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Aprenda com quem faz a monitorar o desmatamento na Amazônia legal

INPE lança videoaulas sobre como é feito a detecção, enquanto no Brasil ninguém se importa com peixes-boi, tubarões ou incêndios criminosos em áreas protegidas.

22 de outubro de 2014 · 10 anos atrás
  • José Truda Palazzo, Jr.

    José Truda é jardineiro, escritor, consultor em meio ambiente especializado em conservação marinha e tratados internacionais, e indignado.

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Quando tive o desprazer de acompanhar a realização da Rio+20, a Conferência supostamente ambiental realizada no Rio de Janeiro para avançar sobre os temas da Rio-92, e que fracassou rotunda e propositalmente sob a batuta da diplomacia anti-ambiental do regime Lulla Roussef, achei que tinha visto o ápice dos paradoxos, do descolamento entre o discurso pseudoambiental e a práxis destruidora e irresponsável dos governos. Naquele evento, os delegados tinham de percorrer dezenas de quilômetros em ônibus até tendas armadas no descampado do Riocentro, onde geradores gigantes vomitavam toneladas de carbono para refrigerar Suas Governescências.

Mas a recente 12ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, que se encerrou na Coréia do Sul na semana passada, rivalizou bonito com nosso fiasco de 2012. Enfurnada num resort de montanha longínquo, o Alpensia, em Pyeongchang, a mando de políticos coreanos para fazer da CDB uma cobaia de logística para os Jogos de Inverno de 2018, aqui as tendas eram gélidas, sem ar-condicionado, mas os ônibus tinham de buscar delegados a até 50 Km de distância, dada a falta de acomodação adequada. Mas o pior, mesmo, foi fazer uma conferência sobre biodiversidade num resort que vai arrasar em parceria com o governo coreano as fabulosas florestas temperadas, com árvores de mais de 500 anos, no seu entorno, para fazer novas pistas de esqui para esses jogos de 2018, e que serão usadas por significativos… três dias.

Não apenas os governos transbordam demagogia e desperdício de energia, carbono e materiais nessas reuniões. A papelada deixada para trás por uma multidão de mega-ONGs e agências estatais e paraestatais ao final da reunião, de livros luxuosos a folheteria e cartazes para um único evento de uma hora, ficou ao fim empilhada para fazer toneladas de lixo… quem sabe ao menos encaminhado para reciclagem, de todo modo torrando materiais e energia, o que no fim também acaba com a biodiversidade.

Enquanto isso, no mundo de verdade…

“Seguimos, portanto, céleres rumo a um planeta povoado preponderantemente por humanos, ratos e baratas.”

A situação no mundo real, além da devastação de florestas nativas pelo hipócrita governo anfitrião? A pior possível. Poucos dias antes de iniciar a COP, foi lançado um relatório do WWF demonstrando que nas últimas quatro décadas o mundo perdeu MAIS DA METADE das suas populações de animais silvestres para o avanço descontrolado e desnecessário da ocupação humana. Desnecessário e descontrolado sim, porque na abertura da reunião ouvimos do Secretariado da Convenção que, entre outras barbaridades, 1/3 dos alimentos produzidos em todo o globo estão indo para o lixo, e mais de 60% de toda pesca (aliás mantida com gordos subsídios estatais) é absolutamente insustentável. Seguimos, portanto, céleres rumo a um planeta povoado preponderantemente por humanos, ratos e baratas.

Pois há de me perguntar o leitor se valeu a pena mesmo assim esta pujante Conferência. A resposta é sim e não. A Convenção sobre Diversidade Biológica sempre me pareceu inútil, mais um factoide da diplomacia ornamental que fazem os países quando se trata da temática ambiental. Se formos ver o que aconteceu na Conferência propriamente dita, entre os delegados de governo sentados em plenária e grupos de trabalho, realmente a coisa é de desanimar, um fracasso total. As Metas de Aichi, que definem ações efetivas para a conservação da biodiversidade, estão bem longe de serem cumpridas. A Declaração de Gangwon aprovada no dito “segmento de alto nível” é um festival de generalidades babacas, que não responde nem em alto nem em baixo nível à gravíssima crise de devastação ambiental que o planeta enfrenta. E não contentes em não cumprir as Metas de Aichi, os representantes dos pagadores de impostos do mundo aprovaram mais compromissos para não serem cumpridos, na forma de decisões que compõem o dito Roteiro de Pyeongchang.

Brasil do lado errado

“(…)delegação [brasileira] passou as duas semanas da reunião empenhando-se exclusivamente em embaçar, retardar deliberações, atrapalhar o andamento das decisões”

Meio num clima de “agora vai”, as mega-ONGs e agências da ONU festejaram, enquanto os representantes da sociedade civil que não estão preocupados em fazer salamaleques aos burocratas criticaram a falta de compromissos efetivos para a conservação. Compromissos mais sérios para ampliar o volume de recursos para a conservação da biodiversidade foram efetivamente bloqueados pela resistência de países “em desenvolvimento” de mentalidade retrógrada como o Brasil, cuja delegação passou as duas semanas da reunião empenhando-se exclusivamente em embaçar, retardar deliberações, atrapalhar o andamento das decisões, isso quando não estava propagandeando as falsas reduções do desmatamento da Amazônia como a “grande contribuição” desse lamentável regime para seus compromissos ante a CBD. Uma revisão geral, ainda que burocrática e “boazinha” para os governos de todo o andamento da reunião formal pode ser lida nos Boletins do IISD.

Entretanto, aprendi nessa COP que os valores efetivos da CBD não estão nas suas plenárias lotadas de burocratas estatais enroladores, e sim naquilo que a Convenção consegue gerar ao seu redor. Para começar, o brasileiro Bráulio Dias, seu Secretário-Executivo, conseguiu fazer do Secretariado da CBD uma usina de informações relevantes para a conservação, a começar pelo Panorama Global da Biodiversidade que compila regularmente e que, nesta reunião, foi apresentado no primeiro dia sem reservas ou delongas: a coisa está feia mesmo e assim foi dito. Além desse documento essencial, o Secretariado participa da produção de diversos outros, como o relatório assustador sobre a síntese do conhecimento dos efeitos da acidificação dos oceanos na biodiversidade. Assim, apesar da resistência dos governos em agirem, o Secretariado da CBD municia quem quer fazer algo de informação abrangente e relevante, sem trololós nem enganações tão comuns a documentos oficiais de outros tratados internacionais. O Secretariado ainda participa ativamente de articulações regionais e se empenha em facilitar a obtenção de recursos para programas de conservação da biodiversidade na prática.

A verdadeira ação pela conservação da biodiversidade que ainda resta no planeta se vê acontecer nas margens na COP da Convenção da Diversidade Biológica, em um grande número de eventos paralelos. Nestes, pudemos presenciar os enormes avanços que as nações-ilhas do Pacífico, dentre elas Palau, Federação da Micronésia, Kiribati e Ilhas Marshall estão efetivando na conservação marinha e na luta contra as mudanças climáticas. Pudemos constatar que as grandes agências financiadoras, como a GIZ alemã, estão mudando seu padrão de ajuda financeira internacional para atender a critérios mais rigorosos de sustentabilidade e conservação (mais um argumento contra o obstrucionismo medieval do Itamaraty em modernizar nossa política externa no tema), e como o Mecanismo Global de Financiamento Ambiental – GEF está priorizando mais e mais projetos que atendam às necessidades de proteção da fauna e flora.

Protocolo de Nagóia

“Tivessem MMA e MRE deixado de conspirar (…) não teríamos passado tanto vexame, coroado ao final pela denúncia de que o Brasil escandalosamente não ratificou o Protocolo de Nagóia”

Este seu escriba também esteve co-organizando um evento paralelo pelo Instituto Augusto Carneiro e a campanha global Divers for Sharks, levando à CDB a discussão dos usos não-extrativos de biodiversidade, como Mergulho e Ecoturismo, que geram bilhões de dólares ao ano sem destruir espécies e ambientes. A corajosa Fundação Grupo Boticário compareceu para mostrar seu programa de apoio a projetos de conservação da Natureza, uma das poucas ONGs brasileiras que não se dobra à demagogia pseudo-sócio-ambiental que desvia criminosamente os parcos fundos de conservação para subsidiar gente em “comunidades”. Há, portanto, vida inteligente e ações práticas fora das plenárias soporíferas em que cada vez que um dos bedéis partidários da delegação brasileira aparecia no telão, sentia-se um desânimo coletivo dos delegados de outros países, que lançavam olhares solidários aos brasileiros representantes da sociedade civil tão mal representada.

Diga-se, a bem da verdade, que o Secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Roberto Cavalcanti, prestigiou vários dos eventos paralelos importantes, e ao menos esteve disponível para dialogar com diversos setores presentes na reunião, o que é mais do que se pode dizer da legião de outros funcionários federais que lá foram para apatifar vírgulas e semear colchetes, ou ainda não fazer nada. Tivessem MMA e MRE deixado de conspirar para andar para trás e feito Cavalcanti sentar-se a negociar de maneira positiva nas duas semanas da reunião, não teríamos passado tanto vexame, coroado ao final pela denúncia de que o Brasil, que escandalosamente não ratificou o Protocolo de Nagóia sobre recursos genéticos por falta absoluta de empenho político do regime Dilma (mas atrapalhou os trabalhos querendo direitos mesmo não tendo feito o dever de casa), estava já à beira de infringir decisões da CDB sobre salvaguardas genéticas ao considerar autorização para que a FuturaGene, uma empresa do grupo Suzano de papel e celulose, faça experimentos de larga escala com seus eucaliptos geneticamente modificados.

O que nos resta como cidadãos brasileiros para enfrentar as crises – de perda da biodiversidade e de representatividade adequada em tratados de tamanha importância? Antes de tudo, seguirmos mobilizados para uma faxina geral na política do país, onde cada vez mais se (re)elegem analfabetos ambientais e representantes dos interesses mais retrógrados das corporações nacionais, a quem sustentabilidade só atrapalha em sua busca de lucros de curto prazo a qualquer custo. Depois, tentarmos tirar o termo “biodiversidade” do sarcófago e traduzi-lo em exemplos inteligíveis, para que as novas gerações entendam a importância de preservar fauna, flora e ecossistemas para que não falte comida ou água, o que já está acontecendo nas São Paulos da vida por conta da devastação ambiental. E lutar muito, mas muito mesmo, para que na COP13 da Convenção da Diversidade Biológica, a ser realizada em 2016 no México, estejamos representados por algo melhor que uma tropa de choque do atraso que impede o Brasil de se destacar como país proativo e corajoso na defesa de um futuro comum para gente e Natureza no século XXI.

 

 

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