Na semana passada, uma notícia me deixou estarrecido: a sanção presidencial da Lei Complementar 140. Parece que essa lei passou debaixo do radar dos ambientalistas. Fui pego de supetão, já que o noticiário só falava da Belo Monte e das alterações no Código Florestal, a maioria delas letra morta, referente a regras amplamente descumpridas. Enquanto isso, a LC 140, em especial seu Art. 17, desmonta uma estrutura que está funcionando. Através dela, o Ibama perde o poder de autuar crimes ambientais quando o licenciamento é de responsabilidade de estados e municípios.
A nova lei diz que, a partir de agora, o Ibama só autua aquilo que licencia. Parece correto e lógico, mas boa parte dos ilícitos ambientais fiscalizados pelo Ibama estão em áreas privadas e indústrias de pequeno e médio porte, onde não atua como licenciador. Tem dado certo. É fácil notar que o Ibama é respeitado e temido por aqueles que possam cometer infrações ambientais em todo o país.
Argumenta-se que estados e municípios, por estarem mais perto, têm as melhores condições de fazer cumprir a lei. A descentralização também obrigaria os órgãos estaduais e municipais a melhorar suas estruturas e capacidade de operação. Espero que seja verdade. Descentralizar é uma boa ideia. No entanto, a péssima ideia, irresponsável eu diria, é descentralizar primeiro e fazer funcionar depois.
Para mostrar o que isso acarreta, falei com os chefes de fiscalização do Ibama no Pará e da Secretária Estadual de Meio Ambiente do Pará (SEMA/PA). Qual é a estrutura de fiscalização disponível a cada órgão? Vamos aos números. Segundo Paulo Maués, da Divisão de Controle e Fiscalização (DICOF/IBAMA/PA), no Pará o Ibama tem 120 fiscais distribuídos na superintendência do órgão, 2 gerências e 7 escritórios. Eles dispõem de 50 viaturas e dois helicópteros. Para não falar na possibilidade de ações com fiscais e viaturas de outros estados, procedimento bastante comum. Trabalham tanto sob demanda (denúncias) quanto fazendo seus próprios levantamentos. Isso ocorre no âmbito do estado e através do apoio de serviços nacionais, sediados em Brasília, como o escritório de inteligência, para levantamento de fraudes, e de sensoriamento remoto. Funciona bem. Nas operações conjuntas com a Polícia Federal que vivenciei, só tenho elogios.
Fiz a mesma pergunta à Simone Linhares, chefe da diretoria de fiscalização da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará (SEMA/PA). O estado, hoje, tem 25 fiscais e 4 escritórios. Não possui helicóptero. Pela vivência no estado, posso constatar que eles não têm recursos para atender ao volume de serviço já demandado, independente da LC 140. Ainda que estejam previstos concursos para aumentar a equipe, isso não se resolve no curto prazo, e via de regra, a escassez de verbas para itens do tipo combustível, diárias e outras necessidades operacionais costuma ser mais grave nos estados menos ricos da nação. Convido os que trabalharam em outros estados a apresentar dados, para ver se a situação é equivalente.
Em suma, no caso do Pará, estamos retirando as atribuições do Ibama, um órgão estruturado, e entregando para outro que, na melhor das hipóteses, tem menos de 20% da estrutura. Comemoramos hoje as reduções no desmatamento, bradamos por maior rigor na lei, mas acabamos de restringir os meios para manter e melhorar os resultados.
Por que a aprovação da Lei 140 foi tão pouco discutida? Passou batido. Foi uma surpresa para a maioria da sociedade, que estava ocupada com outros debates, em especial Belo Monte e Código Florestal, e não viu tanta relevância nesse. Apenas no âmbito do IBAMA o assunto foi tratado, com óbvia indignação dos servidores. Não ouvi falar de nenhuma passeata ou manifestação no congresso contra essa lei. Antes da sanção presidencial, vi duas publicações em ((o))eco (veja aqui e aqui). Mas não houve atenção suficiente da mídia e das organizações ambientais que pudesse frear a proposta.
Infelizmente me pego especulando sobre teorias conspiratórias. Para passar despercebido, parece óbvio que o governo escolheu bem o momento de sancionar essa lei. Justo no meio da tempestade do Código Florestal. Conseguiu. Ninguém protestou, como se fosse de menor importância.
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