Não poucas vezes ao longo da vida me questiono qual a razão de sucessivos governos usarem o meu suado trabalho, extorquido na forma de impostos pornograficamente altos, para financiar obras e serviços em países longínquos. Diz o be-a-bá da diplomacia que isso seria uma forma do Brasil exercer influência positiva nessas nações, avançando nossos interesses e gerando parcerias. A recente visita da titular do Planalto a diversos países africanos, mais uma vez irrigando o continente com dinheiro do suor dos trabalhadores tupiniquins, é apenas a mais recente das sucessivas injeções de bilhões de reais nas economias africanas, do que seria de se esperar, ao menos, um pouco de civilidade dos representantes oficiais desses países em relação ao Brasil e suas propostas em foros internacionais.
Causa surpresa e indignação, portanto, se chegar em um foro como a CoP16 da Convenção CITES e ver comensais do dinheiro brasileiro como a Namíbia e Moçambique não apenas votarem contra as propostas brasileiras de conservação dos tubarões, mas ainda fazerem questão de discursar contra, atendendo aos interesses não de seu povo ou de parceiros como o Brasil, mas sim de seus mestres orientais. O novo escravagismo, e que subjuga não apenas africanos, mas também caribenhos e povos asiáticos mais pobres, atende pelos nomes de Japão e China.
A prática da compra de votos se tornou comum nos tratados sobre recursos marinhos, começando pela Comissão Internacional da Baleia e chegando aos organismos regionais de pesca. Antes, era só “ajuda econômica” a esses países, na forma de terminais pesqueiros, barcos maiores (para aumentar a predação insustentável dos estoques pequeiros e exportá-los para a Ásia, claro); hoje já se sabe que envolve pagamentos pessoais a delegados “leais” ao esquema asiático, ou seja, aqueles que votam e leem scripts preparados por seus mestres estrangeiros sem pestanejar.
Trata-se, isso sim, de uma opção vergonhosa do Itamaraty em transformar a atuação do Brasil em temas ambientais em “diplomacia ornamental”, onde se joga para a plateia ao aceitar apresentar propostas conservacionistas, mas na hora H se recusa a pressionar fortemente os parceiros geopolíticos relevantes para assegurar seu apoio aos avanços propostos.
Sumiço do Itamaraty
Contra esses interesses deveria se levantar a voz da diplomacia brasileira, mas esta segue fingindo que omissão e ¨soft power¨ são a mesma coisa quando se trata de defender temas ambientais.
O Ministro-Conselheiro Paulino Franco de Carvalho Neto é o Chefe da Divisão do Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores e lidera a delegação brasileira aqui na Cop16 da CITES. Há apenas dias do início da reunião aqui em Bangkok, em reunião com a sociedade civil, ele prometeu uma postura ofensiva a favor da conservação. Mas na hora de peitar os africanos vendidos aos esquemões da pesca asiática, não estamos vendo nada disso. Sequer é o chefe da delegação que apresenta as propostas brasileiras, deixando esse importante papel nas mãos de seu diplomata júnior, e relegando ao assento traseiro o pessoal técnico de alto nível da área ambiental. Representação nas capitais africanas em favor dos tubarões e raias-manta, então, nem pensar – o Brasil não quer estressar seus “parceiros” comerciais africanos com temas tão pequenos…
Não se trata, obviamente, da vontade pessoal ou de questão de competência dos diplomatas que estão aqui fazendo o que podem dentro de suas instruções – e do Ministro Paulino há que se dizer que resiste ao nosso descontentamento com simpatia e espírito democrático raros.
Trata-se, isso sim, de uma opção vergonhosa do Itamaraty em transformar a atuação do Brasil em temas ambientais em “diplomacia ornamental”, onde se joga para a plateia ao aceitar apresentar propostas conservacionistas, mas na hora H se recusa a pressionar fortemente os parceiros geopolíticos relevantes para assegurar seu apoio aos avanços propostos.
Não por outra razão a Rio+20 foi o fracasso que foi e os africanos, cubanos e outros comensais de nossos impostos se acham no direito de lidar com os interesses do Brasil na CITES e outros tratados ambientais como se necessidades fisiológicas fizessem. Lembremo-nos disso cada vez que virmos o Itamaraty propagandeando falsamente a “importância” do Brasil no panorama internacional.
*Esse texto foi editado em 07/05/2024 para repaginação
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