15 centímetros – menor que um lápis. Sua carapaça na cor preta, assim como o topo da cabeça e das patas, contrasta com o amarelo pálido na parte de baixo do seu corpo. 

A perema-do-pará (Mesoclemmys sabiniparaensis) é menor que um lápis. Foto: M. Hoogmoed.

Instigados por esta primeira percepção visual, os pesquisadores conduziram análises genéticas, morfológicas e anatômicas para confirmar as diferenças em comparação com as outras tartarugas já conhecidas do mesmo gênero.

O biólogo explica que descrever uma nova espécie para ciência é um processo lento, com muitos detalhes, por isso a demora de quatro anos entre o “achado” e a publicação. “A gente percebe que a velocidade com que as nossas atividades impactam negativamente a natureza é muito maior do que a velocidade com a que estamos conhecendo a diversidade de uma região, ou seja, estamos destruindo sem sequer conhecer”, alerta Fábio.

O estado do Pará possui as taxas de desmatamento mais altas da Amazônia Legal ano após ano, de forma consecutiva. Apenas no último ano, de acordo com dados do Prodes (INPE), o estado desmatou 4.141km². Essa perda do dossel da floresta é um fator decisivo no declínio das tartarugas de água doce, em especial aquelas que dependem de riachos e poças em áreas de floresta primária.

Os seis espécimes analisados da pequena tartaruga foram coletados em 2011, num igarapé de fundo arenoso e pedregoso, na sub-bacia do rio Araguaia, próximo ao Parque Estadual da Serra das Andorinhas – criado em 1996, com 24 mil hectares –, no município paraense de São Geraldo do Araguaia. Os exemplares estavam depositados no Goeldi desde então, anônimos para ciência.

De acordo com Fábio, está prevista uma ida a campo na região em fevereiro, para tentar achar a tartaruga na natureza e entender sua situação, e aprofundar a pesquisa sobre aspectos da ecologia e comportamento da espécie, pressionada por seu habitat sobreposto à devastação do Arco do Desmatamento.

Os futuros estudos podem indicar a necessidade de intervenções e novas estratégias para garantir a conservação da perema-do-pará, destacam os pesquisadores no artigo.

Brasil no pódio da diversidade de tartarugas

De acordo com o herpetólogo americano Russell Mittermeier, diretor de Conservação da Re:wild e um dos autores do artigo, “essa nova espécie, junto com outra recentemente descrita por Cunha e colegas [a Mesoclemmys jurutiense], põe o Brasil em quarto lugar na diversidade de espécies de tartarugas no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, México e Índia”.

Os números brasileiros, com a recente inclusão da perema-do-pará, somam um total de 39 espécies de tartarugas, sendo 34 de água doce e cinco marinhas. Líder do ranking global, os Estados Unidos possuem 88 táxons de tartarugas – entre espécies e subespécies –, já o México possui 65 e a Índia 40, conforme detalham Mittermeier e o herpetólogo Anders Rhodin, outro pesquisador que participou da descrição da perema-do-pará.

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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