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África, uma aventura na rota da grande migração

Viajar pelas rotas da migração dos gnus, em áreas protegidas do Quênia e Tanzânia é ver ao vivo e de perto a força da natureza.

21 de setembro de 2013 · 11 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

Introdução

Quatro dos membros do Conselho de Administração da Associação O Eco, inclusive a sua Presidente, decidiram participar juntos de uma viagem pelas rotas da migração dos gnus em áreas protegidas de Quênia e Tanzânia. Este é um brevíssimo relato ilustrado do que viram e experimentaram.

O percurso

A viagem ocorreu no fim de agosto e começo de setembro e se iniciou em Nairóbi. Todo o trajeto entre Nairóbi, no Quênia, e Arusha, na Tanzânia, foi feito em caminhonetes. Mais de 1.500 quilômetros foram percorridos incluindo as visitas diárias. O grupo pernoitou quase sempre em barracas, umas bem cômodas, outras nem tanto.

As visitas se realizaram na Área de Conservação Masai Mara, na Reserva de Fauna Masai Mara (Quênia), no Parque Nacional Serengueti, na Área de Conservação da Cratera do Ngorongoro e no Parque Nacional Tarangire (Tanzânia). Toda a viagem foi cuidadosamente planejada com o guia para evitar locais com aglomeração de turistas e para podermos apreciar espetáculos particularmente difíceis para o visitante que não é da área.

A viagem foi pesada. Mais de 11 horas diárias de caminhonete incômoda por rotas poeirentas e cheias de buracos, sob um calor infernal, exceto nas madrugadas, frias demais. A chamada era indefectivelmente as 5h30min da matina, ou antes, e a saída nunca depois das 7h, em geral às 6h30. Nunca voltamos ao acampamento antes das 18h30.

Nas barracas raramente havia água suficiente para um bom banho antes de irmos para a cama e jamais sobrava água para um banho matutino. Satisfazer necessidades fisiológicas no mato é perigoso e os guias as coíbem com as consequentes incomodidades para os viajantes. A comida, de outra parte, só raras vezes foi de boa qualidade e, em geral, em especial nas lancheiras diárias, é apenas sofrível.

Mas, declaramos, de forma unânime, sem dúvidas ou murmurações, que o esforço e o custo valeram a pena. Que recomendamos a todos e qualquer um que realmente goste da natureza viver essa experiência. Como me escreveu o nosso querido e respeitado Almirante Ibsen de Gusmão Câmara, a África de hoje é apenas um pálido reflexo do que existiu há dez mil anos no Brasil. Visitar esse continente é indispensável para se compreender a nossa América do Sul.

A pior experiência da viagem foi, sem dúvida, a invasão da barraca de Miguel e Sineia por milhares de formigas militares ou legionárias (Dorylus). Durante a madrugada. Miguel sonhou com formigas na cara. Quando despertou o sonho era realidade. A cama, como toda a barraca, estava tapizada dessas vorazes formigas, capazes de matar pequenos animais domésticos e até crianças recém-nascidas quando invadem vivendas rurais. Sorte para eles que das varias espécies dessas formigas, comuns na África e na Amazônia (onde se agrupam no gênero Eciton, que é idêntico), foram atacados pela mais mansa.

Várias outras pequenas aventuras, que se mencionam adiante, foram desfrutadas pelos viajantes, algumas com elefantes e hipopótamos, outras com macacos e até com águias. Tudo maravilhoso!

A equipe

A equipe foi formada por Maria Tereza Jorge Pádua, Miguel Milano e a sua esposa Sineia Mara Zattoni, Maria de Lourdes Silva Nunes, Leide Yassuco Takahashi e Marc Dourojeanni.

Todos ambientalistas profissionais e convencidos.

O nosso guia em Quênia era um Masai. O guia em Tanzânia, ou seja, para a maior parte da viagem, foi Clint Schipper, um australiano com muitos anos de experiência africana.
Os donos e senhores da terra que visitamos são os Masai, que há 200 ou 300 anos invadiram a região.

Os Masai são originários do Nilo e progressivamente conquistaram as grandes savanas do Serengueti, no Quênia e na Tanzânia. São um povo guerreiro que mantém parte de suas tradições, incluindo a sua vestimenta. Uma teoria diz que a vestimenta e as armas dos Masai se originam nas que usaram as legiões romanas que ocuparam o norte de África.

Hoje, os Masai criam cabras, ovelhas e camelos, além de gado, e cedem parte das suas terras para agricultura intensiva de grãos. O excesso de pastoreio, o uso abusivo da terra agrícola, as queimadas e a fabricação de carvão vegetal estão degradando o ecossistema. É evidente a erosão dos solos e o empobrecimento da população. Felizmente, mais e mais Masai estão se incorporando a atividades de turismo, muitos como guias e motoristas, mas, também como empreendedores.

Os protagonistas principais

Os gnus são os protagonistas centrais de tudo o que acontece. São o alimento principal de felinos, hienas e crocodilos e, assim mesmo, são os grandes fertilizadores das savanas e, ao mesmo tempo, consumidores de sua biomassa.
Observe-se na última foto um crocodilo gigante que mordeu a pata do gnu procurando arrastá-lo para que se afogue. A luta durou muitos minutos e terminou quando a presa logrou se soltar. Vitória inútil já que, com a pata quebrada, o animal está condenado à morte lenta por inanição ou até se tornar presa de outro animal. Os crocodilos matam apenas por hábito, pois são centenas os cadáveres de gnus disponíveis para serem consumidos no rio, como se observa nas próximas fotografias.
Para piorar as coisas, é frequente que os gnus sigam as zebras e não a seus próprios congêneres. Assim sendo, os mesmos grupos cruzam o rio em um ou outro sentido, a cada vez, arriscando a vida para deleite de predadores e turistas. Para piorar as coisas, é frequente que os gnus sigam as zebras e não a seus próprios congêneres. Assim sendo, os mesmos grupos cruzam o rio em um ou outro sentido, a cada vez, arriscando a vida para deleite de predadores e turistas.
Porém sempre há gnus em número suficiente. De fato, sabe-se que a predação é um fator essencial para manter a população de gnus saudável e forte.
O espetáculo trágico e macabro da passagem dos gnus no rio Mara atrai, além de crocodilos, milhares de voyeurs, nós entre eles. Foi o único ponto da viagem em que sofremos de saturação de turistas.
Fato curioso é que, se bem a migração responde à lógica da disponibilidade de pasto em função da chuva, o vaivém diário dos gnus no perigoso rio não responde a nada que faça sentido. Parece-se muito com o jogo infantil “sigam o líder” embora ninguém saiba, menos ainda o próprio líder, aonde vai e por que vai. Diga-se de passagem, isso é muito comum entre os humanos.

Outros habitantes dos rios e lagos

Os hipopótamos parecem simpáticos apenas para quem ignora que, junto com os búfalos, são os animais mais perigosos da África. Muito mais que leões e elefantes.

Os gigantes

Os elefantes foram onipresentes. O primeiro grupo que vimos era formado por 40 exemplares. Eles podem ser agressivos e, de fato, atacaram ao nosso motorista dentro da área de um lodge. Ele foi salvo pela intervenção de guerreiros Masai, bem sob as nossos narizes. Uns dias antes, um deles matou um turista americano.
Em outro acampamento eles destruíram árvores a escassos 3 metros da barraca onde Maria Tereza e Marc pernoitavam. Eles atrasaram a saída do grupo, pois se instalaram no meio do acampamento.
Nesta viagem não foram vistos muitos rinocerontes, tremendamente perseguidos em toda África devido à demanda chinesa por afrodisíacos e da árabe por bainhas para suas adagas. Ao contrário se observaram muitas girafas e búfalos.

Paisagens

Gazelas e zebras

Mais sobre a expedição e os expedicionários

Durante a viagem, fomos surpreendidos por ataques de águias para roubar a nossa comida das nossas mãos e por um por um hipopótamo em nosso local de piquenique.
Barracas de todo tipo, das boas e das bem ruins. Muitos almoços sobre grama, outros sobre o capô da camionete. As jantas eram melhores, às vezes até luxuosas.
Anoitecer no Serengueti
Anoitecer no Serengueti

Os quase humanos

Lindo e raro primata (Colobus) vivia nas árvores acima da nossa barraca num dos acampamentos.
Os babuínos não são simpáticos. Atacam com muita facilidade. Presenciamos um assalto à mão armada – garras e dentes – de babuínos contra um grupo de turistas que ficaram justamente aterrorizados com a experiência brutal. Ninguém quer ir até África para experimentar o mesmo que se sofre em muitos lugares do Brasil.
Ao lado dos babuínos se observa um denso grupo de mangostas.
Outros bem menos bonitos também viviam lá, incluindo o velvet monkey, que invadia sistematicamente as barracas para pilhá-las. Ao final, um velvet monkey, quiçá o mesmo que nesse local enfiou seus dentes afiados na perna de uma das nossas companheiras, sem motivo nem aviso.

Os predadores

Vimos tantos leões que deixamos de nos interessar por eles. Numa oportunidade vimos 15 num grupo só. Outro grupo dormia placidamente ao redor da sua presa, um gnu.
Nessa árvore hávia tres leopardos com uma carcaça de gazela. Na foto se observa o perfil da mãe vigiando a área.
Observam-se muitas leoas e leões juvenis, mas, poucos machos. Vimos uma leoa dormindo numa árvore, imitando os leopardos. É raro ver leopardos. Nas minhas viagens anteriores à África não havia visto esse animal. Nesta oportunidade vimos quatro.
Nossa companheira Malu tem olho clínico para ver bichos raros, como este belo serval. Ela detectou três desses gatos muito antes que os nossos guias. Este gato, como os guepardos e leões praticam ginástica e alongamento antes de partir para a caça.
Estes dois grupos de guepardos (mãe e dois filhotes) não são os mesmos. O primeiro foi fotografado em Quênia e o outro na Tanzânia. Pela segunda vez na minha vida vi, ao vivo e direto, uma caçada de gazelas por um guepardo. É uma comédia-tragédia bem montada onde as presas conhecem de sobra o que vai ocorrer e demostram uma curiosa resignação.

Mais caçadores

A cara de bandido sem-vergonha da hiena é totalmente coerente com os seus hábitos. É assassina, oportunista e come qualquer carne, da boa e da podre. Mas é um bicho admirável que sobrevive muito bem, tão bem como o fazem tantos políticos que as imitam.
Os festins das hienas sempre contam com a participação de diversos abutres e chacais.

Outros habitantes da Savana

Os facóqueiros são muito simpáticos. Para comer se ajoelham como se foram muçulmanos no momento da reza.
O outro bichinho simpático é o hyrax. Ele é geneticamente aparentado com os elefantes… Dá para acreditar?

A grande variedade de aves

Mais e mais paisagens

O Lago Vitória ao amanhecer e os baobás de Tanagire.
A cratera do Ngorongoro e seus flamengos e gnus correndo na beira do lago.

 *Esse texto foi editado em 19/05/2024 para repaginação

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