Salada Verde

Privatizar praias bombará a ocupação de regiões como a ilha de Boipeba, na Bahia

Polêmico projeto tramita em comissão do Senado sob relatoria de Flávio Bolsonaro, que sonha com uma “Cancún brasileira”

Aldem Bourscheit ·
7 de junho de 2024
Salada Verde
Sua porção fresquinha de informações sobre o meio ambiente

Após tramitar no Congresso por 11 anos, conforme detalhou ((o))eco, e hoje relatada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), uma proposta de emenda à Constituição (PEC 3/2022)  pode “privatizar” as praias do país. O texto inicial é dos ex-deputados Arnaldo Jordy (PPS-PA), José Chaves (PTB-PE) e Zoinho (PR-RJ).

O texto do projeto transfere o domínio federal de terrenos próximos à costa, inclusive áreas da Marinha, para estados, municípios e proprietários privados. Assim, abre brechas para bloquear as praias àqueles que não quiserem ou não puderem pagar as taxas de acesso que sejam fixadas.

Além de ameaçar o uso popular do litoral, hoje livre ao longo de quase todos os nossos 12 mil km de costa – excetuando trechos já bloqueados por condomínios e afins –, o projeto estimularia a grilagem de terras, a expulsão de povoados tradicionais e a especulação imobiliária que, juntos, podem espalhar obras em áreas litorâneas, como na ilha baiana de Boipeba.

Ela é uma das porções mais bem preservadas de toda a Mata Atlântica brasileira, mantida assim sobretudo pela contida ocupação humana e pela presença histórica de quilombolas, pescadores, extrativistas e outras populações tradicionais. ((o))eco acompanha o caso desde 2019.

Pesca, agricultura familiar, cata de frutas, caranguejos e outros crustáceos são atividades tradicionais que ajudam a conservar a natureza de Boipeba. Foto: Fellipe Abreu/Mongabay Brasil/O Eco

O sul da ilha, ou quase 20% de seu território, pode receber um condomínio de luxo desenhado por grandes empresários. O Governo Baiano licenciou no local 67 residências, 2 pousadas de 25 quartos, pista de pouso, trilhas e estação para tratamento de resíduos. Um empreendimento questionado do nível federal ao local.

A Secretaria de Patrimônio da União (SPU) embargou a obra e afirma que a autorização estadual e o projeto turístico-imobiliário são ilegais por tentarem parcelar aquelas terras públicas federais, cujo destino prioritário seria servir à preservação da natureza e às comunidades tradicionais. 

O Ministério Público Federal (MPF) abriu um inquérito sobre supostas ilegalidades na ocupação generalizada de terras no arquipélago de Cairu, onde está Boipeba, e questiona como o condomínio afetará quilombolas, pescadores e outras pessoas que mais dependem da natureza conservada.

Já o movimento popular Salve Boipeba reforça localmente os alertas das entidades federais de que o empreendimento reforçará a tomada de territórios comunitários, a ocupação e destruição de Boipeba e da Mata Atlântica. Confira aqui reportagem especial de ((o))eco em parceria com o Mongabay Brasil.

Boipeba é uma amostra viva dos ambientes primordiais da Mata Atlântica brasileira. Foto: Beto Quissak/Creative Commons

Sob protestos de conservacionistas, entidades civis, cientistas, populações tradicionais e indígenas, a proposta que pode privatizar o litoral brasileiro tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. A proposta atende igualmente ao lobby para construção de cassinos litorâneos.

O relator da proposta naquela CCJ, Flávio Bolsonaro (PL-RJ), nega que a proposta privatize a costa brasileira e, em reportagem de ((o))eco, aponta a eventual geração de empregos como justificativa. “Na verdade, o objetivo de todos nós aqui tem que ser a geração de empregos. Não a qualquer custo, como essa PEC não está permitindo”, defendeu. 

O senador já assinou outras propostas anti-ambientais, como a extinção da Estação Ecológica de Tamoios, onde seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, foi multado por pesca ilegal, e a municipalização desta e outras unidades de conservação no litoral do estado do Rio de Janeiro. A iniciativa recebeu a alcunha de “Cancún brasileira”, uma alusão à região mexicana loteada de resorts, cassinos, condomínios e festas badaladas.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista brasilo-luxemburguês cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Sel...

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Comentários 2

  1. CLaudia diz:

    Imagina se o Flávio Bolsonaro proporia algo bom para o povo… Daquele corpo alí, só vem desgraça, usurpação dos cofres públicos e exploração dos mais pobres.


  2. LPF diz:

    A solução pro nosso povo eu vou dá
    Negócio bom assim ninguém nunca viu
    ‘Tá tudo pronto aqui é só vim pegar
    A solução é alugar o Brasil
    Nós não vamo paga nada
    Nós não vamo paga nada
    É tudo free
    Tá na hora agora é free
    Vamo embora
    Dá lugar pros gringo entrar
    Esse imóvel tá pra alugar ah ah ah ah
    Os estrangeiros eu sei que eles vão gostar
    Tem o Atlântico tem vista pro mar
    A Amazônia é o jardim do quintal
    E o dólar dele paga o nosso mingau
    Nós não vamo paga nada
    Nós não vamo paga nada
    É tudo free
    ‘Tá na hora agora é free
    Vamo embora
    Dá lugar pros gringo entrar
    Pois esse imóvel está pra alugar, alugar ei
    Grande soluça, uh ei
    Nós não vamo paga nada
    Nós não vamo paga nada
    Agora é free
    ‘Tá na hora é tudo free
    Vamo embora
    Dá lugar pros outro entrar
    Pois esse imóvel tá pra alugar ah ah ah ah
    Nós não vamo paga nada
    Nós não vamo paga nada
    Agora é free
    ‘Tá na hora é tudo free
    Vamo embora
    Dá lugar pros gringos entrar
    Pois esse imóvel
    Está pra alugar
    Está pra alugar meu Deus
    Nós não vamo paga nada
    Nós não vamo paga nada
    É absulamente free, tá na hora
    É tudo free, vamo embora
    Raul Seixas