Projetos de conservação no mundo todo são desenvolvidos com recursos oriundos de zoos e aquários, mas no Brasil a possibilidade de financiar projetos é remota, pois boa parte dos zoos sequer têm autonomia financeira ou recursos para investir em melhorias internas.
Há dois anos, imaginei como poderíamos unir os esforços de pesquisadores de campo com o que fazemos em cativeiro, e trabalhar a conservação de forma integrada.
Conversando com Patrícia Medici, do IPÊ, que desenvolve um trabalho sensacional com antas, comentei que achava estranho encontrá-la em congressos de zoos no exterior mas nunca em um congresso da Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil (SZB). Eu também constatei que a SZB não tinha recurso para ajudar na pesquisa. Isso posto, como poderíamos cooperar? Na época, a Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira estava lançando a campanha “Minha Amiga é uma Anta“, e a Patrícia me disse que seria sensacional se os zoos pudessem ajudar a divulgar.
Ponta de lança
Com um público anual de cerca de 20 milhões de pessoas, zoos e aquários do Brasil têm um potencial único de espalhar a mensagem de conservação.
A SZB adotou esta campanha, que foi trabalhada por vários zoos no Brasil, e desta forma iniciamos a ideia de a cada ano desenvolver uma campanha de educação ambiental em parceria com um projeto de campo.
Em 2014 lançamos, em parceria com Arnaud Desbiez, Coordenador do Projeto Tatu-Canastra, a campanha “Tem Tatu Aqui“, e transformamos 2014 no ano do tatu. Foi feito um site com informações, jogos, fotos, cartilha educativa e novamente muitos zoos e aquários incorporaram o tema em suas atividades de educação ambiental, ajudando o projeto a divulgar e sensibilizar.
Também em 2014 trabalhamos em parceria com o pesquisador Alex Bager para fazermos o Dia Nacional de Urubuzar, com objetivo de aumentar o número de usuários do Sistema Urubu, um aplicativo que permite a qualquer um notificar um atropelamento de fauna. Espera-se, com o aplicativo, reduzir esses episódios. Hoje, a estimativa de atropelamentos de animais silvestres chega ao número assustador de 475 milhões de animais vertebrados por ano.
Durante o Congresso da SZB que aconteceu há duas semanas, Alex apresentou os resultados da campanha. Cerca de 70 zoos e aquários pelo país trabalharam para divulgar o aplicativo e conseguir novos adeptos. O número de usuários teve um aumento incrível já no dia do evento, e continuou aumentando bastante desde então. Já dobrou.
O movimento ficou tão forte que já há uma proposta de projeto de lei que pretende reduzir drasticamente o impacto dos atropelamentos. O PL 466/2015 dispõe sobre a adoção de medidas que assegurem a circulação segura de animais silvestres no território nacional, com a redução de acidentes envolvendo pessoas e animais nas estradas, rodovias e ferrovias brasileiras.
Isso para nós foi incrível, sermos parceiros em uma campanha que pode culminar com a aprovação de uma lei que favorece a fauna. Resultado sensacional e concreto. Agora estamos mobilizando zoos e aquários novamente para conseguir assinaturas para a petição.
Em março, celebramos, em conjunto com o ICMBio e Ministério do Meio Ambiente o Dia Mundial da Vida Selvagem, e criamos a campanha “Loucos pela Vida Selvagem“, com um concurso de fotos sobre este tema. Recebemos mais de 1.800 fotos sobre vida selvagem.
Ano do Lobo
O congresso em Foz do Iguaçu acabou ajudando as chances de sobrevivência de um casal de lobos na região da Serra da Canastra.
Durante o Congresso foi lançada a campanha “2015, o Ano do Lobo-Guará“, elaborada em parceria entre a SZB e o Rogério Cunha, coordenador do Programa para Conservação do Lobo-Guará. Durante o congresso, Rogério e Adriano Gambarini venderam mais cópias do livro “Histórias de um Lobo” do que no próprio lançamento.
Aliás, com as receitas de venda de produtos do Projeto Amigo do Lobo, em um stand cedido pela SZB, o projeto arrecadou o suficiente para construir 4 galinheiros! Os galinheiros são construídos pelo Amigo do Lobo para prevenir os conflitos entre a população da Serra da Canastra e o lobo-guará e assim aumentar a tolerância ao predador. Como os galinheiros protegem as aves de ataques dos lobos, por tabela evitam que os lobos-guarás sejam mortos em retaliação.
De acordo com o Rogério, a partir dos territórios dos lobos na região, estima-se que esse seja o número mínimo de propriedades protegidas para que um casal de lobos continue sua caminhada por ali, livre da perseguição de proprietários inconformados com a perda de suas galinhas. Assim, o congresso em Foz do Iguaçu acabou ajudando as chances de sobrevivência de um casal de lobos na região da Serra da Canastra. Pelo menos, caçados eles não serão.
A SZB conseguiu recursos para fazer um site onde o Amigo do Lobo pode divulgar seu trabalho, criamos material de divulgação em inglês e espanhol para espalhar esta campanha internacionalmente, e já temos outras associações de zoos adotando a campanha (AZCARM – México e ALPZA – América Latina). Agora, queremos trabalhar em parceria para mobilizar zoos no exterior, que mantenham lobos-guarás, para que cada um deles doe um galinheiro para o projeto, algo tipo “Todos juntos pelo Lobo-Guará”.
Ver para conservar
As possibilidades são tantas que precisávamos de dias de 50 horas para dar conta de todas as ideias de projetos que surgem.
No mundo todo, 700 milhões de pessoas por ano visitam zoos. Pense no potencial da campanha O Ano do Lobo-Guará, em termos tanto de conscientização quanto arrecadação de recursos para os trabalhos de campo.
Além do lobo-guará, vários outros projetos de conservação (papagaios ameaçados, anta, tamanduá, tatu-canastra) receberam gratuitamente stands no congresso, e puderam divulgar sua mensagem e vender seus produtos para um público empolgado de quase 700 pessoas.
Também foi criada durante o congresso, em parceria com o Amphibian Ark, uma Força Tarefa: Zoos e Aquários Unidos pela Conservação de Anfíbios, para que possamos estabelecer programas de conservação para espécies ameaçadas deste grupo (41 no Brasil) que precisam ser resgatadas, reproduzidas em cativeiro ou que necessitam de trabalhos de conscientização. Pelo menos 8 zoos vão integrar esta força-tarefa.
Após o congresso, levamos pesquisadores estrangeiros para conhecer as cataratas do Iguaçu. Em determinado momento, um deles parou de fotografar e disse: “Não, isso não tem como ser descrito em palavras ou fotos, isso tem que ser sentido”.
E é exatamente o que argumentamos quando nos dizem que um documentário elimina a necessidade de ver um animal em zoológico. Isso tem que ser visto ao vivo, para que possa ser traduzido em ações práticas de conservação.
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