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Passados oito meses de governo, Lula ainda não decidiu se Brasil vai entrar na OCDE

Acessão do país na Organização traria ganhos ambientais de ao menos R$ 5 bilhões ao longo da próxima década, avalia estudo do Instituto Talanoa

Cristiane Prizibisczki ·
12 de setembro de 2023

Entre as muitas expectativas que Lula trouxe consigo quando chegou ao governo estava a entrada definitiva do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Conhecida por ser uma organização que promove boas práticas políticas, esperava-se que um governo comprometido em reorganizar a “casa malcuidada” fosse facilitar o processo de entrada no organismo, iniciado em janeiro de 2022 pelo seu antecessor.

Mas o governo Lula não dá mostras de que o Brasil integrará tão cedo ao grupo. Informação obtida por ((o))eco via Lei de Acesso à Informação junto ao Itamaraty revela que, passados oito meses de governo, a entrada do país na OCDE ainda está “sob exame”.

“O governo brasileiro considera importante a cooperação de longa data que o país tem mantido com a Organização, sobretudo para o desenvolvimento de políticas públicas. Está sob exame do governo, à luz do interesse nacional e das prioridades da política externa, o convite formulado ao Brasil, em janeiro de 2022, para que se torne membro da OCDE”, disse o Ministério das Relações Exteriores em resposta ao pedido de informação.

Mapa do Caminho brasileiro

Embora tenha ficado por muito tempo conhecido como um “clube dos ricos”, por ser formado por economias desenvolvidas, a OCDE hoje inclui países em desenvolvimento – como México, Chile e Colômbia – e se consolidou como um fórum que discute e promove as melhores práticas em políticas públicas.

Para que se torne membro pleno da Organização, no entanto, as nações postulantes precisam fazer adequações em sua legislação e em suas políticas, de forma a alinhá-las com os padrões e melhores práticas da OCDE.

Após anos de tratativa, o Brasil foi convidado a iniciar as negociações formais para sua adesão em janeiro de 2022. Para isso, a OCDE lançou um Mapa do Caminho com a lição que o Brasil precisava concluir para que pudesse se tornar seu membro pleno. 

Segundo Natalie Unterstell, presidente do think tank Talanoa, organização dedicada às políticas de mudança do clima no Brasil, diferente dos “Mapas do Caminho” da Costa Rica e Colômbia, por exemplo, o itinerário de acesso brasileiro foi bastante inédito na ênfase ambiental, com questões relacionadas a direitos de populações tradicionais, controle do desmatamento e emissões de gases estufa.

“Quando a gente olhou Costa Rica e Colômbia, os roadmaps eram muito parecidos […] No caso da Costa Rica houve uma forçação para eles aderirem ao tratado MARPOL [Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios], mas era um ponto dentre tudo que estava no mapa. No caso do Brasil, não. Houve uma evolução. Porque, de novo, não tinha nos roadmaps anteriores nada sobre net zero, nada sobre desmatamento. No caso do Brasil, a palavra desmatamento aparece três vezes”, disse Unterstell, em entrevista a ((o))eco.

Para ela, o roadmap diferenciado que o Brasil recebeu da OCDE foi motivado tanto pela política anti-ambiental que vinha sendo adotada pelo então presidente Jair Bolsonaro, quanto pelo novo cenário internacional de preocupação com as mudanças climáticas. “O itinerário brasileiro abriu um precedente”, diz ela.

Em termos ambientais, Brasil só tem a ganhar com a entrada na OCDE, avaliam pesquisadores do Talanoa. Foto: San Marcelo.

À época em que o convite foi feito ao Brasil, em janeiro de 2022, esperava-se que o processo de adesão durasse de três a cinco anos. Com a chegada de Lula ao poder, a expectativa era que esse tempo fosse ainda menor. 

Lula, no entanto, deixou claro que esta não é sua prioridade. Em março passado, informação publicada no Estadão mostrou que o atual governo havia reduzido os cargos da equipe brasileira junto à OCDE em Paris, com previsão de que mais postos na organização sejam enxugados nos próximos anos.

Ainda que o país já tenha cumprido 118 dos 257 instrumentos normativos da OCDE – segundo informações do Ministério das Relações Exteriores –, a política externa brasileira esteve voltada ao longo do ano para a participação do Brasil em outros organismos. A presidência do banco dos BRICs e o G20 foram alguns desses casos.

Ganhos ambientais

Críticos da entrada do Brasil na OCDE argumentam que, ao se tornar membro da Organização, o país perderia o status de “em desenvolvimento”, perdendo, também, benefícios financeiros internacionais.

Estudos feitos pelo Instituto Talanoa, no entanto, mostram que não é bem assim. Somente na área ambiental, os ganhos líquidos estimados seriam de, ao menos, US$ 5 bilhões ao longo da próxima década.

“Este é um benefício que adviria de melhorias regulatórias, principalmente relacionadas às questões ambientais, como melhor direito de propriedade. Como isso seria benéfico? A Terra Indígena seria de fato protegida e não invadida e a terra que é produtiva se tornaria mais produtiva, por exemplo”, explica Alan Leal, autor do trabalho.

De acordo com pesquisador Sérgio Margulis, que trabalhou na revisão da pesquisa, tal estimativa de ganho é bastante subestimada, já que o cálculo é difícil de ser feito. Para ele, os ganhos podem ser muito maiores.

“Esses 5 bilhões é um marco muito, muito subestimado dos potenciais benefícios. Eu acho, sinceramente, que a gente estaria falando de coisas de dezenas de bilhões de dólares de benefícios”, disse.

Segundo Natalie Unterstell, o objetivo do trabalho feito pelo Talanoa foi justamente mostrar que os benefícios da adoção de boas práticas na esfera pública não necessariamente se traduzem em custos somente.

“Existe essa narrativa muito propagada de que se o Brasil entrar [na OCDE], a gente vai perder benefícios e a gente vai ter grandes custos. Então, tem esse outro lado que é importante também de se afirmar que, bom, a gente tem aqui um cálculo, que não é definitivo, mas que mostra que essa narrativa [de custo] pode estar bastante equivocada”, diz a presidente do Talanoa.

Segundo o Instituto Talanoa, o cumprimento dos instrumentos normativos da OCDE e a pressão dos pares traria melhorias regulatórias e econômicas pronunciadas. 

“Minha percepção é que a acessão seria super benéfica. A gente vai ser comparado com os melhores do mundo e algum benefício vamos obter disso. Na área ambiental, o Brasil só pode ganhar. Estamos sempre no olho do furacão [em relação ao meio ambiente] e o fato de entrar na OCDE vai garantir que a gente esteja em compliance [conformidade] com o que os próprios países se impõem”, finaliza Alan Leal.

O Ministério das Relações Exteriores ainda não informou quando o Grupo de Trabalho criado para discutir a entrada do Brasil na OCDE terá um posicionamento final sobre o assunto.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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